Direito Civil

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Bens principais e bens acessórios

Frase do dia: o acessório segue o principal.

Tópicos:

  1. Art. 92
  2. Art. 96 e benfeitorias
  3. Frutos
  4. Art. 95
  5. Art. 97
  6. Arts. 93 e 94
  7. Art. 98 e bens públicos
  8. Art. 99
  9. Art. 100
  10. Art. 102
  11. Art. 101, o último artigo
  12. Mensagem final da professora

Hoje vamos ver a diferença entre bem principal e acessório. Os artigos 92 a 103 não foram vistos na ordem hoje, mas a professora optou pela ordem abaixo pelo didatismo.

Para sabermos, deve-se notar o ângulo do qual estamos observando o bem. Uma casa pode tanto ser considera um bem principal quanto acessório, a depender da perspectiva: ao compará-la com uma janela que nela está contida, ela é o bem principal; ao compará-la com o terreno no qual ela se situa, ela é o acessório.

O mais importante neste momento é que, ligado a essa divisão dos bens, temos um princípio expresso do Direito Civil que carregamos durante todo o curso: “o acessório segue o principal”. É um princípio relacionado aos bens, mas que é carregável para outros ramos do Direito Civil. Numa locação, provavelmente temos, atrelada a ela, a fiança e as obrigações inerentes ao fiador. A locação é o contrato principal, enquanto a fiança é a garantia, que tem um caráter acessório. Se a locação for alterada, a fiança também será. Logo, usaremos o mesmo raciocínio deste princípio, que é ligado a bens, para outros ramos do Direito Civil, como os contratos e obrigações.

Art. 92

CAPÍTULO II
Dos Bens Reciprocamente Considerados

Art. 92. Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquele cuja existência supõe a do principal.


Terreno é algo concreto. A dívida é algo abstrato. Atrelado à dívida há os juros e a correção monetária. A dívida é principal, enquanto os juros e correção monetária são os acessórios. O acessório sempre depende do principal, não apenas para efeitos de modificações deste, mas em relação à própria existência: se o principal não existe, também não existe o acessório. Só temos juros se tivermos dívida, e só teremos janela se tivermos casa. Esse bem acessório terá uma classificação.
 

Art. 96 e benfeitorias

Art. 96. As benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis ou necessárias.

§ 1o São voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor.

§ 2o São úteis as que aumentam ou facilitam o uso do bem.

§ 3o São necessárias as que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore.


As benfeitorias são subdivididas em:

Os parágrafos são auto-explicativos. Mesmo assim vamos analisar os conceitos um pouco mais a fundo.

Vejamos: Foi uma medida necessária. Logo, devemos ver o motivo pelo qual foi usada a piscina. Neste caso, portanto, ela ficou configurada como bem útil. Antes disso, ela poderia ter sido voluptuária, ou também útil, se o dono a usava não apenas para embelezar seu quintal.

Vamos lá à frente do Código, para os artigos. 1219 e 1220, que ficam no Livro III (Direito das Coisas), Título I, Capítulo III.

O art. 1219 traz a figura do possuidor de boa-fé. O locatário de apartamento alugado não é proprietário, mas possuidor de boa-fé. A pergunta é: se o locatário fizer benfeitorias no apartamento, ele deverá ser ressarcido?

Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.

Se o locatário tomar a iniciativa de consertar a parede com infiltrações, esta terá sido uma benfeitoria necessária. Se resolver aumentar a sala, ela terá sido útil. Se puser uma estátua, a benfeitoria é voluptuária.

Haverá ressarcimento quando forem feitas benfeitorias dos dois primeiros tipos: necessárias e úteis. Caso Dona Benta, que alugou um quarto para Visconde de Sabugosa, não queira pagá-lo pelas benfeitorias úteis e/ou necessárias que ele fez no quarto, o Código Civil diz que, sendo possuidor de boa-fé, ele terá o direito de retenção do valor, como compensação dos valores gastos nas benfeitorias. Note a parte final do artigo.

E se for voluptuária a benfeitoria? Ela pode ser levantada, ou seja, Visconde poderá levá-la consigo, desde que sua remoção não se cause destruição ao quarto de Dona Benta. Não há direito a indenização.

O art. 1220 trata do possuidor de má-fé. Digamos que Marquês de Rabicó, que apesar de ainda na posse, está deixando de pagar o aluguel do imóvel onde mora, que pertence a Dona Benta, configurada a má-fé, caso ele faça benfeitorias, o que acontecerá?

Art. 1.220. Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias.

O artigo nem menciona as úteis. Só há direito à indenização das benfeitorias necessárias. Não há, aqui, o direito de reter valores do aluguel. Se Marquês deixar de pagar o aluguel para compensar o gasto que teve, o prazo de locação já terá passado e a inadimplência já terá ocorrido. Na melhor das hipóteses, o locatário pode pedir ao proprietário que indenize.

O invasor outro tipo possuidor de má-fé. Também só se devem ressarcir as benfeitorias necessárias. O Código não fala das úteis, mas cita as voluptuárias na parte final: o levantamento delas não poderá ser feito por possuidores de má-fé.

O comum é que as partes coloquem no contrato de locação o que será feito com as benfeitorias.

Se o locatário/possuidor for ora de boa-fé, ora de má-fé? Neste caso, deve-se observar momento em que ele se comportou com boa-fé e com má-fé.
 

Frutos

É outro bem acessório. É o bem acessório retirado do principal. A palavra chave que devemos associar a frutos é a “inesgotabilidade”. A fonte dos frutos nunca se esgotará. Frutas, por exemplo: uma situação normal, a maçã é retirada, e com o tempo, ela nascerá novamente. A maçã é acessório da árvore, que nesse caso é principal, mas a árvore é acessório do terreno, que é principal.

E se um dia a fonte se esgotar? Petróleo, por exemplo? Então, classifiquem o bem dela oriundo como produto, não fruto.

Os frutos sofrem duas classificações doutrinárias:

Há também os frutos civis, que tratam-se dos institutos que são considerados frutos pelo Código Civil. O contrato de locação é o contrato principal. Atrelado a ele há a fiança e o aluguel. Este é considerado um fruto civil acessório, pois obviamente só pode haver aluguel se houver um contrato de locação. Os juros, como já vimos, também são frutos civis; a correção monetária idem. Olha a corrente: juros e correção --> aluguel --> contrato de locação. Aqui, para determinar os bens principais e acessórios, devemos fazer comparações dois a dois: primeiro, tomamos os juros e o aluguel. Só pode haver juros se houver aluguel, logo aquele é o acessório e este é o principal. Já quando comparamos o aluguel com o contrato de locação, este será o principal enquanto aquele o acessório, pois não é possível haver aluguel sem contrato de locação.

Mais classificações de frutos:

  1. Frutos pendentes: não há separação entre o bem principal e o acessório. A própria maçã, por exemplo, está pendurada na árvore. Simplório assim.
  2. Frutos percebidos: já ocorreu a separação. Exemplo: frutas colhidas do pé.
  3. Frutos consumidos: lembrem-se da aula de ontem. Há os bens consumíveis fisicamente e os consumíveis juridicamente. Ao comer a maçã, ela é considerada consumível fisicamente. Ao vendê-la, ela é considerada consumível juridicamente.
  4. Frutos percipiendos: a maçã está no ponto de ser retirada, mas ainda não se separou. Exemplo clássico: a maça está deteriorando lá na árvore do Sítio do Picapau Amarelo.
  5. Frutos estantes: a maçã foi retirada do pé, não foi consumida, mas estocada, armazenada. Lembrem-se de uma estante na qual podemos guardar a maça depois de colhida.

Parece tudo besteira, mas esses termos são usados em contratos, e muitos nem têm idéia de como essa classificação, apesar de decoreba, é tão simples.
 

Art. 95

Art. 95. Apesar de ainda não separados do bem principal, os frutos e produtos podem ser objeto de negócio jurídico.

O que o Código quer dizer neste artigo é que não precisa haver a separação entre o bem principal e o bem acessório. Já se pode fazer o que se chama de venda futura. Os frutos e produtos já podem ser negociados mesmo não estando separados do bem principal. É um artigo importante para negócios agrícolas e lotes negociados na BM&F (Bolsa de Mercadorias e Futuros).
 

Art. 97

Este artigo diz quais serão as pessoas legitimadas a fazer benfeitorias no bem principal:

Art. 97. Não se consideram benfeitorias os melhoramentos ou acréscimos sobrevindos ao bem sem a intervenção do proprietário, possuidor ou detentor.

Partes legitimadas a fazer benfeitorias:

  1. Proprietário: indiscutível.
  2. Possuidor: também podem, conforme os artigos que 1219 e 1220, que acabamos de ver.
  3. Detentor: é o que há de diferente. Está ligado ao contrato de depósito. Para entendê-lo, visualizem uma casa. Não emprestamos a casa, mas queremos que a pessoa tenha a guarda dela. Depósito se liga a guarda. Em geral, quem está nesse posto é o caseiro. O caseiro é possuidor de boa-fé. Quando o Código Civil falar em detentor, ligue esse termo imediatamente ao contrato de depósito, por isso ele tem a guarda. Isso significa que, em relação a tudo o que o caseiro fizer em relação àquela propriedade, temos que analisar segundo o comportamento do art. 1219. Ele pode levantar as benfeitorias voluptuárias e pode exercer o direito de retenção em face das necessárias e úteis.¹

Depositário infiel: esta polêmica figura, que inclusive tem sido tema de debate constitucional, é o ente exatamente atrelado a esse contrato de depósito: a pessoa sabe que está na guarda do bem e que tem que devolvê-lo. Se não sair, a prisão civil terá ensejo, apesar de que a discussão sobre a constitucionalidade dessa prisão, especialmente pelo Brasil ser signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).
 

Arts. 93 e 94

São novos, não estavam no antigo Código.

Art. 93. São pertenças os bens que, não constituindo partes integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro.

Art. 94. Os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da manifestação de vontade, ou das circunstâncias do caso.

Falam de pertenças. Antes de falar delas, olhe a observação: pertença é algo não-essencial. A janela de uma casa é essencial, logo ela, que é acessório, segue o bem principal que é a casa.

Tudo o que for não-essencial, ou seja, aquilo que se pode viver sem, será chamado de pertenças. Quadros, televisão, fogão, sofá, etc. Quando falávamos em bem de família, vimos que há certas propriedades que se livram da execução de certas dívidas. De acordo com a lei 8009, a casa e as pertenças ficam protegidas. Observação: caso o proprietário da casa possua duas geladeiras, apenas uma está protegida.

Regra: as pertenças não seguem o principal. Exatamente o contrário da regra para os bens acessórios. Ao vender a casa, obrigatoriamente vendemos a janela junto, mas não os sofás.

Exceção: as partes ou a lei podem estipular que as pertenças sigam o bem principal. Alugar apartamento mobiliado fará, obviamente, com que as partes criem disposições sobre as pertenças. Se for feita uma venda de um imóvel mobiliado, isso terá que estar especificado. Do contrário, o que estiver passando a propriedade do bem imóvel não terá a obrigatoriedade de passar os bens móveis.

Observação: imaginem uma fábrica. Deve-se ver qual(is) da(s) máquina(s) é(são) a(s) essencial(is). Se a fábrica for vendida, as não-essenciais serão consideradas pertenças, enquanto as essenciais serão consideradas bens acessórios.
 

Art. 98 e bens públicos

O Código Civil apenas classifica os seguintes. Veremos isto melhor em Direito Administrativo.

Esta é a última classificação de bens!

CAPÍTULO III
Dos Bens Públicos

Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.

Primeira conclusão a tirar do artigo: a doutrina civilista diz que, para chegar ao conceito de bem particular, devemos primeiro saber o que é bem público. O que sobrar será bem particular. O conceito de bem particular virá, portanto, em caráter de exceção.
 

Art. 99


Art. 99. São bens públicos:

I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;

II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;

III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.

Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.

Diz o que é bem público. Preocupa-se apenas com isso.

Último inciso:

III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.

Os bens de uso comum, mostrados no inciso I, são os bens da coletividade: praia, estrada, praça. Para complementar o entendimento do art. 99, inciso I, vamos um pouco à frente, ao art. 103:

Art. 103. O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem.

Pode-se cobrar para entrar numa praia? Por que certas rodovias têm pedágio? Note o termo bens de uso comum. Podem ser gratuitos ou retribuídos.

Edificações destinadas ao serviço público: prédio de autarquia, apartamento funcional, etc: são bens públicos de uso especial, como descritos no inciso II do art. 99.

Bens públicos dominicais: podem ser imóveis ou móveis. Podem ser um direito real ou pessoal. Vamos entender isso. A União, o município e o estado têm seus credores. Ao pagar à União, por exemplo, com uma hipoteca, o dinheiro desta foi recolhido pela União. O governo também pode ser pago através desse dinheiro. O dinheiro é bem móvel. Em vez de dar o dinheiro, o devedor pode chamar alguém para pagar em seu nome; essa pessoa será o fiador, que  entregará dinheiro. Essa é uma garantia pessoal. A doutrina diz que para chegar à categoria de bens dominicais, devemos ir por exclusão. Vemos primeiro o que é da coletividade, depois o que é do serviço público e só então classificamos o bem como dominical.

Se alguém possui uma ferrovia que não serve para o transporte público, mas apenas para o transporte de minério, o dono pode entregá-la ao Estado. Ela não é de uso comum, nem de serviço público, mas coisa, de uso real. Tudo que o Estado recebe mas não usa para serviço público nem para a coletividade é bem dominical.
 

Art. 100

Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar.

Significa que apartamento funcional não pode ser vendido; primeiramente ele deve se transformar em bem particular. Esse instituto do Direito é denominado desafetação. Então, precisa-se primeiro realizar a desafetação para então vender o apartamento. Ou seja, torná-los particulares.
 

Art. 102

Imprescritibilidade, no Direito, liga-se à idéia de prazo.

Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.

usucapião
u.su.ca.pi.ão
s m+f (lat usucapione) Dir 1 Meio de adquirir o domínio da coisa, pela sua posse continuada durante certo lapso de tempo, com o concurso dos requisitos que a lei estabelece para este fim. 2 Prescrição aquisitiva do direito de propriedade da coisa móvel ou imóvel.

Usucapião é um modo de adquirir a propriedade. Sou possuidor, não proprietário, fico e detenho o bem durante um certo tempo, o proprietário não vem reivindicar e eu, completando esse tempo, requeiro ao juiz que me dê a propriedade. O Código está passando que os bens públicos não são passiveis de usucapião.
 

Art. 101, o último artigo

Art. 101. Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei.

Pode-se alienar os bens públicos dominicais. Mais um artigo auto-explicativo, felizmente o último deste semestre! 


1- Ao compor esta página, não entendi o porquê dessa colocação, já que o caseiro é empregado, não inquilino, portanto, qual seria o “aluguel” que ele teria para reter?

ACABOU A MATÉRIA!

Mensagem final da professora, não exatamente com essas palavras:

“A faculdade de Direito é uma cultura. Tente levá-la até o final. Mesmo que você não goste, aguente, vale a pena. Mesmo que tenhamos uma crise de escolhas. A prática é muito ruim. Aqui, vemos tudo bonitinho, tudo conforme a lei e o Código. Estudem muito Direito Civil 1 e 2, que tratam dos negócios jurídicos. Provavelmente não serei a professora de vocês de Civil 2, mesmo assim desejo tudo de bom a vocês!”