Direito Penal

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Princípios penais – conclusão

 Tópicos:

  1. Continuação da aula anterior
  2. Princípio ne bis in idem
  3. Princípio da insignificância
  4. Princípio da lesividade ou da ofensividade
  5. Princípio da pessoalidade da pena
  6. Princípio da humanidade das penas

Continuação da aula anterior 

Na aula passada estávamos falando do princípio da proporcionalidade. Ele passa por todo o ordenamento jurídico. Toda decisão tomada no mundo do Direito passa pelo princípio da proporcionalidade. Ele se manifesta, por exemplo, em casos onde se pergunta se houve legítima defesa ou não. Uma criança que invade um quintal para colher umas goiabas e toma um tiro do proprietário do terreno foi vítima de uma execução, e não houve legítima defesa, pois a reação à conduta da criança foi obviamente desproporcional.

O mesmo raciocínio vale para o caso de fuga de prisão na qual o fugitivo é baleado pela sentinela: o fugitivo foi executado, e não morto por legítima defesa.

Ontem mesmo o professor invocou o princípio da proporcionalidade quando um empresário foi condenado por sonegação previdenciária de acordo com o Código Penal, art. 168-A, a 3 anos e 4 meses de reclusão. Como a pena é inferior a 4 anos, o juiz pode substituir a pena de reclusão por pena restritiva de direito. Então, o juiz o proibiu de freqüentar bares, boates e prostíbulos. Mas pergunta-se: o que isso tem a ver com o fato de alguém sonegar valores devidos à Previdência? Como essa indagação tem fundamento, então é válido alegar a violação do princípio da proporcionalidade, que tem como uma de suas vertentes a adequação entre castigo e crime praticado. A adequação, como vimos na aula passada, é uma das três vertentes que integram o princípio da proporcionalidade; os outros dois são a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.

Ainda há juízes federais, jovens inclusive, que aplicam penas em total dissonância com o Estado democrático de Direito.
 

Princípio ne bis in idem 

Significa que um mesmo fato não pode ser punido mais de uma vez na mesma seara. Entretanto é possível alguém responder tanto na seara penal quanto na civil, ou tanto na penal quanto na administrativa, ou nas três. O caso Severino Cavalcanti é um exemplo. Este princípio abre uma discussão: o questionamento do instituto da reincidência.

A pena é aumentada em razão de o criminoso ser reincidente, ou seja, a prática de um segundo crime após o trânsito em julgado de um crime anterior. Por isso, o juiz aumenta sua pena por ele ser reincidente. Alguns autores questionam a constitucionalidade disso. Vejamos uma situação hipotética para entender o argumento desses doutrinadores: suponha que um sujeito passe dois anos preso por furto. Depois de cumprir a pena, passa-se um tempo ele recebe novamente uma pena de seis anos por tráfico. Após verificar que o indivíduo é reincidente, o juiz aumenta sua pena por tráfico em dois terços, resultando em uma pena de 10 anos. Esse aumento de quatro anos foi unicamente por causa de uma pena já cumprida. Então, é como se o sujeito cumprisse a pena duas vezes, indiretamente.

Inclusive há um autor ainda mais radical, Juarez Cirino. Defende ele que, se o indivíduo é reincidente, então é porque o Estado não teve condições de ressocializá-lo, portanto, ele deveria ser atenuado. Alguns dos autores que defendem a inconstitucionalidade do agravamento de pena por reincidência são: Zaffaroni e Batista, Andrei Schmidt, Lênio Streck.

Os tribunais nada pensam ainda sobre isso, exceto o STF, particularmente com o Ministro Eros Grau, que entende que não há inconstitucionalidade.

E se o juiz entender que o agravamento da pena por reincidência não é inconstitucional, o aumento decorrente da reincidência não pode ser igual nem maior que a pena anteriormente cumprida. Ou seja, o caso acima está completamente fora de proporcionalidade. Já aconteceu de alguém ser condenado por latrocínio, pegar 20 anos e, como já cumpriu 2 por furto, acabou pegando mais 10.

A reincidência cessa após 5 anos do final do cumprimento da pena.
 

Princípio da insignificância

É uma criação de um autor alemão: Claus Roxin. Aproximadamente em 1970, disse que há algumas condutas que, apesar de formalmente ilícitas, são tão pequenas que não poderiam ser matéria do Direito Penal por causa de seu caráter subsidiário. Essas condutas não lesionam um bem jurídico importante, como em geral não são nem importantes para o próprio detentor do direito violado. Ele visa afastar do Direito Penal condutas “irrelevantes”. Catar goiaba como o Chico Bento, por exemplo. Os tribunais vêm admitindo, largamente, o princípio da insignificância. A questão é: o que pode ser considerado insignificante? Bicicleta velha, por exemplo: o valor dela para a vítima do furto pode ser muito maior do que o valor de mercado do bem.

Maus e bons antecedentes devem ser considerados para efeito de insignificância? Há uma discussão sobre isso também. O Ministro Sepúlveda Pertence entende que os antecedentes não afastam a possibilidade de se aplicar o princípio da insignificância. ¹

Também se admite o Princípio da Insignificância em crimes sem violência ou grave ameaça à pessoa, especialmente furto, dano e estelionato. Eventualmente, roubo, quando alega-se que o bem roubado é muito pequeno.

Normalmente os tribunais não admitem o Princípio da Insignificância em crimes ambientais, pois o bem jurídico é coletivo, difuso, e não é passível de aferição. Toda lesão ao meio ambiente é significativa. Mas, neste ano de 2008, saiu uma monografia de Ivan Luiz da Silva falando sobre isso. Há também o caso do sujeito que foi preso por raspar lascas de um tronco de árvore e catar minhocas.

Também não se tem admitido o princípio da insignificância em casos de falsidade, especialmente com falsificação de moedas. Todavia já há jurisprudência, na qual o Ministro Joaquim Barbosa aceitou o pedido de habeas corpus impetrado pela defesa de um elemento que falsificou uma nota de R$ 5,00.

O professor não concorda com a afirmação de que o princípio da insignificância é um convite à prática da vigarice.
 

Princípio da lesividade ou ofensividade

Leia novamente todo o art. 5º da Constituição. Ele é dedicado à proteção da liberdade. Assegura, ao menos formalmente, a liberdade de expressão. Quem lê a Constituição vê que, no sistema democrático brasileiro, a liberdade é a regra, e a não-liberdade é a exceção. Toda ação humana só pode ser objeto de Direito quando ela significa lesão a alguém. Logo, em princípio, eu posso fazer tudo que não viole a liberdade do meu próximo. O que está subjacente a isso é o princípio da lesividade ou ofensividade: só pode ser objeto do Direito Penal uma conduta que lesa um bem jurídico alheio. Lesão corporal: é a ofender a integridade física de outrem, e não a minha mesma:

Lesão corporal

Art. 129 - Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

Calúnia, injúria e difamação: só são objetos do Direito Penal quando se dirigem a outra pessoa, e não a mim mesmo. ²

Observação: instigar alguém ao suicídio é crime:

Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio

Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.

Aumento de pena

Parágrafo único - A pena é duplicada:

I - se o crime é praticado por motivo egoístico;
II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de
resistência.

O princípio da lesiviade diz que o Estado não pode intervir a menos que um bem jurídico alheio esteja ameaçado. Apesar de o Estado não intervir nesse âmbito, há situações em que não há respeito a esse princípio, como o porte de drogas. Ainda é crime. Professor defende que o porte não é uma lesão a ninguém, nem mesmo à sociedade, como se costuma alegar.

Infelizmente, quanto ao tráfico, não há uma vítima direta, desde que não envolva menores. Há quem diga, portanto, que o tráfico e o jogo do bicho não deveriam ser crimes por falta de lesão.

Estupro com violência presumida: alguns autores defendem que a conduta não deveria ser objeto do Direito Penal pois não há lesão. Para compreender melhor, lembremos do exemplo dado pelo professor: era uma vez um menino de 18 anos, que namorava uma menina de 13 na Bahia. O relacionamento ia bem. Quando acabou, a mãe da menina, que trabalhava num fórum, entrou com uma ação contra o jovem, processando-o por estupro com violência presumida. O garoto acabou passando 3 meses preso, e a menina ficou conhecida como “a estuprada”.

A presunção de violência deve ser concretamente verificada. É necessário, por exemplo, que se verifique quem é a menina: ela pode ser uma libertina. E também a origem: uma menina de Brasília e uma do interior do Pará podem diferir no que tange à consciência do que ela está fazendo.

A disposição ou a má disposição de direito próprio não pode ser objeto de Direito Penal em razão do princípio da liberdade.
 

Princípio da pessoalidade da pena

Este é um princípio bastante antigo que diz que nenhuma pena se estenderá para além da pessoa do infrator. Somente o autor do delito, ou co-autores e partícipes do crime deverão ser punidos. Ou seja, só responde quem de fato praticou. Pessoas estranhas à conduta só podem responder, eventualmente, no âmbito civil. Os pais, tutores em relação aos tutelados e curadores em relação aos curatelados não podem responder penalmente. Mas o pai de um jovem menor de idade que furta seu veículo, bebe e atropela algumas pessoas poderá responder civilmente.

Este princípio existe desde antes da Constituição de 1824. Ele estabeleceu que “nenhuma pena passará da pessoa do delinqüente”.

Mas, quando vigoravam as Ordenações Filipinas, isso era possível sim. Tiradentes foi um bom exemplo disso: todos seus descendentes até a quarta geração ficaram sujeitos à pena pelo crime de infâmia.

Motorista de ônibus que mata: a empresa de transportes responde civilmente, enquanto o motorista responde penalmente e possivelmente por responsabilidade civil também.

Não há responsabilidade objetiva nem presumida; ela deve ser apurada concretamente. Só responde penalmente o agente que age com dolo ou culpa. No Direito Penal, a responsabilidade é sempre subjetiva.
 

Princípio da humanidade das penas

Este princípio impede que, em nome da dignidade da pessoa humana, se estabeleçam penas envileçam o condenado e impeçam sua ressocialização. Por mais grave que seja o crime, o autor continua sendo uma pessoa humana, e deve continuar sendo tratado como tal. Por isso há algumas penas que estão taxativamente proibidas na Constituição brasileira: pena de morte, exceto em caso de guerra declarada e por crime militar: (que signifiquem traição ou espionagem), prisão perpétua e outras que veremos a seguir.

No Brasil há, informalmente, a pena de morte. Muitas vezes a Polícia Militar desempenha funções não-militares. O discurso é diferente da realidade.

A parte curiosa é que o Brasil é signatário do Tratado de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional. O tratado prevê a possibilidade de prisão perpétua. Ou seja, em princípio, o Brasil poderia entregar um brasileiro (ou não-brasileiro) para sofrer pena perpétua. Como resolver este impasse? Há uma discussão sobre isso. Valério Mazzuoli defende que a prisão perpétua é aplicável aos nacionais e estrangeiros porque o Brasil é signatário. A maioria dos internacionalistas entende que não há inconstitucionalidade na extradição de prisioneiros para o cumprimento de penas perpétuas. Porém, hierarquicamente o tratado está aquém da Constituição. Por isso, o Brasil não pode entregar, a não ser que o TPI se comprometa a não lhe aplicar prisão perpétua.

Pena cruel e degradante também está proibida, como a esterilização compulsória de praticantes de aborto.

Banimento: a expulsão de um indivíduo do país também é proibida. Pode acontecer no âmbito administrativo. E, para encerrar os tipos de penas proibidas, há a pena de trabalhos forçados.

  1. Ao ler minhas notas feitas às pressas, não entendi se a intenção real do professor era dizer “...não afasta a possibilidade de se invocar o princípio da insignificância”, ou “não permitem a possibilidade de se invocar o princípio da insignificância.”
  2. Nos crimes de calúnia, difamação e injúria, respectivamente previstos nos arts. 138, 139 e 140 do Código Penal, não vemos a palavra "outrem", mas "alguém", o que deixa aberta a possibilidade de que esse alguém seja você mesmo. Falta saber se tem alguma outra norma que, expressamente, disponha sobre a exigência de que "alguém" seja, obrigatoriamente, "outra pessoa".