Na
aula passada estávamos
falando do princípio da proporcionalidade. Ele passa por
todo o ordenamento
jurídico. Toda decisão tomada no mundo do Direito
passa pelo princípio da proporcionalidade. Ele se manifesta, por
exemplo, em casos onde se
pergunta se
houve legítima defesa ou não. Uma
criança que invade um quintal para colher
umas goiabas e toma um tiro do proprietário do terreno foi
vítima de uma
execução, e não houve
legítima defesa, pois a reação à conduta da criança foi obviamente
desproporcional.
O
mesmo raciocínio vale para
o caso de fuga de prisão na qual o fugitivo é
baleado pela sentinela: o
fugitivo foi executado, e não morto por legítima
defesa.
Ontem
mesmo o professor
invocou o princípio da proporcionalidade quando um
empresário foi condenado por
sonegação previdenciária de acordo com
o Código Penal, art. 168-A, a 3 anos e 4
meses de reclusão. Como a pena é inferior a 4
anos, o juiz pode
substituir a pena de reclusão por pena restritiva de
direito. Então, o juiz o
proibiu de freqüentar bares, boates e prostíbulos.
Mas pergunta-se: o que isso
tem a ver com o fato de alguém sonegar valores devidos à Previdência?
Como essa
indagação tem
fundamento, então é válido alegar a
violação do princípio da proporcionalidade,
que tem como uma de suas vertentes a adequação
entre castigo e crime praticado. A adequação,
como vimos na aula passada, é
uma das três vertentes que integram o princípio da proporcionalidade;
os outros
dois são a necessidade e a proporcionalidade em sentido
estrito.
Ainda
há juízes federais,
jovens inclusive, que aplicam penas em total dissonância com
o Estado
democrático de Direito.
Significa
que um
mesmo
fato não pode ser punido mais de uma vez na mesma seara. Entretanto é
possível
alguém responder tanto na seara penal quanto na
civil, ou tanto na penal
quanto na administrativa, ou nas três. O caso Severino
Cavalcanti é um exemplo.
Este princípio abre uma discussão: o
questionamento do instituto da
reincidência.
A
pena é aumentada em razão
de o criminoso ser reincidente, ou seja, a prática de um
segundo crime após o
trânsito em julgado de um crime anterior. Por isso, o juiz
aumenta sua pena por
ele ser reincidente. Alguns autores questionam a constitucionalidade
disso. Vejamos
uma situação hipotética para entender
o argumento desses doutrinadores: suponha
que um sujeito passe dois anos preso por furto. Depois de cumprir a
pena,
passa-se
um tempo ele recebe novamente uma pena de seis anos por
tráfico.
Após verificar que o indivíduo é
reincidente, o juiz
aumenta sua pena por tráfico em dois terços,
resultando em uma pena de 10 anos.
Esse aumento de quatro anos foi unicamente por causa de uma pena
já cumprida. Então,
é como se o sujeito cumprisse a pena duas vezes,
indiretamente.
Inclusive
há um autor ainda
mais radical, Juarez Cirino. Defende ele que, se o
indivíduo é reincidente,
então é porque o Estado não teve
condições de ressocializá-lo,
portanto, ele
deveria ser atenuado. Alguns dos
autores que defendem a inconstitucionalidade do agravamento de pena por
reincidência são: Zaffaroni e Batista, Andrei
Schmidt, Lênio
Streck.
Os
tribunais nada pensam
ainda sobre isso, exceto o STF, particularmente com o Ministro Eros
Grau, que
entende que não há inconstitucionalidade.
E
se o juiz entender que o
agravamento da pena por reincidência não
é inconstitucional, o aumento decorrente da reincidência não pode ser igual nem
maior que a pena
anteriormente cumprida. Ou seja, o caso acima está
completamente fora de
proporcionalidade. Já aconteceu de alguém ser
condenado por latrocínio, pegar
20 anos e, como já cumpriu 2 por furto, acabou pegando mais
10.
A
reincidência cessa após 5
anos do final do cumprimento da pena.
É
uma criação de um autor
alemão: Claus Roxin. Aproximadamente em 1970, disse que
há algumas condutas
que, apesar de formalmente ilícitas, são
tão pequenas que não poderiam ser
matéria do Direito Penal por causa de seu caráter
subsidiário. Essas condutas
não lesionam um bem jurídico importante, como em
geral não são nem importantes
para o próprio detentor do direito violado. Ele visa afastar do
Direito Penal condutas “irrelevantes”.
Catar goiaba como o Chico Bento, por exemplo. Os tribunais vêm
admitindo,
largamente, o princípio da insignificância. A
questão é: o que pode ser
considerado insignificante? Bicicleta velha, por exemplo: o valor dela
para a
vítima do furto pode ser muito maior do que o valor de
mercado do bem.
Maus
e bons antecedentes
devem ser considerados para efeito de insignificância?
Há uma discussão sobre
isso também. O Ministro Sepúlveda Pertence
entende que os antecedentes não
afastam a possibilidade de se aplicar o princípio da insignificância. ¹
Também
se admite o Princípio
da Insignificância em crimes sem violência ou grave ameaça à pessoa,
especialmente furto, dano e
estelionato. Eventualmente, roubo, quando alega-se que o bem roubado
é muito
pequeno.
Normalmente
os tribunais não
admitem o Princípio da Insignificância em crimes
ambientais, pois o bem
jurídico é coletivo, difuso, e não
é passível de aferição.
Toda lesão ao meio
ambiente é significativa. Mas, neste ano de 2008, saiu uma monografia
de Ivan Luiz da Silva falando sobre isso. Há
também o caso do sujeito que
foi preso por raspar lascas de um tronco de árvore e catar
minhocas.
Também não
se tem admitido o
princípio da insignificância em casos de
falsidade, especialmente com
falsificação de moedas. Todavia já
há jurisprudência, na qual o Ministro
Joaquim Barbosa aceitou
o pedido de habeas corpus impetrado pela defesa de um elemento
que falsificou uma nota de R$ 5,00.
O
professor não concorda com
a afirmação de que o princípio da insignificância é um convite à
prática da
vigarice.
Princípio
da lesividade ou ofensividade
Leia
novamente todo o art.
5º da Constituição.
Ele é dedicado à proteção
da liberdade. Assegura, ao menos formalmente, a liberdade
de expressão. Quem lê a
Constituição vê que, no sistema
democrático brasileiro,
a liberdade é a regra, e a não-liberdade
é a exceção. Toda
ação humana só pode
ser objeto de Direito quando ela significa lesão a
alguém. Logo, em
princípio, eu posso fazer tudo que não viole a
liberdade do meu próximo. O que
está subjacente a isso é o princípio
da lesividade ou ofensividade: só pode ser
objeto do Direito Penal uma conduta que lesa um bem jurídico
alheio. Lesão
corporal: é a ofender a integridade física de outrem,
e não a minha mesma:
Lesão corporal Art. 129 - Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano. |
Observação: instigar alguém ao suicídio é crime:
Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave. Aumento de pena Parágrafo único - A pena é duplicada: I - se o crime é praticado por motivo egoístico; II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência. |
Infelizmente,
quanto ao
tráfico, não há uma vítima direta, desde que não envolva menores. Há quem diga, portanto,
que o tráfico e o jogo do bicho não deveriam ser crimes por
falta de lesão.
Estupro com violência presumida: alguns
autores defendem que a conduta não deveria ser objeto do
Direito Penal pois não
há lesão. Para compreender melhor, lembremos do
exemplo dado pelo professor:
era uma vez um menino de 18 anos, que namorava uma menina de 13 na
Bahia. O
relacionamento ia bem. Quando acabou, a mãe da menina, que
trabalhava num
fórum, entrou com uma ação contra o
jovem, processando-o por estupro com violência presumida.
O garoto acabou passando 3 meses preso, e a menina ficou conhecida como
“a
estuprada”.
A
presunção de violência deve
ser concretamente verificada. É necessário, por
exemplo, que se verifique quem
é a menina: ela pode ser uma libertina. E também
a origem: uma menina de
Brasília e uma do interior do Pará podem diferir
no que tange à consciência do
que ela está fazendo.
A
disposição ou a má
disposição de direito próprio
não pode ser objeto de Direito Penal em razão do princípio da liberdade.
Princípio
da pessoalidade da pena
Este
é um princípio bastante
antigo que diz que nenhuma pena se estenderá para além
da pessoa do infrator.
Somente o autor do delito, ou co-autores e partícipes do
crime deverão ser
punidos. Ou seja, só responde quem de fato praticou. Pessoas
estranhas à
conduta só podem responder, eventualmente, no
âmbito civil. Os pais, tutores em
relação aos tutelados e curadores em
relação aos curatelados não podem
responder penalmente. Mas o pai de um jovem menor de idade que furta
seu
veículo, bebe e atropela algumas pessoas poderá
responder civilmente.
Este
princípio existe desde
antes da Constituição de 1824. Ele estabeleceu
que “nenhuma pena passará
da pessoa do delinqüente”.
Mas,
quando vigoravam as
Ordenações Filipinas, isso era
possível sim. Tiradentes foi um bom exemplo
disso: todos seus descendentes até a quarta
geração ficaram sujeitos à pena
pelo crime de infâmia.
Motorista
de ônibus que mata:
a empresa de transportes responde civilmente, enquanto o motorista
responde
penalmente e possivelmente por responsabilidade civil também.
Não
há responsabilidade
objetiva nem presumida; ela deve ser apurada concretamente.
Só responde
penalmente o agente que age com dolo ou culpa. No Direito Penal, a responsabilidade é sempre subjetiva.
Princípio
da humanidade das penas
Este
princípio impede que, em
nome da dignidade da pessoa humana, se estabeleçam penas
envileçam o condenado
e impeçam sua ressocialização. Por
mais grave que seja o crime, o autor
continua sendo uma pessoa humana, e deve continuar sendo tratado como tal. Por isso há algumas penas que estão
taxativamente proibidas na Constituição
brasileira: pena de morte, exceto em caso de guerra declarada e por
crime
militar: (que signifiquem traição ou espionagem), prisão perpétua
e outras que veremos
a seguir.
No
Brasil há, informalmente,
a pena de morte. Muitas vezes a Polícia Militar desempenha
funções
não-militares. O discurso é diferente da
realidade.
A
parte curiosa é que o
Brasil é signatário do Tratado de Roma, que criou
o Tribunal Penal
Internacional. O tratado prevê a possibilidade de
prisão perpétua. Ou seja, em
princípio, o Brasil poderia entregar um brasileiro (ou
não-brasileiro) para
sofrer pena perpétua. Como resolver este impasse?
Há uma discussão sobre isso.
Valério Mazzuoli defende que a prisão
perpétua é aplicável aos nacionais e
estrangeiros porque o Brasil é signatário. A
maioria dos internacionalistas
entende que não há inconstitucionalidade na
extradição de prisioneiros para o
cumprimento de penas perpétuas. Porém, hierarquicamente o tratado
está aquém da
Constituição. Por isso, o Brasil não
pode entregar, a não ser que o TPI se
comprometa a não lhe aplicar prisão
perpétua.
Pena
cruel e degradante
também está proibida, como
a esterilização compulsória de
praticantes de aborto.