Direito Constitucional

sexta-feira, 5 de setembro de 2008


Recapitulação sobre a Essência da Constituição e a Força Normativa da Constituição

 

Constitucionalismoé coisa da modernidade. As teorias do Direito Constitucional são teorias modernas, forjadas no interior da teoria liberal, da separação de poderes, da limitação dos podres, dos direitos do indivíduo, da transição da visão religiosa do mundo para a visão laica, científica e racional. Essas teorias foram produzidas e difundidas no contexto do absolutismo, nos séculos XVII e XVIII. Um príncipe mandando sozinho, sem limites, baseado num poder divino já não estava agradando. Essas teorias começaram a estimular movimentos revoltosos, insurgentes, revolucionários. O maior de todos foi a revolução francesa. Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: é uma pré-constituição. Não separa os poderes, as competências, as bases institucionais para o funcionamento da nação, mas enumera e enuncia alguns direitos inerentes à condição humana que nenhum Estado deve desrespeitar.

Dez anos antes da revolução francesa ocorreu a independência americana, com proclamação de direitos, como com a Bill of Rights da Virgínia.

Vem o século XIX, o século que pretendia sepultar de vez o absolutismo, promover a ascensão de uma nova classe social, a burguesia, consolidar a revolução industrial, a mudança do mundo econômico, capitalismo, acabar com as restrições da propriedade privada. Codifica-se o Direito Civil, que passa a ser o ramo mais central do direito, até mesmo do que o Direito Constitucional, porque trata de instituições fundamentais da nova sociedade, como a família. E as constituições, nesse primeiro momento, terão uma importância muito diminuída. Inclusive por causa da influência de Ferdinand Lassalle, que desenvolve uma teoria constitucional sem constituição.

A constituição não seria o documento, mas as forças políticas e econômicas organizadas. Burguesia industrial e financeira, bancos, monarca, oligarquias, latifundiários, no contexto do século XIX... A Alemanha não era um país, mas uma confederação de principados. Cada estado tinha sua soberania, mas reuniam-se na confederação.

A teoria de Lassalle era, de acordo com alguns autores, uma teoria sociológica. A constituição jurídica será tanto mais adequada quanto forem coincidentes seus enunciados com as circunstâncias sociais. A teoria de Lassalle é aplicável, por exemplo, ao analisar as circunstâncias históricas e políticas brasileiras, como o período ditatorial de 64-85. O executivo baixava atos institucionais para sufocar os outros poderes. Lassalle diria: “Viram aí os fatores reais de poder em ação?”

Na época do império, 2% da população votavam, na republica velha, 3%... a representatividade era, como era de se esperar em um país com voto censitário, baixíssima.

Quem rebate a teoria de Lassalle é Konrad Hesse, que escreve “A Força Normativa da Constituição”. Começa o livro fazendo questionamentos a Lassalle.

O grande fato histórico que motivou a virada na compreensão da constituição foi a segunda guerra mundial. Acabada a guerra, as nações deveriam celebrar uma nova maneira de tratar uma à outra no plano das relações internacionais.

Os direitos individuais fundamentais entram nas constituições. Veja o caput do art. 5º da nossa Constituição Federal.

Boa parte do Código Civil antigo, que era machista, patriarcal, patrimonialista, tendo a mulher como subordinada e relativamente incapaz já é revogada somente por esse artigo. Filhos fora do casamento tinham importância reduzidíssima. Isso muda porque agora a Constituição tem força normativa. Todas as constituições, inclusive as de 37 e 67, tinham menção aos direitos fundamentais. Elas nunca tiveram tanta força normativa quanto têm agora.

A aplicação da força normativa da Constituição é bem recente no Brasil. Apenas a partir de 88, e ainda assim com deficiências.

Os direitos fundamentais têm tanta força vinculante hoje em dia que servem para garantir uma relativa força do indivíduo contra o Estado. “Deixe fazer, deixe passar”: Princípio do liberalismo. Os direitos fundamentais também têm sua eficácia horizontal, que é o asseguramento dos direitos de um indivíduo contra outros indivíduos.

Para ter força normativa, Hesse diz, não exatamente com as palavras seguintes:

1- “Sem o apoio de condições históricas (fatores reais de poder) nenhum constituição pode ter validade alguma. As forças que determinam a economia e a política têm que estar de acordo com o que for escrito na constituição”. Note que ele começa seu discurso concordando com Lassalle.

Nas relações internacionais de hoje, temos um instrumento de sanção muito importante. Antigamente era a guerra. Hoje há bloqueio econômico, boicotes, protestos, OMC, Conselho de Segurança da ONU. As relações comerciais também dependem da estabilidade política dos países. Hoje, mais de 90% das republicas ou monarquias mundiais são democráticas. Há voto universal e secreto. Hoje em dia não é mais tão fácil dar um golpe de Estado e ficar por isso mesmo. Os países não estão mais tão soltos no mundo, e há ligas tanto políticas quanto econômicas entre os países. Isso é favorável à força normativa da Constituição. ¹

 

2- “Outra coisa: nenhuma constituição terá força normativa se o indivíduo ou o grupo não tiver uma ferramenta de proteção aos seus direitos.” Esses instrumentos presentes em nossa Constituição atual são: habeas corpus, mandado de segurança. Não confundam “mandado” com “mandato”; o primeiro é uma ordem dada, o segundo é representação. Mandatário do povo: representante da nação.

Alem desses, temos a possibilidade de, em qualquer processo, seja ele civil, penal, eleitoral, trabalhista, argüir uma inconstitucionalidade. E provocar o judiciário para isso. Então, tais leis serão interpretadas, filtradas pela ordem da Constituição. Lembre da constitucionalização do Direito Civil, do Direito Administrativo, do Direito Penal, explicada por Luis Roberto Barroso ².

Esse é o exemplo mais forte que podemos dar sobre a força normativa da constituição de Konrad Hesse. A resenha da obra pode ser encontrada aqui. ³

Houve um fato muito importante na história recente do Brasil: o impeachment de Fernando Collor de Mello. Ocorreu apenas quatro anos depois de promulgada a Constituição de 1988, e todo o processo tramitou dentro da legalidade, com respaldo constitucional.

Outros autores que falam sobre a força normativa da Constituição: Carl Schmitt, Hans Kelsen e outros.

 


1- Essa crescente aproximação entre países é favorável à força normativa da Constituição, mas pode não ser tão boa para a humanidade: é o globalismo. http://www.olavodecarvalho.org/semana/050725dc.htm
2- http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7547&p=1

3- http://notasdeaula.org/dir/dct1/especial1-direito_const1_05-09-08.html