Direito Penal

segunda-feira, 1º de setembro de 2008

Classificação dos crimes

Frase do dia: “A alteração do tipo penal altera a classificação dos crimes.”

Tópicos:

  1. Objetivo
  2. Crimes dolosos, culposos e preterdolosos
  3. Crimes materiais, formais e de mera conduta
  4. Crimes comissivos e omissivos
  5. Crimes comuns e especiais
  6. Crimes de única e de múltipla ação
  7. Crimes instantâneos e permanentes
  8. Crimes simples e compostos
  9. Crimes de perigo e crimes de dano
  10. Crimes principais e acessórios
  11. Crimes unissubjetivos e plurissubjetivos
  12. Crimes habituais

Objetivo

Há múltiplos autores que citam inúmeras classificações para os crimes. Importa-nos saber quais são as classificações com relevância prática.

Crimes dolosos, culposos e preterdolosos

É uma classificação híbrida; é em parte legal e em parte doutrinária.

  1. Dolosos: são aqueles que exigem a intenção do agente de praticá-los. Ele quer o resultado ou assume o risco de produzi-lo. Então fala-se em dolo direto e dolo eventual, respectivamente. No eventual, o agente não quer diretamente o resultado mas assume o risco de produzi-lo. Exemplo: dar um tiro para acertar o braço, mas erra-se o tiro e mata a vítima. Ou quando o agente mira em A e acerta o tiro em B, sem querer. Diz-se que “o dolo vai com a bala.” Caso de bomba plantada em avião, quando estudamos a lei penal no espaço: há dolo direito em relação ao alvo pretendido e dolo eventual em relação aos outros alvos.
  2. Culposos: não tendo agindo dolosamente, o agente dá causa ao resultado mediante imprudência, negligencia ou imperícia. É o que costuma acontecer no trânsito. O mesmo para médicos que ao fazer cirurgias de lipoaspiração e acabam matando seus pacientes. Os crimes culposos carecem de intenção.
  3. Preterdolosos: associa-se ao conceito de preterintencionalidade. Preterdoloso quer dizer “além do dolo”: ocorre quando o agente pretende cometer uma determinada ação e acaba causando uma ação muito mais grave do que ele desejava. Então, um crime que era doloso, na ação antecedente, gera culpa na ação resultante. É a soma de dolo e culpa. Exemplo: dar um empurrão em alguém, que escorrega e bate a cabeça. Houve essa discussão quanto ao índio Galdino. A juíza entendeu que houve dolo na ação inicial (de praticar lesões corporais) e culpa na resultante (causar a morte do índio). O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, a segunda instância da justiça comum ordinária, entendeu que não; houve no mínimo dolo eventual. Então os algozes deveriam ser processados por homicídio no tribunal do júri porque assumiram o risco de matar a vítima.

Existe hoje uma discussão entre dolo eventual e culpa, culpa consciente e culpa inconsciente. A culpa inconsciente é o que normalmente ocorre. Mas a culpa também pode ser consciente: o agente está consciente de que está agindo de determinada forma, mas não acredita que vai lesar ninguém. Exemplo: lançador de facas de circo, que acidentalmente acertou a parceira de número. Quanto a Paulo César Timponi, o homem que matou três em um racha na Ponte JK, há a seguinte discussão: houve culpa consciente; ele tinha consciência do perigo, mas não acreditava que causaria estragos. Foi o que seu advogado alegou.
 

Crimes materiais, formais e de mera conduta

Materiais: é como se classificam a maioria dos crimes. A lei descreve uma ação e um resultado, sendo este indispensável para a consumação do crime. Se não houver a produção do resultado, o crime será apenas tentado. Exemplo mais clássico: homicídio, no art. 121 do Código Penal. O mesmo para fraude que não deu resultado esperado pelo praticante. Roubo e latrocínio idem.

Formais: a exceção. São os crimes de consumação antecipada. Ainda que o resultado material não ocorra, o crime já está consumado. O legislador antecipa a consumação para um momento anterior ao do resultado. Vejamos o exemplo do art. 159: extorsão mediante seqüestro:

Extorsão mediante seqüestro

Art. 159 - Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate:

Pena - reclusão, de oito a quinze anos.

[...]

O resultado é obter vantagem econômica. Se o cativo fugir e o seqüestrador for preso, o crime foi consumado mesmo que ele não tenha recebido seu dinheiro pretendido. O que importa aqui é a redação do tipo penal: com o fim de, como está destacado no quadro acima.

E se a redação fosse “obter vantagem indevida mediante seqüestro”? Mudaria algo? Sim, mudaria tudo. O crime passaria a ser material, ou seja, a obtenção da vantagem econômica passaria a ser indispensável para a consumação do crime.

No caso da extorsão mediante seqüestro, o recebimento do dinheiro do resgate é o mero exaurimento da conduta criminosa.

Concussão, art. 316:

Concussão

Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.

[...]

“Exigir vantagem indevida” é a parte importante. Se a polícia intercepta uma chamada telefônica na qual escuta dois sujeitos, sendo um deles funcionário público, acertando o pagamento de propina, o flagrante deverá ocorrer nesse exato momento para que a prisão seja válida, pois o verbo do artigo é “exigir”. A cobrança do dinheiro, feita pessoalmente em local combinado na ligação telefônica, é apenas o exaurimento de uma ação realizada anteriormente. A prisão em flagrante nessa hora não é mais válida. Mas, e se a redação do art. 316 fosse a seguinte: “obter vantagem indevida mediante exercício do cargo”? Aí tudo mudaria. Primeiramente, o verbo deixaria de ser “exigir” e passaria a ser “obter”, e no contexto ficará implícito o “recebimento” do dinheiro. Segundo, a palavra “mediante”, que apareceu agora, mas não está no artigo. O raciocínio é o mesmo para o caso da extorsão mediante seqüestro analisada acima.

Pois bem.

De mera conduta: crimes sem resultado. Também são crimes de consumação antecipada, como ocorre nos crimes formais. Exemplo: violação de domicílio.

Violação de domicílio

Art. 150 - Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências:

[...]

Basta entrar sem ser convidado e a consumação já aconteceu. Não é necessário o resultado.

 O mesmo para violação de correspondência, no artigo seguinte:

Violação de correspondência

Art. 151 - Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

[...]

A lei criminaliza a mera ação ou a mera omissão. Por fim, também há o exemplo do ato obsceno em lugar público:

Ato obsceno

Art. 233 - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Para saber qual o tipo de crime, deve-se ver a redação. A interpretação, segundo a doutrina majoritária, não é cabível aqui. ¹
 

Crimes comissivos e omissivos

Comissivos: são a regra. A lei descreve a ação, um comportamento positivo, um agir. O crime consiste em uma ação. A exceção à regra são os crimes omissivos: deixar de fazer algo que a lei obriga a fazer. Omissão de socorro, por exemplo.

Omissão de socorro

Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

[...]

Também há a omissão de notificação de doença:
Omissão de notificação de doença

Art. 269 - Deixar o médico de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compulsória:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

[...]

Diagnostico errado pode ser criminalizado; mãe que não amamentar criança idem, como veremos abaixo.

Os crimes omissivos se subdividem em próprios e impróprios:

 

Crimes comuns e especiais

Patrocínio infiel

Art. 355 - Trair, na qualidade de advogado ou procurador, o dever profissional, prejudicando interesse, cujo patrocínio, em juízo, lhe é confiado:

Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa.

[...]


Crimes de única e de múltipla ação
Art. 33.  Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

[...]

“Tráfico” pode significar 18 verbos. Se alguém plantar maconha, guardar, transportar e vender, o agente deverá ser processado apenas por tráfico. Não será punido várias vezes para não ocorrer bis in idem.

Receptação:

Receptação

Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Quando ocorre concurso material de crimes, esses crimes são de única ação. A classificação vista aqui é normativa, e não doutrinária.
 

Crimes instantâneos e permanentes


Crimes simples e compostos

Cuidado com a confusão com crimes de única ação.

Crimes de perigo e crimes de dano

 

Crimes principais e acessórios

 

Crimes unissubjetivos e plurissubjetivos

Quadrilha ou bando

Art. 288 - Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes:

Pena - reclusão, de um a três anos.

Parágrafo único - A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado.

Rixa

Art. 137 - Participar de rixa, salvo para separar os contendores:

Pena - detenção, de quinze dias a dois meses, ou multa.

Parágrafo único - Se ocorre morte ou lesão corporal de natureza grave, aplica-se, pelo fato da participação na rixa, a pena de detenção, de seis meses a dois anos.

Observação sobre a bigamia:
Bigamia

Art. 235 - Contrair alguém, sendo casado, novo casamento:

Pena - reclusão, de dois a seis anos.

[...]

A bigamia só será plurissubjetiva quando todos os “participantes” tiverem consciência de que o ato configura bigamia, ou seja, não será caso a amante não saiba que o bígamo é casado, por exemplo.
 

Crimes habituais

São crimes que exigem certa reiteração de atos para se configurar. Precisam de uma habitualidade, um modus operandi repetitivo em um tempo. Exemplo: exercício ilegal da medicina, rufianismo, curandeirismo, charlatanismo.


  1. Não tenho certeza a respeito dessa particularidade sobre a corrente majoritária, mas sei que devemos ter atenção maior ao texto da lei e não à interpretação.
  2. Aquela em que a vítima não chega a ser atingida pelo agente. Exemplo: dez disparos de arma de fogo sem acertar o alvo com nenhuma bala. A vítima sai ilesa.