Direito Civil

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Artigos 11 a 14 - Direitos da personalidade

Tópicos:
  1. Introdução
  2. Art. 11 do Código Civil
  3. Proteção do nome
  4. Art. 12
  5. Art. 13
  6. Transplante em vida
  7. Art. 14

Introdução

O capítulo acerca dos direitos da personalidade foi criado na Constituição de 88. É o princípio da dignidade da pessoa humana. Tem relação com a integridade física e com a integridade moral do indivíduo.

O que estudaremos agora é a proteção à nossa privacidade, intimidade, honra, o direito a ter um nome, prenome, sobrenome, direitos autorais, publicação de imagem... Tudo estará relacionado aos direitos da personalidade.

Art. 11 do Código Civil

CAPÍTULO II
DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.


Direitos subjetivos: faculdade de agir.

Caso a honra de um indivíduo seja ameaçada ou lesada, bem como a imagem, abre-se para ele uma faculdade de agir. Ele poderá entrar com uma ação pelo resguardo do direito de proteção da personalidade quando houver violação ao seu direito da personalidade, tanto no nível de ameaça quanto no nível de lesão configurada.

Veremos que o Código Civil cita alguns exemplos entre os art. 11 e art. 21 do que seja o direito da personalidade.

O Código Civil deverá ser interpretado de forma ampliativa. Pergunta: li um livro dizendo que o direito à moradia tem a ver com o direito da personalidade. Verdade? Resposta: sim. A Constituição Federal diz que devemos ter direito à dignidade física e íntima.

Cuidado com os livros com capítulos pequenos sobre direitos da personalidade. É necessário usar a Constituição para entendê-los por completo. Note o link com a constitucionalização do Direito Civil, que vimos na aula de Direito Constitucional, explicada pelo professor Luis Roberto Barroso na vídeoaula. Inclusive há legislação esparsa sobre isso, o Código não é suficiente. Logo, interprete extensivamente.

Para ficar ainda mais fácil: tem a proteção da honra, da imagem, do nome, da privacidade... esses atributos têm algumas características em comum. Por exemplo: a doutrina fala que o direitos da personalidade são inatos. Cuidado com esse termo. Nós vimos, no inicio do semestre, que a personalidade começa com o nascimento com vida. Então volte a observar as correntes doutrinárias a respeito disso. De acordo com a corrente Natalista, a proteção de todos esses direitos que falamos só começará com o nascimento com vida (nascer e respirar pela primeira vez).

No Rio Grande do Sul, há uma jurisprudência muito interessante: uma mãe viu um outdoor na cidade com a imagem de uma ultrassonografia. Achando a imagem familiar, ela conseguiu provar que aquela fotografia era na verdade dela! Não gostando de ter a imagem de seu filho veiculada sem sua autorização, ela pediu danos morais, e conseguiu. Quando o juiz sentenciou a favor dela, ele quis dizer que, desde a concepção, a imagem deve ser protegida. Essa jurisprudência é citada no livro de Cristiano Farias.

Os direitos da personalidade são vitalícios, ou seja, duram até a morte. Então, os direitos sobre a imagem, a honra, a privacidade, a proteção ao nome etc. estão resguardados até a morte do sujeito. Mas cuidado. A legitimação para se entrar com uma ação por vezes passará aos herdeiros. Logo, pode ser que o sujeito já tenha morrido e a família entre com uma ação. A legitimação processual é que se passa aos herdeiros. Essa legitimação será vista em dois artigos:

Art. 12

[...]

Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.


O art. 12 será estudado com mais detalhes posteriormente nesta aula.

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

 
O art. 12 cita como legitimados o cônjuge, ou qualquer parente em linha reta (vertical) na árvore genealógica ou colateral (horizontal) até quarto grau. O art. 20, parágrafo único diz que quem pode entrar com ação é o cônjuge, o ascendente e o descendente. Note que o primo entra no art. 12, mas não no 20. E agora? O art. 20, parágrafo único servirá para imagem e escritos. Ou seja, é cabível ação em virtude da publicação de imagem e de escritos sem a autorização. Note que os enterros, quando noticiados pela mídia, são filmados e fotografados de longe. Se você vir o rosto do cadáver, então é porque a família a veiculação da imagem. O mesmo vale para a publicação de escritos.


Proteção do nome: citação do nome de alguém de forma errada em um artigo publicado, não em reportagem, que cause constrangimento encaixa-se no art. 12, parágrafo único. O art. 20, parágrafo único só fala em imagem e escritos.

Os direitos da personalidade são absolutos. Ou seja, qualquer pessoa terá a proteção daquele direito. Cuidado com os livros que usam a expressão "relativamente disponível". Há exceções. Lembre-se que "dispor" quer dizer "abrir mão”. A voz também é considerada direito da personalidade. A doutrina diz que a voz é independente do corpo humano. A voz faz com que sejamos reconhecidos. Exemplos de direitos disponíveis: imagem e voz, (com fins comerciais). A honra não pode ser disposta. Nem a privacidade. Caso do BBB, que é exceção: há contrato para haver venda da honra, imagem e privacidade.¹ Isso é um contrato, mas em tese isso não poderia ser feito. Só se pode abrir mão da imagem e a voz, também o direito autoral é relativamente disponível. Nome civil: não há finalidade comercial alguma. O direito da personalidade para proteção do corpo e da voz é diferente.

Extrapatrimoniais: a doutrina diz que os direitos da personalidade são extrapatrimoniais, ou seja, consigo estipular um valor exato da minha integridade física, honra ou imagem? Não. Então, extrapatrimonial quer dizer "que não pode ser tarifado, precisamente taxado". Isso não prejudica a indenização, que é estimada.

Os direitos da personalidade se relacionam, como o nome diz, à pessoa. Eles são intransmissíveis, por isso são chamados personalíssimos. Sua honra, sua imagem e seu nome são seus e somente seus. Somente a legitimação processual pode ser passada aos herdeiros ou cônjuge, mas não os direitos. Uma coisa é ter o direito, outra coisa é ter a legitimação processual.

Mais uma característica: a imprescritibilidade. Cuidado com essa característica, que dá confusão: a doutrina tem a mania de falar que o direito da personalidade é imprescritível. Há dois sentidos para essa palavra: o da doutrina e o do legislador. A doutrina diz: podem passar os anos que forem que os direitos da personalidade estarão protegidos. Para o legislador, esse termo quer dizer outra coisa: significa que podemos entrar com uma ação a qualquer tempo (bem diferente, portanto). Cuidado. Caso o direito da personalidade seja lesionado, não significa que cabe processo a qualquer momento. Abrir-se-á um prazo prescricional. Caso o direito da personalidade seja lesionado, a ação deve ser iniciada dentro do prazo de três anos. Caso venham a lesionar ou ameaçar um indivíduo, há a prescrição da responsabilidade civil.

Resumindo, as características citadas dos direitos da personalidade são: caráter vitalício, extrapatrimonialiade, caráter absoluto, disponibilidade relativa, intransmissibilidade, imprescritibilidade de acordo com a doutrina e imprescritibilidade de acordo com o legislador.

Art 12

Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta ², ou colateral até o quarto grau.

O art. 12 fala que há uma proteção tanto preventiva quanto repressiva. A prevenção trata da ameaça, e a repressão trata da lesão consumada.

Pode haver o pedido de dano moral. Quando falamos em dano moral, é porque aquela violação atingiu o íntimo, o subjetivo da pessoa. Honra, reputação em sociedade e reputação íntima foram abaladas. Todavia, não é só de danos morais que se vive; também há o dano patrimonial ou material.

O dano patrimonial é dividido em:

  1. Danos emergentes;
  2. Lucros cessantes.

Digamos que um taxista teve seu veículo avariado por outro motorista. Não só houve o dano material, mas também costumam-se lançar xingamentos nesse tipo de situação. Provavelmente algumas outras pessoas assistiram ao episódio. Quando o taxista provocar o judiciário, a petição sobre os xingamentos deve conter o pedido de dano moral. Quanto ao carro: será um dano emergente, pois “emergiu” da situação. O carro foi destruído, então o prejuízo atual será chamado de dano emergente. Sendo um táxi, ele deixará de rodar por alguns dias. Então, o prejuízo futuro será chamado de lucro cessante. É o dinheiro que o taxista deixará de ganhar durante o período em que o carro estiver na oficina.

Parágrafo único do art. 12: Primeiro, releia o art. 20, que trata de imagem e escritos. Terão legitimação para entrar com ação quanto aos direitos da personalidade do falecido violados: o cônjuge, filhos, pais, irmãos e primos ².

 

Art. 13

Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.

Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial.

Indiretamente, quando se fala em “salvo por exigência médica”, o legislador quer proibir que o indivíduo saia se cortando, e tenta mostrar que ele quer a proibição do suicídio. Quem pode mexer no seu corpo não é você, mas o médico; a automutilação é proibida. Esse artigo serve apenas para orientar, dizendo que caberá ao médico dispor de nosso corpo. Haverá regras para isso.

Tatuagem e piercing: existe um princípio penal chamado princípio da adequação social. Esportistas e bombeiros, para citar apenas dois exemplos, acabam se automutilando. Entende-se então que o risco está sendo assumido pelo sujeito. Para resguardo, o tatuador pede para que se assine um termo antes de começar o procedimento.

 

Transplante em vida

Os tecidos a doar deverão ser com regeneração. A idéia é que doação será feita, mas ela não deverá afetar a integridade física do indivíduo.

  1. Órgão duplo: entende-se que a integridade física não é afetada.
  2. Autorização do doador: preferencialmente por escrito. Detalhe: além desse "preferencialmente por escrito" a lei exige a presença de testemunhas assinando, em número de duas. Para não gerar ensejo a pedido de indenização, logicamente o hospital faz tudo por escrito. Pergunta: eu estava pronto para assinar um contrato, mas parece que não é mais necessário que haja testemunhas, e agora?" Resposta: o novo Código dispensa a exigência de testemunhas nas negociações. A doação de órgãos é exceção. Pode-se voltar atrás na decisão a qualquer momento até a realização efetiva da doação. Não se cria direito adquirido para quem receberá os órgãos; só se cria uma expectativa de direitos.
  3. Legitimados a receber os órgãos:
  1. Cônjuge;
  2. Parentes até quarto grau;
  3. Terceiros.

Regras para a doação: se for cônjuge ou parente de quarto grau, é permitida a doação sem autorização judicial. Se for feita a doação para terceiros, então será necessária autorização judicial, salvo se for medula óssea. Autorização judicial tem por objetivo a fiscalização contra venda de órgãos. O Ministério Público fiscalizará todo o procedimento da doação. O hospital é obrigado a notificar o MP no ato da realização. Isso também é exatamente para coibir a venda de órgãos, já que a doação deve ser sempre gratuita. A medula óssea não precisa de autorização por causa da dificuldade de se achar doadores compatíveis.

Em caso de urgência, a vida é mais importante que a integridade física. Então não será necessária a papelada antes da cirurgia, mas depois.

Gestante: só pode doar medula óssea. A idéia é que, caso ela faça outro tipo de doação, ela estará afetando a integridade física dela e da criança. Mas a lei não dispõe sobre ela receber doações, então não há restrições.

Auto-transplante: é necessária a assinatura da pessoa mesmo neste caso. O consentimento deve estar presente, figurando a pessoa do doador e do receptor, ainda que seja a mesma. Como já visto antes, a autorização deve vir preferencialmente por escrito.

O incapaz: a lei de transplantes não diz: "o incapaz emancipado". Portanto, não importa se o incapaz é emancipado ou não. Todos abaixo de 18 anos estão sujeitos a uma regra especial. O incapaz pode figurar como doador e como receptor. Caso seja doador, ambos os pais terão que autorizar, ou o representante legal. No recebimento, basta um dos pais.

 

Art. 14:

Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte.

Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo.

Fala do transplante post-mortem. O transplante ou doação do corpo inteiro podem ser feitos com objetivo científico ou altruístico. Quem quiser se tornar cadáver de faculdade de medicina  deverá fazer um instrumento público em cartório.

O termo altruístico é a doação normal, com cunho não-científico, obviamente gratuita.

Tanto o transplante em vida quanto o transplante depois da morte é gratuito. O documento revogando o caráter de doador pode ser feito a qualquer momento até a morte. Se houver múltiplos documentos, então toma-se o mais recente, seguindo o raciocínio do parágrafo único.

A doação também pode ocorrer em caso de morte encefálica atestada por dois médicos que não sejam da equipe do transplante.

No momento da morte, dever-se-á pedir a autorização do cônjuge ou algum parente até segundo grau. Se o filho negar a autorização, o candidato a receptor ficará sem o órgão. Portanto, na prática, fica sem efeito a manifestação de vontade do morto. O legislador fez isso para gerar segurança jurídica e também para evitar a venda de órgãos.

Incapaz: não interessa a emancipação. Os dois pais terão que dar autorização.

Pessoas não identificadas: o cadáver só poderá ser usado para fins científicos. Seus corpos não poderão ser doados em caráter altruístico.

Mudança de sexo: voltemos ao art. 13, parte final. Tem a ver com os transexuais. Note a menção à integridade física nem aos bons costumes. A mudança de sexo só pode se der mediante autorização judicial. O MP tem que fiscalizar porque envolve-se a integridade física. Hoje em dia, essas operações estão ocorrendo em hospital público e particular. Há correntes doutrinárias a favor e contra a mudança de sexo.

Sobre a mudança de sexo: A pessoa é livre para fazer, de acordo com Cristiano de Farias. Primeiro o psicológico, depois a integridade física, defende ele. Mas há tribunais, especialmente de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, que têm se posicionado pela obrigatoriedade da autorização judicial. Isso não será cobrado em prova.


1- Nesse momento a professora falou algo sobre as revistas de fofoca. Não acompanhei :(
2- Não sei qual é o alcance desse parente em linha reta. O bisavô também está legitimado?