Direito Penal

quinta-feira, 23 de outubro de 2008


Excludentes de culpabilidade: menoridade, embriaguez, erro de proibição e alienação mental

 

Frase do dia: Se lúcido se pode alegar uma excludente de culpabilidade, bêbado mais ainda.

Tópicos:
  1. Menoridade
  2. Embriaguez
  3. Espécies de embriaguez
  4. Erro de proibição
  5. Alienação mental

Menoridade

A primeira excludente de culpabilidade é a menoridade. Nós vimos na aula passada que um dos elementos da culpabilidade é a imputabilidade. Em relação à menoridade, falta exatamente a imputabilidade. Parte-se do pressuposto que menores de 18 anos são inimputáveis, portanto não podem ser sujeitos ativos para o Direito Penal. No Brasil, eles responderão, conforme os casos, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente. A menoridade no caso brasileiro tem assento constitucional. Se houver pretensão de mudar essa idade, é preciso primeiro mudar a Constituição. Alguns constitucionalistas defendem que nem mesmo com emenda constitucional é possível alternar a maioridade penal, pois entendem que o assunto é cláusula pétrea.

Se o sujeito é menor de 18 anos e é alienado mental, ainda responderá segundo o ECA se cometer um crime.

Entretanto isso é uma ficção, já que até os inventores do Google eram menores de 18 anos na ocasião em que conceberam a idéia dele. É possível, obviamente, alguém ter 19 anos e não ter tido boa criação, ser imaturo. Isso é bastante relativo, mas o Código Penal brasileiro adotou o critério objetivo: não respondem penalmente os menores de 18 anos.

É também um critério político, que varia de país para país. Na Espanha, a menoridade penal era de 16 anos, e aumentou para 18 em 1995.

Outros países baixaram de 18 para 16, enquanto outros nem têm idade penal.

No Brasil há projetos de lei para reduzir para 16, outros para 14.

Tendo em vista a dificuldade de aprovação desse projeto, os parlamentares também já enviaram ao Congresso projetos de lei que pretendem aumentar o prazo da internação de menor infrator de três para trinta anos. Seria uma modificação estatutária, já que a Constituição não pode ser mudada. Bem criativo; é uma tentativa de driblar o impedimento legal. É possível que, cedo ou tarde, quando um outro “Batoré"¹ matar mais alguém, isso seja mudado.

A idade que importa para efeitos penais é a idade biológica; não importa a capacidade civil do sujeito. Como sabemos alguém pode ser emancipado, seja por emancipação direta, casamento, exercício do comércio, graduação em nível superior, etc. Nada disso importa para o Direito Penal. Ainda que ele seja maior civilmente, ou tenha filhos, ainda assim ele é considerado menor para o Código Penal. Isso mostra que essa unidade do Direito, propagada há tanto tempo, é também uma ficção. Os constitucionalistas e civilistas gostam dessa idéia de Direito único.

E também como vimos na aula de lei penal no tempo, o Código adotou a teoria da ação, logo o que importa é a idade do agente no momento da ação. Se o sujeito é menor no dia em que disparou tiros e maior no dia em que a vítima veio a óbito, importa o dia em que os tiros foram disparados, não o dia do resultado. Mas, em relação ao seqüestro, se cessado antes de se completar a maioridade, o sujeito também será considerado menor para efeitos penais, mesmo que já tenha completado 18 anos quando for apanhado pela polícia.

Entretanto, para crimes permanentes ou continuados, que são aqueles em que se mantém a violação ao bem jurídico por vontade do autor, se terminados depois de o sujeito completar 18 anos, ele será maior para efeitos penais. Ou seja, se, durante mais de 12 meses, ele mantém em depósito drogas ilícitas que tiver ganhado de presente de 17 anos de aniversário, ele será, se descoberto depois desse período, considerado maior para o crime que começou a ser cometido enquanto ainda menor.

Observação: no que tange à prescrição, o Código não adotou a teoria da ação, mas do resultado. Caso Vilma e Pedrinho: o seqüestro só cessou há seis anos, apesar de ter iniciado em 1986, portanto o crime só prescreveria em 2014, já que a prescrição para crimes cuja pena máxima é de 8 anos é de 12 anos, de acordo com o art. 109, inciso III do Código Penal. ²

Se um indivíduo praticar crime enquanto menor, ele terá sua ficha criminal apagada ao completar 18 anos de idade.

Medidas de segurança: a mais dura é a internação. É de fato uma prisão, apenas com outro nome; um eufemismo. Pode durar até três anos. Mas, quando o sujeito completa 21 anos, ainda que não tenha sido completado esse prazo de três anos, ele tem que ser posto em liberdade independentemente. Exemplo de situação em que isso pode ocorrer: o sujeito comete um crime aos 16 anos e logo em seguida se torna foragido. Ele vem a ser encontrado e preso 4 anos depois, quando com 20 anos. Ele é internado, de acordo com o que prevê o ECA, já que seu crime foi cometido enquanto ele ainda era inimputável. Ao completar 21, ele será posto em liberdade, mesmo que tenha passado apenas um ano na internação.

Na prática há um tratamento equivalente à medida de segurança para menores. Só muda o nome.

 

Embriaguez

Os autores, quando tratam desse tema, em geral recorrem à teoria da actio libera in causa = “ação livre na causa”. Está no art. 28 do Código Penal. A emoção e a paixão serão estudadas na próxima aula.

        Emoção e paixão

        Art. 28 - Não excluem a imputabilidade penal:

        I - a emoção ou a paixão;

        Embriaguez

        II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos.

        § 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

        § 2º - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.


O tratamento do Código penal baseia-se na Constituição Federal.

Espécies de embriaguez:

  1. Involuntária, que é a que decorre de caso fortuito ou de força maior. A embriaguez involuntária pode ser completa ou incompleta. Completa é aquela na qual o sujeito perde completamente a capacidade de discernimento, mas ainda assim consegue praticar crimes.
  2. Voluntária, que é querida de alguma forma pelo agente, chamada também de embriaguez dolosa. Não necessariamente se trata de bebidas alcoólicas. A embriaguez, para o Direito, é a perda total ou parcial da capacidade de autodeterminação em razão do uso de droga, lícita ou ilícita, conforme escrito na parte destacada do quadro acima, que contém um trecho no qual se deve usar a interpretação analógica. Também há a culposa, que é a que normalmente ocorre. O sujeito não quer se embriagar mas se altera mesmo assim. Decorre de imprudência.
  3. Preordenada, uma espécie de embriaguez dolosa, em que o sujeito se embriaga para tomar coragem de cometer um crime, ou para alegar, posteriormente, que não se lembra do que fez.
  4. Patológica, equiparada à doença mental. Veremos mais adiante a doença mental.

Qual dessas espécies de embriaguez tomaremos como a excludente de culpabilidade? De acordo com o Código Penal, a única embriaguez que caracteriza uma excludente de culpabilidade é a embriaguez involuntária completa. Ou seja, o sujeito se embriagou sem saber que estava se embriagando, na ocasião de caso fortuito ou de força maior. Em todos os demais casos não há excludente de culpabilidade por conta da embriaguez. Se se tratar de embriaguez involuntária incompleta, o fato é punível, com pena atenuada de 1/3 a 2/3. Se a embriaguez for voluntária, o fato é punível. Se a embriaguez for dolosa preordenada, a pena é aumentada em razão disso. É uma circunstância agravante de pena. Há controvérsias ³ sobre a conformidade desse agravamento  com o ordenamento jurídico.

Vamos complicar um pouco. Podemos dizer então que sempre que o sujeito estiver embriagado dolosamente, haverá crime doloso? Não. Ele pode estar dolosamente embriagado mas praticar um crime culposo. Não confundam o estado de embriaguez com a natureza do crime cometido. Ao mesmo tempo, alguém pode estar embriagado culposamente e praticar crime doloso.

Se somente a embriaguez involuntária completa exclui a culpabilidade, será que em qualquer outro caso haverá fato punível? Não, a pessoa pode praticar uma ação dolosa e ainda assim alegar outras excludentes, como excludentes de tipicidade, excludentes de ilicitude e mesmo outras excludentes de culpabilidade. Olhe esta situação: Zecão volta para casa às 3:30 da manhã, claramente alcoolizado, e encontra sua namorada Pipa traindo-o com seu amante Rolo, que está sóbrio. Rolo conhece o gênio violento de Zecão, por isso já saca sua arma para dele se defender. Zecão, mais habilidoso do que Rolo, saca sua própria pistola antes e atira contra Rolo, matando-o. Zecão, que estava alcoolizado, ainda assim praticou um fato típico porém não ilícito: homicídio amparado por legítima defesa.

"Se lúcido se pode alegar uma excludente de culpabilidade, bêbado mais ainda." 

Houve, aqui em Brasília, um indivíduo que compareceu à casa noturna Apples Night Club, e lá contratou uma garota de programa. Enquanto dirigia, levando-a de lá para outro local, ela começou a executar o serviço ainda enquanto o carro estava em movimento, que depois veio a colidir e capotar. Ele ficou ferido, ela morreu. Para se defender da acusação de homicídio culposo por negligência, imperícia ou imprudência na direção, o sujeito alegou auto-colocação de risco dela. A tese não foi aceita.
 

Erro de proibição

De acordo com a doutrina, o erro de proibição exclui a culpabilidade, pois, conforme a teoria finalista, que foi a adotada pelo Código Penal nesta parte, o dolo é natural, que não compreende a ilicitude, como era antigamente. O dolo que compreendia a ilicitude, também chamado de dolo normativo, pertencente à teoria do causalismo, era o dolus malus.

Por isso o erro de proibição não exclui a tipicidade nem a ilicitude, diz a doutrina majoritária.

Se o erro de proibição for inevitável, a culpabilidade é excluída. Se evitável, nada se exclui, mas a pena é atenuada em 1/6 a 1/3, como diz o art. 21 do Código Penal. O professor nunca viu este último caso ocorrer na prática.

Erro sobre a ilicitude do fato

        Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.

        Parágrafo único - Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.


Ocorre erro de proibição quando o agente toma como legal uma atitude contrária ao Direito. Exemplo: se apropriar de dinheiro achado, tirar xérox de obras protegidas por direitos autoriais, etc.

Observação: exigir vantagem para devolver bem achado não é crime.
 

Alienação mental

O sujeito é considerado inimputável se, sendo maior de 18 anos, ele for portador de um dos seguintes males:

  1. Doença mental
  2. Perturbação da saúde mental
  3. Desenvolvimento mental incompleto ou retardado.

A Alienação mental é um conceito bastante controvertido, inclusive há autores que propõem alterar essa denominação para “transtorno mental”.

Doença mental é qualquer transtorno mental capaz de tirar do sujeito a capacidade de discernimento. É qualquer distúrbio da mente que remove a capacidade de autodeterminação.

Thomas Szasz afirma que doença mental é uma metáfora; as doenças na verdade são físicas, dessa forma, qualquer doença pode ser considerada mental. Pode se tratar de doença mental congênita, ou decorrente do uso de drogas, ou de algum trauma. Depressão pós-parto, solidão, estresse, etc.

Podemos achar no Google a classificação da OMS, que está meio desatualizada. Encontramos inclusive o homossexualismo e o transsexualismo classificados como doença . O transtorno obsessivo-compulsivo está em voga agora.

A doença mental não implica, necessariamente, a inimputabilidade. O grau da doença mental pode não ser tão elevado a ponto de remover a capacidade de discernimento.

Observação: não basta que o sujeito seja louco. Ele também tem que ter a capacidade de discernimento reduzida.

A doença mental é diagnosticada por um perito designado pelo juiz.

Pode haver inimputabilidade total ou semi-imputabilidade. Não é possível adotar as duas coisas, pois o código adotou a posição vicariante. Antigamente adotava-se o “duplo binário”:

Sistema vicariante é o de substituição. É um sistema em que haverá pena ou medida de segurança, um substituindo o outro. No CP de 1940 adotávamos o sistema do duplo-binário, pelo qual havia pena e medida de segurança, a serem impostas ao semi-imputável, com a reforma de 1.974 passamos a adotar o sistema vicariante, isso para a acompanhar a Alemanha.

O finalismo e o sistema vicariante foram adotados na Lei nº 7.209, de 11.7.1984. Quanto ao finalismo, o CP não é puro e o adotou tardiamente, visto que o finalismo ensejou grandes debates na Europa na década de 1.950 e foi abandonado em seu berço (Alemanha), na década de 1.970. Também, em relação ao sistema vicariante, o Brasil pecou ao tentar acompanhar a Alemanha, visto que ela abandonou o sistema do duplo-binário, mas quando adotamos o sistema vicariante, aquele país já tinha retornado ao sistema do duplo-binário.

Por Sidio Rosa de Mesquita Júnior , em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9654

Perturbação da saúde mental é uma variável da doença mental. As duas coisas não se confundem.

Alguém pode estar temporariamente perturbado em razão de uma situação que tenha se envolvido. Pode decorrer das mais variadas fontes. Aí entra, por exemplo, o transtorno bipolar.

Desenvolvimento mental incompleto ou retardado: ocorre em relação a pessoas que são portadoras de algum transtorno ou perturbação da saúde mental. Portador de síndrome de Down, por exemplo. Havia uma classificação antiga com as categorias de idiota, imbecil e retardado. Observe a palavra "portadora" destacada. "Portar" entende-se por "carregar permanentemente", quando falamos em termos genéticos, como é o caso da síndrome de Down; esta é a diferença entre esta e a classificação anterior, em que "ser portador de alguma perturbação da saúde mental" é algo passageiro, por exemplo decorrente de algum trauma.  

Alguns detalhes sobre as alienações mentais:


1- Este é o Batoré: http://veja.abril.com.br/131200/p_180.html
2- Não conheço detalhes do caso nem da data do julgamento, portanto pode ser que a prescrição aplicada seja a regulada pelo art. 110.
3- Eis: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10602
4- Esta frase do dia foi acompanhada, pelo professor, de uma menção ao princípio da pessoalidade da pena que não me recordo como se encaixou no contexto.
5- Não encontrei a tal lista.
6- A parte que o professor falou foi apenas "Desenvolvimento mental incompleto ou retardado: ocorre em relação a pessoas que são
portadoras de algum transtorno ou perturbação da saúde mental." O destaque foi meu, e a interpretação também, pois senão ficaria algo idêntico à classificação anterior, a "perturbação da saúde mental". Não levem muito a sério o meu entendimento sobre as duas acepções da palavra "portador".