Direito Civil

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Artigo 6º da Lei de Introdução ao Código Civil


Tópicos:
  1. Caput
  2. Negócio jurídico
  3. Plano da existência
  4. Plano da Validade
  5. Plano da Eficácia
  6. Direito adquirido
  7. Coisa julgada

Caput:

Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. (Redação dada pela Lei nº 3.238, de 1º.8.1957) [...]

 
Note o destaque. A palavra “imediato” está associada à idéia de vacatio legis. “Geral” se refere ao âmbito de eficácia da lei.

Vejamos os parágrafos deste artigo:

        § 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. (Parágrafo incluído pela Lei nº 3.238, de 1º.8.1957)

Quando falamos em “efetuar” no Direito, falamos no plano da eficácia. E quando pensamos em eficácia, perguntamo-nos se aquele ato jurídico  já está produzindo efeitos. Veremos isso melhor a seguir.

        § 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. (Parágrafo incluído pela Lei nº 3.238, de 1º.8.1957)

O titular pode ser, também, outra pessoa em seu nome. Lembre-se do Direito função. Direito adquirido: aquele que já foi incorporado ao patrimônio. Coisa julgada: não cabe mais recurso.

Pergunta sobre o caput do art. 6º: diz o Código Penal que a lei não retroage exceto para beneficiar o réu. Resguarda-se a coisa julgada, o ato jurídico perfeito e o direito adquirido. A lei, no Direito Civil, retroage ou não. Há duas correntes doutrinárias falando deste assunto:

Art. 1.264. O depósito antigo de coisas preciosas, oculto e de cujo dono não haja memória, será dividido por igual entre o proprietário do prédio e o que achar o tesouro casualmente.

Fala-se no Código Civil atual que o tesouro deve ser dividido entre o descobridor e o dono do terreno. Neste caso, o sujeito não cria o efeito; este é um ato jurídico. Tecnicamente é uma invenção do Direito. Ainda sobre o ato jurídico: no Código Civil novo, adotou-se como nomenclatura o negócio jurídico ao invés do ato jurídico. Vejamos, então, o conceito de...

Negócio jurídico: quem cria os efeitos são as partes. No ato jurídico, quem criava os efeitos era o legislador. Um exemplo de norma jurídica é o próprio tesouro. Há também a promessa unilateral de vontade: também é um negócio jurídico. O testamento, por exemplo, é o autor quem escreve, não o legislador. O ato jurídico não acabou; ele ainda existe, é que o negócio jurídico é uma expressão mais ampla, que engloba o ato jurídico, com a diferença de dar autonomia às partes. Note que a promessa unilateral de vontade é unilateral apenas na formação, mas é bilateral na execução.

Em Direito Civil 2, veremos o negócio jurídico mais aprofundadamente. A LICC, de 1942, usava a expressão “ato jurídico” em conformidade com o Código Civil da época.

E o que significa “perfeito”?

Tente visualizar esta situação: você deseja fazer um contrato, e deseja, obviamente, que ele gere efeitos, e fique perfeito. Para isso, temos que analisar alguns fatores. O primeiro dele a ser analisado é o plano da existência.

Plano da existência: dentro dele, analisamos três requisitos:

  1. Vontade humana. Somente nos EUA é possível deixar herança para cachorros... aqui no Brasil as pessoas têm que ser físicas ou jurídicas. Cão não é pessoa. Mesmo a pessoa jurídica nasce a partir da vontade humana.
  2. Finalidade negocial: carrega consigo a pergunta: “o que eu quero com esse negócio?” Comprar, emprestar, vender, doar, testar, ou o que? Em outras palavras, qual é o fim que eu desejo atingir com essa relação jurídica?
  3. Possibilidade física do objeto: vejamos, para entender este requisito, um exemplo contrário: determinado indivíduo deseja vender um terreno no Sol. Há vontade humana e finalidade, mas há uma impossibilidade física em relação ao objeto, portanto impossibilidade de completar o negócio jurídico. Note que a Lua não pode ser citada aqui pois ela já foi alcançada pelo homem, portanto, o que um consegue, aos olhos do Direito, é considerado possível. Mas se se tratar, ao invés disso, de um terreno no Park Way? Aí sim haverá a possibilidade.

Observação: para podermos dizer que a análise no plano da existência está completa e que o negócio jurídico se verificou nesse plano, precisamos obrigatoriamente preencher os três requisitos de forma cumulativa. Só assim o negócio jurídico poderá ser existente, e então podemos passar para o plano seguinte. O sujeito que vende terrenos no Sol está promovendo um negócio jurídico inexistente.

Plano da Validade: é mais do que óbvio que, sem existir validade, o negócio não pode ser válido. Então, para verificar a validade do negócio jurídico, há outros três requisitos:

1- Agente capaz: para saber se ele é capaz, seguimos o seguinte esquema:

  1. Se o agente tem 18 anos ou mais, então é capaz.
  2. Se não tem 18, então não é capaz, então verificamos sua idade.
  3. Se ele tem 16 ou mais, verificamos se ele é emancipado.
  4. Se for emancipado, então é capaz.
  5. Se não é, ele não é não é capaz, então verificamos se ele possui autorização dos pais.
  6. Se possui, então é legalmente capaz *.
  7. Se ele não completou 16 anos, ele não é capaz, então verificamos se ele possui autorização dos pais.
  8. Se sim, então é capaz.
  9. Se não, ele não é capaz.
Resumo: apenas os maiores de 18 anos, ou maiores de 16 emancipados, ou menores de idade com autorização dos pais poderão participar de negócios jurídicos.

(*) o menor é absolutamente incapaz, a menos que possua autorização expressa dos pais para realizar o negócio, então dizemos que há o suprimento da incapacidade. O sujeito de 15 ou menos anos passa a ser relativamente capaz. O agente capaz pode assumir obrigações e direitos, em outras palavras, falamos que ele tem a “capacidade de exercício”.

2- Objeto possível juridicamente: agora, não fazemos mais a análise física do objeto, mas sua análise jurídica. Vejamos o exemplo da venda de um anel. Eu posso vendê-lo, e nisso há a vontade humana, finalidade negocial e possibilidade física do objeto. Mas, e se o anel estiver em penhor? Então haverá incapacidade jurídica, ou seja, um empecilho à concretização do negócio jurídico. Outro exemplo: a casa como a única moradia da família: ela não poderá ser hipotecada exceto se tiver sido comprada com dinheiro proveniente de crime, ou nos casos expressos no art. 1.715 do Código Civil:

Art. 1.715. O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio.

Parágrafo único. No caso de execução pelas dívidas referidas neste artigo, o saldo existente será aplicado em outro prédio, como bem de família, ou em títulos da dívida pública, para sustento familiar, salvo se motivos relevantes aconselharem outra solução, a critério do juiz.

Há mais exceções.

O bem de família não pode ser oferecido como garantia de nada, exceto se eu for proprietário de duas casas, sendo uma o bem de família. Assim, apenas a outra pode ser oferecida.

3- Forma: a regra no Direito Civil é a forma livre; outra forma só deverá ser obrigatoriamente usada quando a lei previr isso, como reza o art. 107 do Código Civil:

Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.

Leia mais sobre isso aqui. Um exemplo de negócio jurídico que tem a forma expressamente determinada pelo legislador é a emancipação: ela deve ser feita com autorização dos pais E por escritura pública. O negócio será inválido se essa forma não for cumprida. Outro é a venda de bem imóvel: obrigatoriamente, para que uma casa seja vendida, o negócio terá que ser feito por escritura pública. Se não a fizer, apenas a posse será transferida, não a propriedade.

Só então podemos passar a análise para o...

Plano da Eficácia: é atingido quando o negócio jurídico começa a gerar efeitos. Para isso, sua análise deve passar pelos dois planos anteriores. Há, entretanto, uma exceção, a única conhecida até hoje, de negócio jurídico que gera efeitos sem necessariamente passar pelo plano da validade. É o casamento putativo. “Puta”, em latim, significa “de boa fé”. Olhe o exemplo: Berenice é interesseira, e pensa em se casar com Berenildo, seu vizinho. Todavia já saiu um laudo médico acompanhado de uma sentença judicial atestando que Berenildo é absolutamente louco, portanto legalmente incapaz. Há um impedimento de casamento entre pessoas incapazes: o casamento é nulo. Burlando o cartório, Berenice consegue se casar com o insano Berenildo. Berenice, dando prosseguimento ao seu plano de enriquecimento, faz com que o casamento seja feito em regime de comunicação de bens. E se eles gerarem filhos? O cônjuge é incapaz, mas o Código Civil diz:

Art. 1.561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória.

O cônjuge incapaz (Berenildo) será o agente de boa-fé, enquanto o agente de má-fé será a interesseira (Berenice). Este negócio jurídico esbarrou no plano da validade, mas chegou a gerar efeitos mesmo assim.

É nesta etapa que começamos a chegar à idéia de ato jurídico perfeito. Dentro do plano da eficácia, há ainda duas classificações do negócio jurídico: puro e impuro.

  1. Condição: evento futuro e incerto. Usa-se o “se”. O negócio jurídico está válido, mas pende de uma condição.
  2. Termo: evento futuro e certo. Imposição de data, por exemplo. Morte é evento certo, pois todos morrerão, só não se pode precisar a data que acontecerá a morte. No entanto, se o elemento acidental é “se o indivíduo morrer na semana que vem”, trata-se de uma condição (observe o “se”).
  3. Encargo: cumprimento de tarefa ou finalidade. Exemplo: “só vendo minha casa quando você construir uma igreja na rua de cima.”

Se o negócio jurídico é puro, então nada se discute; se for impuro, verifico os elementos acidentais. Terminada esta etapa, pronto, podemos dizer que houve o ato jurídico perfeito!

Aqui termina a doutrina dos civilistas. Eles param no terceiro plano. Entretanto, para dificultar nossas vidas, há uma quarta etapa, criada pelos constitucionalistas, que é o...

Plano da efetividade: também chamado de plano da eficácia social. Preocupa-se com a aplicabilidade objetiva da negociação. Vamos ver um exemplo: “te empresto minha casa se você passar num concurso público.” Ao fazer essa promessa, analisamos primeiramente o plano da existência, e descobrimos que há vontade humana, finalidade e possibilidade física. No plano da validade, verifico que eu mesmo tenho 18 anos, então sou agente capaz; verifico que a casa não é bem de família e nem fora oferecida como garantia de nada, então o objeto é jurídicamente possível. Finalmente analiso o plano da eficácia, e verifico que o único elemento acidental foi a imposição da condição de a outra parte passar em concurso público, e não estabeleci termos nem encargos. Pronto, o ato jurídico já é perfeito, pelo menos para os civilistas. Mas, suponha que o sujeito para quem emprestei minha casa abandonou-a depois de três dias morando lá. O negócio ainda tem eficácia, mas tem ele efetividade atual? Não.

Se esta for uma questão de prova, só precisaremos saber até o terceiro plano.

 

Direito adquirido: é a segunda expressão mencionada no art. 6º da LICC.

        § 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. (Parágrafo incluído pela Lei nº 3.238, de 1º.8.1957)

Direito adquirido e direito atual são sinônimos. Quando falamos em direito adquirido, falamos daquele que já foi incorporado ao patrimônio. Exemplo: doação. Certa quantia, uma vez doada, é incorporada ao patrimônio do donatário, e o direito de usar aquele dinheiro acaba de ser conquistado por ele. O art. 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal resguarda o direito adquirido:

XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

Obs: raramente temos mudança de Constituição, mas não temos direito adquirido perante Constituição passada. Mas há as disposições transitórias.

 

Ainda dentro da discussão sobre direitos adquiridos, temos duas classificações doutrinárias:

 

Coisa julgada: é o mesmo que trânsito em julgado.

Art. 485 do Código de Processo Civil:

CAPÍTULO IV
DA AÇÃO RESCISÓRIA

Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:

I - se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;

II - proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente;

III - resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;

IV - ofender a coisa julgada;

V - violar literal disposição de lei;

Vl - se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória;

Vll - depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de Ihe assegurar pronunciamento favorável;

VIII - houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença;

IX - fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa;

§ 1o Há erro, quando a sentença admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido.

§ 2o É indispensável, num como noutro caso, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato.


A ação rescisória não é recurso, é ação. Quando alguém entra com uma ação rescisória, gerar-se-á um processo autônomo. O que se quer dizer com a idéia de ação rescisória é como num caso em que o processo caminha, chega às instâncias superiores, e esgotam-se as possibilidades de recursos. Cabe ação rescisória, por exemplo, quando obtêm-se novas provas acerca daquele caso, em até dois anos.

 

Retroatividade: no Direito Civil, o princípio de regra é o da irretroatividade. A doutrina, entretanto, vem com uma classificação de retroatividades:

  1. Retroatividade máxima: atinge fatos passados;
  2. Retroatividade média: atinge fatos pendentes. Acontece no Direito Processual.
  3. Retroatividade mínima: atinge fatos futuros. Assim, falamos que a lei é irretroativa.

 


1: http://felipe.newsvine.com/_news/2006/04/07/160060-da-forma-do-negcio-jurdico-uma-elucidao