Direito Constitucional

sexta-feira, 31 de outubro de 2008


Continuação

Alexy se importa mais com o que fazer no caso de colisão de direitos fundamentais do que na importância dos direitos de primeira em relação aos de segunda ou vice-versa.

Vamos estudar o capítulo 3 do livro dele, citado na aula passada. É aqui que ele fala das regras e princípios e da colisão de direitos fundamentais. Se começarmos a nos concentrar na observação da realidade brasileira, veremos que isso é muito freqüente. A professora que supostamente teria segurado o aluno para outros baterem nele injustamente se deu mal antes da hora. Não foi uma colisão de direitos? No caso, o direito ao devido processo legal contra o direito à livre manifestação do pensameto, por parte do órgão midiático que divulgou essa informação? Isso é da natureza do nosso mundo de Direito e do próprio Estado Democrático de Direito. É exatamente com essas situações conflitantes, tensas, litigiosas que trabalharemos no futuro.

Vamos aprender, para isso, o Direito objetivo. Mas já vimos os direitos subjetivos, como a faculdades de agir, interesses protegidos, imunidades, competências, privilégios, poder, liberdades... Quando usamos a palavra direito, essa palavra-coringa é quase mágica; serve para designar todos esses elementos. Se o estado da Bahia for cobrado da União, ele pode acionar sua procuradoria para contestar a cobrança, se achar que a União não tem competência para fazer aquela cobrança em especial.

A relação entre sujeito ativo e sujeito passivo quanto a um objeto (uma coisa, uma pessoa, uma obrigação), que se dá por meio de um vínculo subjetivo entre os dois, prevaleceu desde o Direito Romano clássico, passando pela alta Idade Média, Justiniano, era feudal, até ser absorvido pela vida moderna. É a hora em que essa fórmula começa a cair por terra para que o Direito comece a tomar uma forma publicista. É primeira vez na história da humanidade que foi dito "todos são iguais perante a lei". É uma novidade histórica sem precedentes.

O que o senhor tinha em relação ao servo não eram nem direitos, mas poderes e privilégios. A palavra direito é, de acordo com Bobbio, até inadequada para descrever essa relação. A “era dos direitos” de Bobbio na verdade deveria ser “a era dos direitos subjetivos”. As pessoas passaram a ser titulares de direitos, independentemente de qualquer característica delas. Isso é radical. Faz com que chamemos a era atual de “modernidade” e o período anterior de “antigo regime”. Posteriormente as Constituições começam a denominá-los direitos fundamentais. O que acontece é uma lenta e gradual substituição da primazia do Direito Civil pela primazia do Direito Constitucional. Note o Direito Civil é o Direito da propriedade privada. A convivência entre Estado não-liberal com Direito liberal existia justamente porque não havia a comunicação entre Direito Civil e Direito Constitucional das nações, especialmente na Prússia. Durante o século XIX inteiro, que já tinha visto Constituições aparecerem, a Constituição era apenas uma folha de papel, com direitos fundamentais apenas na promessa. Lassalle aproveitou e falou sobre isso. Os fatores reais de poder é que mandariam: sistema financeiro, proprietários, elites, oligarquias, mercado, etc. O que mudou é que não aceitamos mais que essas elites nos comandem sem nosso consentimento. Hoje vota-se nas pessoas, e a sociedade reconhece direitos atribuídos aos indivíduos. Isso foi, de acordo com alguns autores, o grande progresso civilizatório da história dos direitos.

A vida atual é supostamente melhor, porém muito mais difícil de organizar. É muito mais fácil organizar uma sociedade em que manda quem pode e obedece quem tem juízo. Nessas sociedades, o Direito universalizado é o Direito Penal. É justamente o Direito das sociedades antigas, nas quais tudo se baseava na pena. Um ótimo exemplo é o Código de Hamurabi. Não havia faculdades de agir, de exigir, direitos previstos, etc. Hoje até o nascituro é sujeito de direito.

Vamos olhar, novamente, o artigo. 5º da Constituição e ler os §§ 1º e 2º dele:

§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Todo direito subjetivo no âmbito infraconstitucional pode ser considerado direito fundamental desde que não contrarie a Constituição e seja embasado em princípios. Podemos  levar à discussão um direito num caso concreto para que ele seja considerado direito fundamental naquele caso. Lembrem-se sempre que o art. 5º da Constituição Federal não enuncia os direitos fundamentais exaustivamente.

Houve um sujeito que apresentou petição para não comparecer a uma audiência pois estava com a saúde ameaçada. A saúde é direito fundamental. Mas outros direitos, dependendo da interpretação, podem ser entendidos como direitos fundamentais também.

Boa parte da importante da Constituição frente aos outros Direitos é devida ao advento da...
 

Jurisdição constitucional

O que é jurisdição? É o poder de dizer o Direito. Todos os juízes brasileiros podem exercer a jurisdição constitucional.

O que pode ser controlado? Não só leis, mas também atos. Como, por exemplo, o ato de mudar de partido logo depois da eleição. O Supremo decidiu que o mandato pertence ao partido, no julgamento de um mandado de segurança, que teve cara de ação direta de inconstitucionalidade. As sentenças também são reguladas pela Constituição, portanto não podem violar a jurisdição constitucional.

A jurisdição constitucional abrange os:

  1. Atos públicos e particulares (eficacia horizontal dos direitos fundamentais);
  2. Normas;
  3. Decisões judiciais.

Tudo isso pode ser controlado em face da Constituição. Judicializamos a sociedade ao dotá-la de direitos em massa. Quando espalhamos direitos, como observamos que ocorreu na sociedade contemporânea, deixamos todos em condições de transformar um conflito privado em conflito jurídico, e, mais ainda, de fundo ou de natureza constitucional. Se os conflitos forem resolvidos no tiro, estamos em permanente estado de necessidade, com o homem como lobo do próprio homem (Homo hominis lúpus), guerra de todos contra todos (bellum omnium contra omnes), como teorizado por Hobbes.

Hoje resolvemos ou na negociação ou na atitude política, ou mesmo na via judicial. Estamos na era em que a judicialização está no grau máximo. Todos os juízes reconhecem isso.

A decisão construída é chamada por Gilmar Mendes de “sentença de perfil aditivo”, como a decisão pela obrigatoriedade da fidelidade partidária. Ele deve ter entendido que a deveria prevalecer a moralidade nessa questão, conforme o art. 37 da Constituição.

Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte [...]

Tudo depende da argumentação, que mostrará as circunstâncias melhor descritas. Deve-se mostrar que um dos princípios tem mais peso, portanto mais valor, e deve ter precedência em relação àquele que está em conflito. Com base nos valores, emitem-se juízos de valor sobre as coisas. Juízo de valor é atribuição de qualidade. A jurisdição toma decisões, escolhe entre uma coisa ou outra, portanto, eles devem ser emitidos. Em geral se basearão nos direitos fundamentais. Mas não é tão simples, diz Alexy, porque deve-se argumentar, com base nas circunstâncias do caso concreto, o porquê de um deles dever ter a primazia. Lembre-se da fórmula...¹

(p1 P p2) C --> R

Hoje existe a jurisdição constitucional porque a Constituição não mais é uma folha de papel, mas agora tem força vinculante.

Entretanto, algumas observações devem ser feitas:

  1. Não temos a mesma segurança jurídica que tiveram os romanos ou os liberais da primeira fase do capitalismo. Os direitos fundamentais não explicam tudo; é necessário escavar mais para entendê-los.
  2. Princípios não asseguram direitos diretamente, mas argumentações para exigi-los. Por exemplo: eu tenho liberdade artística ou de crença. Posso exercer esse direito subjetivo contra qualquer pessoa, em qualquer lugar? Negativo.

A jurisdição constitucional, no desenvolvimento de sua centralidade, dá um peso muito maior à Constituição do que ao Código Civil. Este, que ganhou projeções internacionais antes das Constituições, foi o grande fruto da Revolução Francesa. Napoleão levava o Código Civil Francês (Código de Napoleão, de 1804) aos povos conquistados.

A perda da carga patrimonialista do Código Civil se deve também ao advento da jurisdição constitucional. O Direito Civil era o mais importante da sociedade. Seu princípio basilar é o da autonomia da vontade.


A aula de reposição será dividida em duas. A primeira parte será depois da aula de quarta-feira, 5 de novembro e a segunda sexta, 7. O professor escolheu esses dois dias para não virmos no sábado nem ficar até 1:00 da tarde em sala.

1- Se por acaso aparecem símbolos estranhos depois de C e antes de R, provavelmente é porque você está usando um navegador que interpreta mal os símbolos. Aqui está uma simples seta para a direita. Se tiver problemas, use o Mozilla Firefox.