Direito Constitucional

A Força Normativa da Constituição - Resenha

Fonte: http://www.direitonet.com.br/textos/x/15/06/1506/
Autora: Sílvia Flores de Oliveira

Em 16 de abril de 1862, Ferdinand Lassale proferiu, numa associação liberal-progressista de Berlim, sua conferência sobre a essência da Constituição. Nela ficou claro que, para Lassale, questões constitucionais não são questões jurídicas, mas sim questões políticas, uma vez que a constituição de um país expressa as relações de poder nele dominantes (poderes militar, social, econômico, intelectual). Segundo sua tese, as relações fáticas resultantes da conjugação desses fatores constituem a força real ativa determinante das leis e das instituições da sociedade, sendo a constituição – a constituição jurídica – mero pedaço de papel. Tendo esta, a sua capacidade de regular e de motivar limitada a sua compatibilidade com a constituição real. Do contrário o conflito torna-se inevitável, assim como a derrota da constituição escrita ante os fatores reais de poder.

Quase 100 (cem) anos depois, baseando-se nas reflexões desenvolvidas por Lassale, e, posteriormente, por Georg Jellinek e alguns outros políticos e juristas, bem como pela própria história constitucional, Hesse, através de suas argumentações, procura demonstrar que o resultado do conflito entre os fatores reais de poder e a constituição não implica, necessariamente, a derrota desta e que a tese defendida por aqueles se afigura desprovida de fundamento se se puder admitir que a constituição contém, ainda que limitadamente, uma força própria, motivadora e ordenadora da vida do Estado.

Para Hesse, a ordenação e a realidade devem ser consideradas em sua relação, em seu contexto e em seu condicionamento recíproco. A norma constitucional não tem existência autônoma em face da realidade. A constituição não configura apenas a expressão de um ser, mas também de um dever ser. Graças à pretensão de eficácia, ela busca imprimir ordem e conformação à realidade política e social, não sendo apenas determinada pela realidade social, mas também deterninante em relação a ela. Desse modo, a força condicionante da realidade e a normatividade da constituição podem até ser diferenciadas, mas não definitivamente separadas ou confundidas. Elas condicionam-se mutuamente, mas não dependem simplesmente uma da outra.
A constituição adquire força normativa conforme realiza sua pretensão de eficácia, porém, esta, somente, é alcançada se a constituição jurídica está condicionada pela realidade histórica. A constituição (jurídica) não deve procurar construir o Estado de forma abstrata e teórica. Se as leis sociais, políticas e econômicas imperantes são ignoradas pela constituição, carece ela do imprescindível germe de sua força vital. Mas, Hesse nos lembra de que a força normativa da Constituição não reside somente na adaptação inteligente a uma dada realidade. Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas. A constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas foram efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniência, for possível identificar a vontade de concretizar essa ordem.

Essa vontade de Constituição origina-se da compreensão da necessidade e do valor de uma ordem normativa inquebrantável, da compreensão de que essa ordem constituída é mais do que uma ordem legitimada pelos fatos e, ainda, da consciência de que essa ordem não logra ser eficaz sem o concurso da vontade humana.

Lembra-nos, Hesse, de que a Constituição, a fim de desenvolver sua força normativa, deve buscar possuir os seguintes requisitos: o conteúdo da constituição deve lograr corresponder ao máximo à natureza singular do presente porque tanto mais seguro há de ser o desenvolvimento de sua força normativa. Deve, também, mostrar-se em condições de adaptar-se a uma eventual mudança dessas condicionantes (sociais, políticas, econômicas). E, por fim, não deve se assentar numa estrutura unilateral, se quiser preservar a sua força normativa num mundo em processo de permanente mudança político-social. Também, é importante que a concepção de vontade de Constituição seja partilhada por todos os partícipes da vida constitucional, bem como a interpretação da Constituição leve em conta as condicionantes dadas pelos fatos concretos da vida correlacionando-as com as proposições normativas da constituição.

A efetividade da força normativa depende, portanto, da amplitude da convicção acerca da inviolabilidade da Constituição. Quanto mais intensa for a vontade da constituição, menos significativas hão de ser as restrições e os limites impostos à força normativa da constituição.

A FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO DE 1988

A simples existência de uma constituição escrita, posta como consolidação de dispositivos de poder constituinte, é insuficiente para que se faça válido e eficaz seu papel de regulamentar as relações sociais e políticas. Por isso, a nossa constituição somente poderá ser considerada válida quando realizada efetivamente, ou seja, quando a atuação dos indivíduos corresponder àquilo que a norma determinou. E, para que isso aconteça, faz-se necessária, por parte de todos os cidadãos, uma interpretação valorativa e sistemática dos princípios basilares da Lei Fundamental, de modo que seu significado originário seja atualizado de acordo com o momento social. A norma deve ser apreendida em toda a sua abrangência.

A Constituição de 1988 veio enfatizar a questão da cidadania, alcançando seu verdadeiro conceito de ensejar o poder de todos ( e de cada um) de desfrutar dos bens disponíveis à sociedade; de compreender que aquilo que é denominado bem comum está ao alcance de todos, não apenas de algumas pessoas que possuem e mantêm direitos. Sobretudo, a carta de 1988 esclareceu que todos, sem exceções, revelam-se titulares de direitos, deveres, ações, obrigações e responsabilidades.

No entanto, a Constituição de 1988 não foi capaz de solucionar a maioria dos problemas existentes desde à época da Independência, uma vez que, é importante destacar, a força normativa da constituição brasileira não reside tão somente na correlação entre a realidade e o texto jurídico, mas sim naquilo que Hesse denominou de “vontade de Constituição”, pressuposto básico para que se possa falar em força normativa.

E, é exatamente essa “vontade de Constituição”, através qual a carta Magna de 1988 vigora até hoje (mesmo com inúmeras emendas constitucionais), tendo sido fortalecida na medida em que também tem sido fortalecido o regime democrático, que deve ser trabalhada em nosso país a fim de tornar mais eficaz a aplicação das normas contidas em nossa Lei Fundamental.

A constituição converter-se-á em força ativa se se fizerem presentes, na consciência geral – particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional , não só a vontade de poder, mas também a vontade de constituição.

Importante lembrar que todos nós somos responsáveis pelo fracasso ou sucesso dessa tarefa, pois aqueles, responsáveis pela ordem constitucional, são indicados por nós, povo brasileiro. O futuro do nosso Estado e do fortalecimento da força normativa da constituição, portanto, está em nossas mãos, também.


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