O Código Civil
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Introdução: a primeira coisa com que o Código Civil se preocupará será a definição de pessoa natural. Em seguida virão os conceitos de capacidade, emancipação e domicilio. Comecemos, então, pela pessoa natural.
O art. 1º traz a capacidade de direito:
Art. 1o Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil. |
Ocorreu uma mudança perante o novo Código Civil no art. 1º. Antigamente, a redação era “todo homem...”, e foi mudada para “toda pessoa”. Na parte final, não encontramos mais o termo obrigação, que foi substituído por deveres. Por quê? Dever é algo mais amplo que obrigação. Quando pensamos em obrigação, pensamos no cunho patrimonial. Deveres: podem ser tanto patrimoniais quanto não-patrimoniais. Exemplo: o dever de respeito entre vizinhos; a abstenção de silêncio é dever de cunho não-patrimonial.
O que vem a ser capacidade de direito? Todos nós a temos. Conforme a literatura do art. 2º, que veremos abaixo, basta ao indivíduo nascer com vida para que ele tenha capacidade de direito. Ou seja, "saia do ventre de tua mãe e respire, nem que seja uma só vez": assim, o recém-nascido já terá adquirido capacidade de direito. Isso significa que, a partir daquele momento, o indivíduo já pode assumir deveres e obrigações. Pode inclusive a mãe do nascituro (zigoto, embrião ou feto) receber uma doação em nome dele; ao nascer, a criança já terá a aquisição desse direito. O nascimento com vida é suficiente. "Nascer com vida" é, para o Direito Civil, "nascer e respirar pela primeira vez". Satisfeita essa condição, o indivíduo já se encaixará na descrição de pessoa natural como reza o art. 1º.
Capacidade de direito e personalidade: a maioria dos autores entende que esses dois termos são sinônimos. Para compreendê-los, vamos voltar um pouco no tempo até o Direito Romano. Nele, havia uma diferença entre personalidade e capacidade de direito. Hoje em dia já admitimos que: se nasceu com vida, então o indivíduo adquiriu personalidade; nasceu com vida, então adquire capacidade de direito. Mas não é bem isso. Personalidade vem de persona, ou pessoa natural. Quando se falava, no Direito Romano, que determinado indivíduo havia adquirido personalidade, então obrigatoriamente ele deveria ter nascido perfeito, tanto física quanto mentalmente. Naquuela sociedade, o nascimento de uma criança com um dedo a menos já era motivo para que ela fosse sacrificada, já que a civilização romana era essencialmente militar, e não eram toleráveis defeitos nos homens que integravam as legiões.¹
Já em relação à capacidade de direito, para os romanos, a idéia era a mesma à que temos hoje: a capacidade de adquirir direitos e deveres.
Essa pequena confusão deve-se ao costume que os autores têm de usar tais termos como sinônimos. Aqui no Brasil, a criança nascida com debilidade física ou mental também adquire direitos e deveres. Por isso criou-se o habito de tratar personalidade como capacidade de direito; poucos são os autores que diferenciam.
Capacidade de fato: é sinônimo de capacidade de exercício. A capacidade de fato ou a capacidade de exercício só é adquirida aos 18 anos. Ela pode ser adiantada, a partir dos 16, desde que o sujeito seja emancipado. Estudaremos a emancipação posteriormente. Logo, a exceção à regra é o adiantamento da capacidade de fato.
Legitimação: é um requisito a mais na capacidade de fato. Vejamos alguns artigos:
Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; II - pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos; III - prestar fiança ou aval; IV - fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação. Parágrafo único. São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada. |
Antes de verificar precisamente a legitimação, vamos ver quais são os quatro tipos de regimes de casamento:
Voltemos ao art. 1647. No regime da comunhão parcial, é necessário pedir autorização do cônjuge para ser fiador. Se a autorização não for obtida, então o negócio do qual pendia a fiança não será legitimado. Note que a pessoa que desejava fazer aquele negócio jurídico possuía capacidade de direito, capacidade de fato, mas faltou este requisito a mais que é necessário, portanto a negociação será ilegítima. O artigo 1647 só interfere nos três primeiros regimes de casamento vistos acima.
Vamos agora para o artigo 1749:
Art. 1.749. Ainda com a autorização judicial, não pode o tutor, sob pena de nulidade: I - adquirir por si, ou por interposta pessoa, mediante contrato particular, bens móveis ou imóveis pertencentes ao menor; II - dispor dos bens do menor a título gratuito; III - constituir-se cessionário de crédito ou de direito, contra o menor. |
Veja que o tutor não pode, nem mesmo com autorização judicial, fazer tais coisas. A pessoa do tutor nasceu, então tem personalidade e capacidade de direito; já tem 18 anos ou mais, então tem capacidade exercício ou de fato; porém, carece dessa legitimação por haver o impedimento legal.
Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. |
Em relação ao que diz esse artigo, há duas correntes doutrinárias, bobas, na opinião da professora, sobre o que é pessoa natural. É a questão do cordão umbilical.
Vejamos o art. 1609:
Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito: I - no registro do nascimento; II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório; III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado; IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém. Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes. |
Este artigo trata do reconhecimento de paternidade. Note o parágrafo único; nele há uma aparente contradição: não é necessário que nasça a criança para que se reconheça-a como filho.
Art. 1779: é outro artigo com o mesmo pensamento. Fala sobre o curador do nascituro. Note que a linha seguida pelo Código é falar a respeito do nascimento com vida, mas alguns artigos falam de eventos anteriores ao nascimento.
Seção
II Art. 1.779. Dar-se-á curador ao nascituro, se o pai falecer estando grávida a mulher, e não tendo o poder familiar. Parágrafo único. Se a mulher estiver interdita, seu curador será o do nascituro. |
Art. 542: este é o artigo que fala sobre doação ao nascituro, conforme situação vista acima.
Art. 542. A doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante legal. |
Correntes doutrinárias sobre o art. 2º:
Dois conceitos associados à pessoa:
Art.
1.800. No caso do inciso I do artigo antecedente, os
bens da herança serão confiados, após
a liquidação ou partilha, a curador
nomeado pelo juiz. [...] § 4o Se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão, não for concebido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do testador, caberão aos herdeiros legítimos. |
Temos dois tipos de sucessão: a legítima e a testamentária. Se um indivíduo não possui herdeiros legítimos, ele poderá destinar 100% de seu patrimônio para alguém em seu testamento. Se possuir, então poderá destinar somente até 50% para outra pessoa que não seus herdeiros. Note que o artigo utiliza a palavra “concebido”, e não “nascido”. É uma situação possível aquela em que o homem coloca seu sêmen em um banco, escreve seu testamento e nele coloca sua vontade sobre a prole eventual, e morre logo em seguida. Se aquele sêmen gerar um ou mais nascituros dentro de dois anos, os bens do doador serão passados aos herdeiros concebidos a partir daquele sêmen. Se passar desse período e o sêmen não for inoculado para conceber um nascituro, então os bens do doador irão obrigatoriamente para seus herdeiros legítimos (os filhos já nascidos). Esse prazo é contado a partir da comunicação ao judiciário da morte do sujeito.
O nascituro, pelo art. 542 do Código Civil, tem direito tanto à doação quanto ao testamento. Vejamos uma situação hipotética na qual podemos aplicá-lo:
Era uma vez um homem pobre e interesseiro, que obteve sucesso em se casar com uma mulher rica. Ela engravidou, e, durante a gestação, recebeu uma doação em nome do nascituro. Ao nascer o filho do casal, houve uma complicação no parto, resultando na morte da mãe. A criança chegou a sair do ventre, deu um suspiro e morreu logo em seguida. Os pais da azarada mãe já morreram há tempos.
O artigo diz que a valerá a doação, sendo aceita pelo seu representante legal. Mas quem é esse representante legal? O pai. Nesse caso, a doação irá para o pai.
Obs: poderia haver uma disputa legal pelo dinheiro se os pais da mãe falecida ainda estivessem vivos.
Observe que 2002 é o ano em que o Código Civil estava em vacatio legis. Esse projeto de lei trazia uma proposta de mudança na palavra “nascituro” para “embrião”. Medicamente, define-se por embrião o ser humano em formação (nascituro) com até 8 semanas de concebido. Mas, juridicamente, "concebido" obviamente não significa a mesma coisa que "nascido". Por que houve essa discussão, então? É que havia um entendimento de que só seria considerado “nascituro” depois de ter atingido a fase fetal, ou seja, além da oitava semana, mas a doutrina se manifestou e disse que nascituro era, na verdade, “aquele que foi concebido”.
E mais: se a palavra “embrião” substituísse “nascituro” no Código, haveria uma confusão: há os embriões in vitro, que também ganhariam personalidade. Logo, se a mudança de redação fosse feita, o médico ou técnico de laboratório que descartasse um embrião in vitro seria processado por aborto, de acordo com o art. 125 ou 126 do Código Penal.
É por isso que foi feita a resolução 1358/92 do Conselho Federal de Medicina, especialmente o trecho a seguir:
4 - As técnicas de RA não devem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto quando se trate de evitar doenças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer. |
Carlos Ayres Britto (relator do processo)
Ayres Britto rebateu o argumento de que o artigo seria inconstitucional porque a Constituição garante o direito à vida e o embrião já teria vida. "Vida humana é o fenômeno que transcorre entre o nascimento e a morte cerebral. No embrião o que se tem é uma vida vegetativa que se antecipa ao cérebro", declarou. Britto procurou diferenciar o embrião congelado do formado no útero e da pessoa humana. Para o relator, o embrião congelado não tem condições de se tornar um feto ou um ser humano já que teria que ser implantado em um corpo feminino para se desenvolver.
Ellen Gracie
Acompanhou integralmente o voto do relator. "Não constato vício de inconstitucionalidade. Segundo acredito, o pré-embrião não acolhido no útero não se classifica como pessoa", afirmou Gracie.
Carlos Alberto Menezes Direito
Votou pela "inconstitucionalidade parcial" do artigo 5º da Lei de Biossegurança e propôs modificações no artigo, de forma a permitir que sejam feitas pesquisas com células-tronco embrionárias retiradas do embrião sem destruí-lo. "O embrião é, desde a fecundação, mais presentemente, desde a união dos núcleos do óvulo e do espermatozóide, um indivíduo, um representante da espécie humana, que terá a mesma carga genética de um feto, de uma criança, de um adulto, de um velho", disse.
Cármen Lúcia
Votou a favor das pesquisas com células-tronco embrionárias. "Sua utilização é uma forma de saber para a vida. Essa é a natureza da pesquisa cientifica com células-tronco embrionárias, que não afronta, mas busca ampliar a vida. [A pesquisa] não apenas não viola o direito a vida, antes torna-se parte da existência humana, porque vida não seria", disse a ministra.
Ricardo Lewandowski
Ricardo Lewandowski pediu restrições a pesquisas com células-tronco. Ele acolheu parcialmente a ação e pediu que a lei dosse modificada de forma que as pesquisas só sejam feitas com embriões inviáveis que não se dividiram espontaneamente.
Eros Grau
Sugeriu que fossem feitas modificações na Lei de Biossegurança, o que imporia restrições à pesquisa. Grau queria que as células-tronco usadas nas pesquisas fossem apenas aquelas obtidas a partir de óvulos que não se dividiram espontaneamente, que a pesquisa fosse previamente autorizada pelo Ministério da Saúde e que os óvulos fosse apenas aqueles provenientes de fertilização in vitro exclusivamente para a reprodução humana.
Joaquim Barbosa
Acompanhou integralmente o voto do relator, pedindo a improcedência da ação. Para Joaquim Barbosa, a proibição das pesquisas com células embrionárias, nos termos da lei, "significa fechar os olhos para o desenvolvimento científico e os benefícios que dele podem advir".
Cezar Peluso
Para ele, as pesquisas não ofendem o direito à vida, porque os embriões congelados não equivalem a pessoas. Entretanto, chamou atenção para a importância de que essas pesquisas sejam rigorosamente fiscalizadas --ressaltou a necessidade de o Congresso aprovar instrumentos legais para tanto.
Marco Aurélio Mello
Votou a favor das pesquisas científicas com células-tronco embrionárias no Brasil. "Aqui não se trata de questionar a gestante a ficar fisicamente conectada a outra, mas sim de definir o destino dos óvulos fecundados que fatalmente seria destruídos e que podem e devem ser aproveitados na tentativa de progresso da humanidade", afirmou Mello.
Celso de Mello
A favor das pesquisas, disse que a lei aprovada pelo Congresso dá aos embriões que seriam descartados por serem inviáveis "uma destinação mais nobre". "Todos esses embriões têm uma destinação: são fadados ao lixo sanitário. Dá-se, portanto, uma destinação mais nobre", afirmou. Em relação às afirmações de que a lei contraria o direito à vida, afirmou: "Um ovo ou embrião que não pode ser implantado em útero não tem potencial de ser um ser humano."
Gilmar Mendes
Fez ressalvas à legislação, por considerar que a norma brasileira possui deficiências. Mendes afirmou que "causa perplexidade" perceber que no Brasil esse tema seja regulamentado por apenas um artigo. Ele disse que a lei deixa de destinar um órgão central para a fiscalização das pesquisas, vinculado ao Ministério da Saúde.