A teoria do crime também é chamada, por alguns autores, de teoria do delito.
Essa teoria geral do crime, no caso brasileiro e da América Latina, é grandemente influenciada pela doutrina alemã. É uma importação do que se produz na Alemanha, e certamente vêm do país germânico. as principais matérias do direito. O país é o berço da cultura ocidental contemporânea, assim como era a Grécia antiga para a antiguidade.
A teoria do delito não
é exceção; ela está contida
nessa bagagem cultural. Aos poucos, o Brasil
começa a criar uma teoria própria.
O que é? É o sistema do delito: o conjunto de conceitos fundamentais com os quais trabalham os juízes, promotores, e demais operadores do Direito. É a sistematização dos institutos essenciais à aplicação e compreensão do Direito Penal. Então, estudar a teoria do delito é o mesmo que estudar os conceitos básicos de aplicação e interpretação no Direito Penal. Exemplo: conceito de preterdolo, culpa, dolo, de discriminantes putativas...
Art.
20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o
dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei. Descriminantes putativas § 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo. |
Três conceitos fundamentais: tipicidade, ilicitude e culpabilidade
Tipicidade: é na verdade uma concretização do princípio da legalidade. É a relação de adequação entre um fato da vida e a norma penal incriminadora. Matar alguém é um fato típico: há uma norma penal que o tipifica. Dizemos, entretanto, que o fato é atípico se ocorre o contrário, ou seja, quando não houver correspondência entre o fato e a norma penal incriminadora. Adultério, por exemplo, se trata, hoje em dia, apenas de um ilícito civil. Aborto: só é fato típico se praticado na forma dolosa; se o aborto for culposo, então o fato é atípico. Dano: crime na forma dolosa apenas. Mas se o crime de dano for praticado na forma culposa, ele será atípico; será apenas um ilícito civil, passível de ação de reparação de danos.
Quase todos os crimes são puníveis apenas na forma dolosa. Em geral, o fato só é típico se praticado na forma dolosa, exceto alguns, como o homicídio. Furto e roubo não podem ser culposos. Fato típico é previsto em lei como crime ou contravenção, ou seja, como infração penal. É atípico quando não há essa correspondência.
Ilicitude ou antijuridicidade: depois, verificamos se o fato é ilícito ou antijurídico. O fato é antijurídico quando, sendo previamente típico, for praticado contrariamente ao direito. Ou seja, para aferir a licitude de um fato, primeiramente devemos determinar se ele é típico. Mais que isso, ele ofende o Direito como um todo, e não está amparado por nenhuma causa de justificação. Pode acontecer de alguém praticar um homicídio em conformidade com o Direito, então será um crime, porém não ilícito. Pode ocorrer de o sujeito praticar o crime amparado por uma causa de justificação, conhecida como excludente de ilicitude, quais sejam:
Pai que proíbe a filha de sair, privando-a de seu direito de ir e vir é um exercício regular do direito.
Culpabilidade:
é um juízo de reprovação
que incide sobre o
autor de um fato típico e ilícito em que era
perfeitamente exigível o comportamento
conforme o direito. Dizemos que o agente é
culpável quando é exigível o
comportamento diverso, e inculpável quando é
inexigível o comportamento
diverso.
Excludentes de culpabilidade e erro de proibição
O sujeito acha que está atuando de acordo com o Direito, mas, em verdade, sua atitude é ilegal. Loucos se encaixam neste exemplo. Tomam como legal um comportamento proibido. Bem como o garoto de 13 anos que tem relações sexuais com uma amiga também de 13: ambos praticam estupro de vulnerável. ¹ Tirar xerox de livros e obras protegidas por direitos autorais: crime, de acordo com o art. 184 do Código Penal. O que a população aceita ou legitima não necessariamente é legal. Outras excludentes de culpabilidade: alienação mental e coação moral irresistível, como ameaçar matar a filha de alguém. Obediência à ordem hierárquica não manifestamente ilegal: quando um Capitão dá uma ordem não claramente ilegal ao Soldado.
Esses três conceitos remetem a vários outros. A teoria do delito é uma constelação de conceitos. Entre essas categorias há uma relação de sucessão e prejudicialidade. Só analisamos se um fato é ilícito se ele for típico, enquanto só analisamos se determinado fato é culpável se ele for ilícito e típico. Em suma: primeiro, observamos a tipicidade, em seguida a ilicitude e, por último, a culpabilidade.
Exemplo: sujeito matou alguém. Em princípio, é um fato típico. Próximo passo: ver se o fato foi também ilícito, ou seja, se, com a prática desse fato, o sujeito realmente feriu o Direito. Se sim, perguntamo-nos se há excludentes de culpabilidade. Se sim, o sujeito deve ser absolvido e caso encerrado. Se não, é culpável, e o processo prossegue.
Resumo: a teoria do delito trabalha com esses conceitos fundamentais. E a punibilidade? Alguns autores, poucos, também consideram que ela também faz parte da teoria do delito. Como Francisco Munhoz Conde e Mercedes Arán. Em geral, os autores não consideram a punibilidade como um elemento da teoria do delito, mas há esses dois, que são exceções. Por que não se considera? Porque a punibilidade é a própria conseqüência do caráter criminoso do fato. Logo, ela não é pressuposto do crime, mas a conseqüência mesma dele.
No Direito Penal temos duas grandes
teorias: a teoria do delito e a teoria da pena, que estudaremos depois. Esta trata das conseqüências
do crime.
Quer dizer que a teoria do delito (e seus conceitos) não é o fim em si mesma, mas o meio. Qual é o fim, então? Por que existem os conceitos de dolo, culpa, e por que não se renuncia a tudo isso? Precisamos recorrer a esses conceitos sempre? Há instituições, como o Tribunal do Júri, que não levam em consideração tais conceitos; são sete pessoas que não tem conhecimento em Direito. E elas decidirão. Não sabem o que é teoria do delito, preterdolo, culpabilidade, e ainda assim julgam o caso. Eles não usam os conceitos da teoria do delito porque o ignoram. O Tribunal do Júri é formado por leigos.
No entanto, os crimes não são, em geral, da competência do Tribunal do Júri, exceto homicídio, aborto, infanticídio e induzimento, instigação ou auxílio a suicídio. Nem mesmo o genocídio e o latrocínio são crimes contra a vida. O Tribunal do Júri só tem competência para julgar crimes dolosos contra a vida.
Para que há esses
conceitos? Para evitar a improvisação, a
incerteza e, em tese, o caos, na administração da
justiça. Então os conceitos
fundamentais da teoria do delito existem para possibilitar aos
operadores do Direito
um mínimo de racionalidade em suas decisões, de
previsibilidade e legitimidade.
Enfim, significa que a função da teoria do delito
é possibilitar decisões
tecnicamente corretas, legítimas, racionais e
previsíveis. A teoria do delito
não é o fim em si mesma, mas é o meio
a serviço da decisão justa dos casos.
Então, o juiz, quando recorre ao conceito de dolo, culpa,
alienação mental,
legítima defesa, entre outros, busca emitir pareceres justos
e razoáveis. O fim
é a justiça.
Crítica da razão técnico-jurídica
Decisões tecnicamente fundadas ou tecnicamente corretas são decisões necessariamente justas? Claro que não. Essa é a primeira crítica feita à teoria do Direito como um todo, não apenas à teoria do crime. Imagine que alguém é preso numa loja de departamentos porque foi pego ao tentar trocar uma sandália velha por uma nova. O juiz condena a pessoa à pena mínima pelo crime de furto, que é de um ano. A loja não foi danificada, porque recuperou o artigo furtado. Essa é uma decisão justa? Deveria o sujeito passar um ano preso? Reflita. ²
Também houve um caso ocorrido no interior da Bahia, em que uma mulher, de tanto apanhar do marido, resolveu matá-lo. Ele trabalhava na roça, e levava marmita de casa para comer todos os dias. A esposa colocou “chumbinho” na comida do marido. Mas algo aconteceu naquele dia que ele voltou para casa e resolveu almoçar junto à esposa, deixando a marmita de lado. Mais tarde, os dois filhos do casal voltaram para casa da escola e comeram o alimento envenenado e morreram. Qual foi o crime? Um homicídio, não dois, doloso, hediondo, contra o marido (que era quem a agente pretendia matar, e, evidentemente, permanecera vivo. Ele se mudou da Bahia para São Paulo, passou uns anos e, posteriormente, os dois voltaram a se reencontrar e estão juntos até hoje).
Seguindo a idéia de que decisões tecnicamente corretas não necessariamente são decisões justas, podemos dizer também que decisões tecnicamente incorretas não necessariamente são decisões injustas. Por isso o Tribunal do Júri tem sua legitimidade.
"Ricardão" morto pelo
marido traído: este alegou legítima
defesa (não legítima defesa da honra) e foi
absolvido pelo Tribunal
do Júri. Uma pessoa cheia de formação
técnica não será garantidamente uma
boa juíza
ou boa promotora. Acesse
o site do
professor e leia este
artigo ³, que tem tudo a ver com esta aula.
Há vários conceitos de crimes: um deles é o conceito formal, que é o mais usual e comum. Parte da própria lei, para dizer que crime é um fato definido em lei como tal. Simples.
Se a lei não disser que é crime, crime não é.
Há mais conceitos:
Tráfico: há
lugares no mundo onde não é crime. No Brasil,
entendeu-se que o tráfico deve ser criminalizado.
Caráter construtivo da teoria do crime
Tem a ver com as primeiras aulas: não há fatos, mas há interpretações. Matar pode ser contra ou de acordo com o Direito. Há autores que sustentam que o marido não pode ser acusado de estupro contra sua mulher. O juiz, ao decidir um caso qualquer, não constata o fato como um químico ou biomédico; ele interpreta fatos, e, nisso, constrói o Direito e o crime. Ou seja, a atividade judicial é uma atividade construtiva, pois os juízes interpretam; só então dizem se houve ou não crime.
Veja esse caso fantástico que ocorreu em Bela Vista/GO, na qual dois amigos participavam de uma relação sexual a três e, quando um deles foi penetrado por outro, aquele acusou este de atentado violento ao pudor. O processo foi arquivado por insuficiência de provas, mas a promotora de justiça recorreu ao Tribunal de Justiça de Goiás e deparou com o seguinte pronunciamento do desembargador (magistrado que atua na segunda instância), mantendo a absolvição: “[...] Quem procura satisfazer a volúpia sua ou de outrem, aderindo ao desregramento de um bacanal, submete-se conscientemente a desempenhar o papel de sujeito ativo ou passivo, tal é a inexistência de moralidade e recato neste tipo de confraternização [...]” ⁵
Esse exemplo extremo é
para mostrar que o juiz não pronuncia
o crime já ocorrido, mas o constrói.