Direito Penal

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

A lei penal no espaço

Tópicos:

  1. Introdução
  2. Princípio da territorialidade
  3. Conceito jurídico de território
  4. Aeronaves e embarcações
  5. Outros princípios que regem a lei penal no espaço
  6. Princípio da extraterritorialidade
  7. Eficácia da sentença penal estrangeira
  8. Lugar do crime
  9. Parte faltante da aula passada: legislação especial

 

Introdução 

A questão aqui é saber o âmbito de validade ou eficácia da lei penal, ou seja, estudar a lei penal no espaço. Crime praticado por brasileiro no exterior, ou por embaixador estrangeiro aqui no Brasil, limites da justiça brasileira, definição jurídica do território. O princípio fundamental aqui é o da territorialidade.
 

Princípio da territorialidade 

É o continuum da soberania. Em razão do princípio da soberania, as leis vigoram exclusivamente no espaço geográfico que pertence ao Brasil. O princípio da territorialidade determina que o processamento e julgamento dos crimes cometidos dentro de nosso território são compete ao Brasil. O princípio vem para evitar que leis de fora valham aqui.

Nenhum país adota o princípio da territorialidade de forma absoluta. Apesar dele, como se trata de uma extensão do princípio da soberania, o Brasil faz algumas concessões para o Estado estrangeiro. Isso foi feito por convenções, acordos e tratados internacionais. O princípio da territorialidade é a regra, enquanto o princípio da extraterritorialidade é a exceção. Significa que o Brasil não será soberano para julgar um crime cometido aqui se houver um acordo com outro Estado. Isso é o princípio da reciprocidade. Um diplomata francês que venha a cometer um crime aqui no Brasil não está, em princípio, sujeito às leis brasileiras, assim como um diplomata brasileiro que vier a cometer um crime no país onde trabalha não estará, em princípio, sujeito às leis daquele país. Isso também depende dos limites do acordo internacional firmado. Exemplo de termo a ser observado: a não-sujeição do diplomata às leis do país em que estiver trabalhando só valerá para quando ele estiver em serviço?

Cláusulas como essa valem para diplomatas, ministros de Estado a serviço do Estado estrangeiro, Presidente da República, e outros cargos seletos. Em geral os acordos dispõem apenas sobre crimes praticados no exercício do cargo.

 
Conceito jurídico de território 

Não coincide necessariamente com o conceito geográfico. Território jurídico é todo o espaço fluvial, marítimo, lacustre, aéreo e terrestre em que o país exerce sua soberania. Isso inclui as embaixadas brasileiras no exterior. ¹

 

Aeronaves e embarcações

Como pudemos ver, o conceito jurídico de território é mais amplo do que o conceito geográfico, que inclusive é estático.
 

Outros princípios que regem a lei penal no espaço

Há os princípios complementares, os residuais e os subsidiários. São eles: o da nacionalidade, o da proteção ou defesa, o da justiça universal ou cosmopolita e o da bandeira ou representação.

  1. Princípio da nacionalidade: considera que a justiça brasileira é competente para julgar uma ação penal, um crime praticado por brasileiro em território estrangeiro. Esse é o caso da nacionalidade ativa. O princípio também considera que o Estado brasileiro é competente para julgar crime cometido contra brasileiro em território estrangeiro (nacionalidade passiva). Nesse caso, prevalecerá o princípio da extraterritorialidade, que diz que vale a lei brasileira para crimes cometidos fora do seu território, ou seja, o Estado Brasileiro passa a ter competência fora de seu território.
  2. Princípio da proteção ou da defesa: o Brasil se considera competente para julgar uma ação penal quando houver ofensa a um interesse nacional. Bens, serviços ou interesses da União, do Estado brasileiro. Exemplo: um crime praticado contra a embaixada brasileira na Venezuela, ou um atentado ao prédio da Caixa Econômica Federal em Buenos Aires, já que a Caixa é uma empresa do governo brasileiro. Observação: o princípio da proteção não se aplica a agências do Banco do Brasil no exterior, pois se trata de uma sociedade de economia mista, mesmo que o governo tenha mais de 50% das ações.
  3. Princípio da justiça universal ou cosmopolita: é o que mais está nos debates atuais. Qualquer Estado se considera competente para julgar todo e qualquer crime, independente do autor e do local. O propósito deste princípio é universalizar a idéia de crime e punição. O crime é um fenômeno universal que deve ser combatido por todos os países sem limitação, inclusive de soberania. ² Em especial, os crimes contra a humanidade e os crimes de guerra. É por causa deles que foi criado o Tribunal Penal Internacional, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, e outros tribunais internacionais. Hoje eles estão empenhados em levar a julgamento os militares brasileiros da ditadura, pelos supostos crimes de tortura. Esse esforço se deve ao fato de que no Brasil o prazo máximo de prescrição é de 20 anos, enquanto que para o TPI não há prazo determinado para o crime de tortura; aqui há garantias constitucionais, como o do limite de prazo de prescrição de crimes, e a proibição da prisão perpétua. Por isso que há uma discussão em andamento aqui no Brasil sobre a revisão da Lei de Anistia (Lei 6683/1979). Além disso, as normas do Tribunal Penal Internacional permitem a entrega de nacionais, enquanto a Constituição Brasileira a proíbe. A autores que dizem haver diferença entre entrega e extradição, o que é, na opinião do professor, incorreto; a diferença é apenas de rótulo.
  4. Princípio da bandeira ou da representação: é subsidiário em relação a todos os demais princípios vistos acima. Nas embarcações e aeronaves, o país competente é determinado pela bandeira hasteada no veículo. É um princípio auxiliar. Há aquela pergunta tradicionalíssima em concursos ³: era uma vez um navio com bandeira japonesa, tripulação mista de coreanos, malaios e indonésios, passageiros filipinos, navegando por águas chinesas. Ao chegar ao porto de Xangai, um tripulante planta uma bomba no navio, que vem a explodir quando este atinge águas internacionais. O passageiro atingido pelos estilhaços foi rapidamente levado para Austrália, país mais próximo naquele momento, mas morreu no hospital. Qual país terá a competência para julgar a ação penal desse fato? A resposta é: o país da bandeira, Japão, já que, numa confusão dessas, usa-se o princípio subsidiário.

 

Princípio da extraterritorialidade: a lei brasileira é aplicável a crimes praticados fora do território brasileiro. Situações há em que o Brasil se considera competente para julgar crimes cometidos fora do território nacional. Não se trata de embarcação nem aeronave, mas crimes cometidos em terra mesmo. Há dois tipos de extraterritorialidade:

A extraterritorialidade está disposta no art. 7º do Código Penal.


Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:

I - os crimes:
a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República;
b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público;
c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço;
d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil;

II - os crimes: 
a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;
b) praticados por brasileiro;
c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados.

§ 1º - Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro.

§ 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições:
a) entrar o agente no território nacional;
b) ser o fato punível também no país em que foi praticado;
c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição;
d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;
e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.

§ 3º - A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior:
a) não foi pedida ou foi negada a extradição;
b) houve requisição do Ministro da Justiça.
 

Eficácia da sentença penal estrangeira

Em razão do princípio da soberania, as sentenças penais estrangeiras não têm eficácia no Brasil. Se um determinado surfista foi condenado na Indonésia à pena de morte por tráfico de drogas, essa sentença não poderá ser cumprida no Brasil.

Exceções: pode ser cumprida aqui desde que haja uma homologação do tribunal competente: atualmente é o Superior Tribunal de Justiça. A homologação serve: a) para que o sujeito cumpra medida de segurança; ou b) para efeito de reparação de danos. O efeito civil da sentença pode ser cumprido aqui no Brasil, desde que haja a prévia homologação pelo STJ.

Observação: nem tudo depende de homologação. Nalguns casos a sentença estrangeira produz efeitos imediatos aqui no Brasil. É o caso da reincidência: o sujeito que pratica um crime no exterior é considerado reincidente ao retornar ao Brasil. Se ele voltar a praticar crimes, desta vez aqui no território nacional, sua situação estará agravada. 4

Pena cumprida no exterior: é possível ocorrer de alguém ser condenado simultaneamente pelo mesmo fato. Por exemplo: um sujeito é condenado em Portugal a 10 anos de reclusão por tráfico internacional, e a 12 anos aqui no Brasil por esse mesmo crime. Se ele cumprir os 10 anos em Portugal, então ele deverá cumprir apenas mais 2 no Brasil. Se tivesse de cumprir a pena integral de 12 anos aqui no Brasil depois te ter passado 10 na cadeia portuguesa, havieria violação do princípio ne bis in idem. A pena cumprida no exterior atenua a pena cumprida aqui.
 

Lugar do crime

Imagine novamente a situação da embarcação japonesa anterior, dessa vez removidos os complicadores de nacionalidade. Ou melhor, suponha se tratar de uma embarcação com a bandeira brasileira, com tripulação brasileira, passageiros brasileiros, navegando pela faixa litorânea brasileira. Quando a embarcação se aproxima da divisa entre águas brasileiras e águas uruguaias, um sujeito esfaqueia outro a bordo. No meio da hemorragia, o barco entra em território uruguaio, lá atraca, e a vítima é levada para o hospital. Qual é o lugar do crime?

Há três teorias para resolver essa situação:

  1. Teoria da ação: importa onde a facada foi desferida, neste caso, no Brasil.
  2. Teoria do resultado: importa onde ocorreu o resultado: a morte da vítima, que, no caso, foi no Uruguai.
  3. Teoria mista ou da ubiqüidade: não importa se o crime começou no Brasil e a vitima morreu no Uruguai; o lugar do crime será os dois países. É a teoria adotada pelo Código Penal. Muito cuidado para não fazer confusão com o uso dessas teorias para a lei penal no tempo¸ vista na aula passada. São as mesmas três teorias, mas lá, a prevalência é da teoria da ação, enquanto aqui, na lei penal no espaço, é a teoria da ubiqüidade.

 

Parte faltante da aula passada: legislação especial

A legislação especial é aquela que se encontra geralmente nas mesmas publicações do Código Penal e usa muitas páginas. O Código Penal propriamente dito é relativamente pequeno, mas a legislação especial, que acompanha o Código e traz matérias que ele não regula especificamente, é bem extensa. Lá estão dispostas as matérias sobre violência doméstica, crimes contra a ordem tributária, crime de tortura, crimes contra o sistema financeiro, drogas,  sonegação, terrorismo, crimes hediondos e muitas outras.

O Código Penal é a lei fundamental, então ele é aplicado a toda a legislação especial desde que esta não disponha sobre determinada matéria de forma diversa. Por exemplo: a lei que trata da sonegação tributária não fala sobre o estado de necessidade, a pena, outras circunstâncias. O que fazer? Aplica-se, então, o que diz o Código Penal na parte geral. As questões de dolo, culpa, estado de necessidade, legítima defesa, etc. estão no Código Penal, não na legislação especial. Se, entretanto, esta dispuser de maneira diversa, a lei especial terá preferência. Art. 12 do Código Penal:

Art. 12 - As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso.

  1. Vejam também as notas de Direito Internacional Público, para esclarecimento da natureza jurídica das embaixadas.
  2. Ao contrário do que fez o líder equatoriano Rafael Correa, que veio ao Brasil buscar apoio de Lula depois que teve seu território invadido por tropas colombianas para capturar guerrilheiros das FARC, pondo a soberania na frente do combate a terroristas.
  3. E inoportuna também, já que uma situação dessa dificilmente ocorrerá em um milênio.
  4. Esta observação ficou um pouco fraca. Pesquisem para complementar.