Direito Civil

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Vícios de consentimento: dolo e coação



Tópicos:

  1. Revisão
  2. O dolo
  3. Coação


Aulas acabando! Só faltam três. Lembrem que nossa prova está marcada para o dia 9 de junho, com revisão para o dia 4. Mais uma para vícios negociais, outra para prescrição e decadência e depois teremos reparação do dano e responsabilidade civil.

As questões sobre invalidades negociais despencam em nossas provas. Esta é a matéria de maior importância de todas; 60-70% será sobre isso, com questões práticas, eventualmente teóricas. Não se esqueçam de trazer o Código. Se você conhece alguém que anda faltando essas aulas, pegue esta matéria e passe para seu colega, ou ele provavelmente reprovará.

 

Revisão

Falamos na aula passada do erro ou ignorância, que são vícios de consentimento. O que são vícios de consentimento? São os que atuam sobre a vontade dos agentes, a vontade negocial. Atenção: questão de prova. Erro não é a mesma coisa que ignorância. Ambos são estados de espírito, mas a ignorância é o desconhecimento, enquanto o erro é uma compreensão equivocada, errônea da realidade. Ambos têm o mesmo tratamento apesar de não serem a mesma coisa. Previsão legal: arts. 138 a 144 do Código Civil. Geram invalidade relativa. Consequentemente, anulabilidade. Características do erro: precisa ser escusável, compreensível. Não adianta querer anular um negócio como o do carro amarelo, visto na aula de 19/5. Entretanto, se se tratar de uma compra de uma caneta de latão, quando o comprador imaginava ser de ouro, aí sim, este caso precisará de uma análise, já que o puro bom-senso não será suficiente. As circunstâncias têm que ser vistas, entretanto. Se o comprador da caneta é joalheiro, e trabalha no ramo há 20 anos, então não, pois é claro que ele deve ser capaz de diferenciar ouro de latão. Por isso, o erro deve ser escusável. Outra característica é que o erro ou ignorância têm que ser essenciais, ou seja, devem ser o motivo determinante para aquele negócio. Se não for, temos somente o erro ou ignorância acidental. Como saber? Perguntem-se: a pessoa faria o negócio se tivesse conhecimento da realidade? Se a resposta for “sim, apesar de que faria de outro modo ou sob outras condições” o erro não é substancial. Neste caso o erro seria acidental.

O art. 139 nos traz o que deve ser observado para se verificar se o erro é essencial ou não: natureza do negócio, objetivo ou suas características. Como o contrato de empréstimo, em que o tomador pensava estar aquela quantia sendo doada; a própria caneta de latão, quando se imaginava ser de ouro; ou ainda aquele velho cavalo de corrida que foi comprado no lugar do de caça. O erro também pode ser essencial quando disser respeito à pessoa: casos de casamento em que se revela que um dos cônjuges é adepto de uma parafilia, por exemplo. O erro parte do próprio agente. Ninguém tem “culpa no cartório”. No caso do casamento, se trata de erro sobre a pessoa. Podemos também ter uma pessoa que foi indicada como beneficiária de um testamento, mas na verdade o morto queria contemplar outra pessoa.

Também falamos de outra candidata a questão de prova, que é o Inciso III do art. 139, com a previsão do erro de direito. É aquele que permitirá a anulabilidade de um agente de boa-fé que entra num negócio jurídico sem saber que estava praticando uma atividade ilícita. Como a importação de medicamentos proibidos recentemente pela ANVISA, com habitualidade. A questão do erro ainda está presente no art. 140 pelo falso motivo, art. 141 pelas transmissões equivocadas (ruídos na comunicação), enfim, demonstrada a compreensão equivocada da realidade, o negócio pode ser anulado. Art. 142 e 144 falam da conservação dos negócios jurídicos e o art. 143 fala sobre o erro de cálculo, que, a rigor, não admite a anulabilidade do negócio.

 

O dolo

Hoje vamos falar então do vício de dolo e vício da coação. Ambos são vícios de consentimento, conseqüentemente estarão atuando sobre a vontade das partes. Também ambos estão no campo da invalidade relativa, então sujeitarão o negócio à anulabilidade. Atenção para a coação, em que apenas no art. 171 do Código Civil está dito que ela valerá como evento que enseja a anulabilidade.

O dolo é uma circunstância que já temos pequeno conhecimento: assemelha-se à interpretação que temos do Direito Penal, em que desejamos o resultado. Então, quando nos propomos a causar uma lesão, significa que, naquela investida, quisemos fazer aquilo. Furtar, roubar, lesar, eventualmente até matar. Presente isso, então também está presente a figura do dolo. No Direito Civil, o que quer dizer o dolo? A presença da má-fé. Se bem nos lembramos do vício que vimos há pouco, vimos que não há má-fé neles, seja no erro ou no estado de ignorância. Se é o agente que se engana, mas não é enganado por outros, então não há má-fé. Aqui a coisa será diferente. Existe a má-fé, também chamado de “erro provocado” ou “erro induzido”. Então, existirão dois agentes, em que um deles estará atuando de forma a ludibriar o outro. Questão de prova (e de OAB também): “é preciso que haja dano e/ou prejuízo para que o dolo seja motivo de anulação?” A resposta é não. Não se exige prejuízo. O que se exige? Tão e somente que o agente tenha sido enganado; basta ele ter fechado o negócio porque foi enganado. Este dolo, então, age no sentido do fechamento do contrato. O agente que age de má-fé se vale de ardis, normalmente mentiras, falseamento de informações, às vezes omissões, tudo isso para que o outro caia nessa armadilha de fechar o negócio. Negócio jurídico baseia-se na vontade. Se ela se desvirtuou, então já era a idoneidade do negócio.

O dolo, então, é um vício negocial porque busca a proteção de uma vontade corretamente declarada. Questão de prova, subjetiva: qual a diferença que encontraremos entre dolo e fraude? Uma coisa é dolo e outra é fraude. Qual é a diferença? Em nossas cabeças, pelo senso comum, pelo parco conhecimento que temos, qual é a palavra mais grave? Fraude. Portanto, fraude é mais grave. Mas por quê? Porque fraude é uma atividade que será dirigida erga omnes, ou seja, contra todos. No dolo, há a má-fé voltada para o convencimento de uma vítima. Então, conseguimos ver, no dolo, quem estamos enganando; sabe-se quem se quer enganar. Na fraude, isso não acontece. O sujeito contrata pessoas para fingirem que são suas funcionárias, e monta uma banca dizendo: “tese milagrosa”, mas nem advogado o sujeito é. Assim, ele consegue cooptar, ludibriar uma grande quantidade de pessoas que estavam por acaso passando na frente daquele escritório. Vejam que, numa situação como essa, não se quer prejudicar ninguém especificamente. O lema é “caiu na rede, é peixe.” Então, basicamente, saibam as distinções entre dolo e fraude. A fraude também tem o nome de simulação: é um vício negocial social; é o único que gerará nulidade, ou seja, invalidade absoluta. Fraude contra credores é questão de anulabilidade, com prazo inclusive. Por quê? Porque é direcionado, logo, tem vítimas pré-conhecidas, daí envolve somente particulares, e não é questão de ordem pública. Por isso, anulabilidade, e não nulidade.

O que diz o Código Civil diz a respeito do dolo? Art. 145:

Seção II
Do Dolo

        Art. 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa.

Então, mais uma vez, vemos no art. 145 a norma de que é anulável o negócio jurídico desde que o dolo seja sua causa. Isso nos dá a idéia de “essencialidade”: é a razão de ser do negócio, portanto, é anulável.

Art. 146:

        Art. 146. O dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando, a seu despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo.

Fala sobre o dolo acidental. Já falamos isso quando falamos sobre erro e ignorância, e o mesmo raciocínio vale quando falamos em dolo. O erro será substancial (essencial) quando o agente enganado não faria o negócio se soubesse da realidade. No caso do dolo, a pessoa, se soubesse da enganação, faria o negócio ainda assim, embora, como diz o artigo, “por outro modo”. Se sim, então o dolo é acidental, e o negócio não é anulável; apenas ensejará perdas e danos.

 

Art. 147:

        Art. 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado.

Bilaterais: “de mão dupla”, sinalagmáticos. Quero comprar um apartamento no 9º andar de um prédio, que fica exatamente sob a cobertura particular do morador do 10º, onde tem uma piscina. O dono do apartamento do 9º andar, que pretende me vender o imóvel, sabe que existe um vazamento e sabe que é uma questão de tempo até a sala de estar ser infiltrada pela água da piscina que fica bem acima dela. Se ele não fala sobre isso, me vende o apartamento, passa pouco tempo e a goteira começa, poderei provar a má-fé no sentido de que houve omissão dolosa do sujeito que me vendera o apartamento. Ele poderia me alertar sobre o problema mas, por conveniência, resolveu se calar. Então, devemos olhar a parte final do artigo. Se essa infiltração fosse um motivo pelo qual eu não celebraria o negócio, então estaremos diante de um caso de anulabilidade; entretanto, se ainda assim eu quisesse adquirir o imóvel apesar de insatisfeito por esse problema, então não, pois só será um caso acidental, que só ensejará, como diz o artigo anterior, perdas e danos. A prova, na prática, é difícil de ser feita. Inclusive já devemos ficar atentos para não cair na necessidade de dizer “é minha palavra contra a dele”.

Além da omissão dolosa, temos o art. 148, que dispõe sobre o dolo de terceiros:

        Art. 148. Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou.

Questão de prova: problema envolvendo dolo de terceiros. Imaginemos que A, B e C se interagem. B e C estão negociando, enquanto A se mantém informado sobre cada ato dessa negociação. C, no caso, é a vítima, o ingênuo, o enganado. B negocia com ele. Na situação do dolo, temos duas possibilidades. Primeira: B sabe do dolo de terceiro: ou seja, A, o terceiro, estará afetando de alguma forma com C de maneira a fazer com que ele celebre o negócio com B, é dizer, B sabe do dolo de A e ainda assim prossegue com as negociações sem alterar seu comportamento para com C, ou seja, B está de má-fé. Essa é a primeira possibilidade: o agente que se beneficia (B) tem conhecimento da má-fé. É anulável o negócio? Sim. Quem engana C não necessariamente é B.

Exemplo: um vendedor oferece um apartamento para Carol, que é indecisa. Seu namorado diz que quer que ela faça esse negócio, o pai diz que não quer, e ela não se decide. E o vendedor, obviamente, quer vender mesmo. Outro, sabendo da hesitação de Carol, chega para ela e diz, no meio da conversa, que está interessado em comprar aquele apartamento. Então ela corre para que o sujeito não compre na frente dela, e até oferece mais um pouco para garantir. Na verdade, o sujeito não queria comprar apartamento nenhum, e o dono, que está ansioso para vendê-lo, sabia desde antes o que o mentiroso estava para fazer. Quem saiu ganhando nessa história? O vendedor do apartamento. Se ela sabe que comprou porque estava motivada pela pressa mas tudo aquilo estava falseado, houve má-fé do vendedor e é justo que se peça anulação. Releia o art. 148.

Segunda possibilidade: A está de má-fé, mas o agente não sabe disso. Seria como B dizer: “até que enfim a Carol resolveu comprar!” A age, portanto, de má-fé, mas quem se dá bem é B. Então leia a segunda parte do artigo. Havendo boa-fé de B, leia-se “B não sabia da intenção de A”, pelo princípio da conservação dos negócios jurídicos, A terá que responder por perdas e danos contra C, mas sem anulação do negócio jurídico celebrado entre B e C.

Art. 149, que tem um raciocínio parecido. Envolve responsabilidade negocial.

        Art. 149. O dolo do representante legal de uma das partes só obriga o representado a responder civilmente até a importância do proveito que teve; se, porém, o dolo for do representante convencional, o representado responderá solidariamente com ele por perdas e danos.

O que é “solidariamente”? Temos dois tipos de responsabilidade. A solidária e a subsidiária. A fiança, por exemplo, é um instituto que prevê a responsabilidade solidária. Nela, a pessoa é tão boa que pagará o “pato” sozinha. Então, se sou fiador de Lucas, e ele deve R$ 10.000,00 a alguém, se essa dívida for executada, sou o responsável solidário e posso ser processado exclusivamente; o credor pode me acionar diretamente na justiça, e deixar Lucas, o real devedor, de lado. Diferente da subsidiária, em que, caso o primeiro não tenha como pagar, a “conta” cairá para o responsável subsidiário.

No caso do dolo, o representado irá responder solidariamente.

Art. 150: 

        Art. 150. Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização.

Trata do dolo recíproco. Este termo pode ser usado em prova. É a circunstância em que temos dois agentes, ambos de má-fé, com um querendo enganar o outro. Numa situação dessas, é possível que um consiga enganar o outro mais do que foi enganado. Aí perguntamos: “o que também estava em estado de dolo pode ajuizar ação de perdas e danos ou então buscar a anulabilidade do negócio?” Ao longo do processo, descobre-se que o autor também estava em dolo. É o caso de dolo recíproco. Neste caso, o Direito não protege a anulação. Como castigo, o negócio é mantido, mesmo em prejuízo de um dos sujeitos.

Terminamos o dolo.

 

Coação

O que é uma coação? Constranger alguém, mediante força, violência, grave ameaça ou chantagem. Atuar sobre a vontade de alguém. Para estudarmos a coação como vício negocial, vamos logo notar que há duas:

A coação de vis absoluta, que é a irresistível, que não gera invalidade, porque o negócio não chega a existir. Então, ao falar em coação absoluta, nem se preocupem em vício negocial, pois a coação absoluta faz com que a vontade não esteja presente, e não é, portanto, considerado vício negocial. Por via de regra a coação é física. A coação que nos interessará é a coação relativa, que é a resistível, ou seja, tem-se a opção de agir de maneira diversa. Como chantagem, ou coação psíquica. Exemplo: um homossexual enrustido, que ainda não está pronto para se revelar. Se alguém sabe da verdade e o chantageia, tem ele opção? Tem. É a coação que estaremos falando em caso de vício negocial. Chantagem, extorsão... Então, falou-se em coação, estaremos diante de uma situação de anulabilidade. É invalidade relativa. Vejamos a previsão da coação no Código Civil:

Art. 151:

Seção III
Da Coação

        Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens.

        Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à família do paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação.

Incutir: proporcionar, causar. Vejam, então, que a coação não precisa ser pessoal. Outra questão de prova. A coação é pessoal sempre? Falso. Ela é necessariamente pessoal? Falso. Pode-se estar ameaçando a família, o patrimônio, um amigo íntimo, ou outra coisa de valor. Fica a critério do juiz estabelecer se houve coação mesmo ou não. Ele deverá olhar as características pontuais. Já houve um caso em que um sujeito tinha conhecimento de que a única companhia de uma velhinha no Rio de Janeiro era seu cachorro, que vivia com ela havia muito tempo. Para forçá-la a fazer algo, ele ameaçou atingir seu cachorro. Ela acabou cedendo, mas depois teve sucesso em conseguir a anulabilidade do referido negócio.

Art. 152:

        Art. 152. No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela.

Não precisa ser chantagem de um estranho. Uma pessoa religiosa pode ser coagida por seu guru, que é a autoridade que mais respeita. Como uma menina que foi convencida a abandonar seu videogame em meados da década de 90 quando foi exibida na tela a mensagem “demo mode” ¹. A pessoa pode sim ser coagida em relação de suas crenças. Estudantes em relação a professor também. Mas não confundam essas circunstâncias de coação com as seguintes:

Art. 153:

        Art. 153. Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial.

Exercício normal de um direito: Zeca está devendo dinheiro à administradora de cartão de crédito. Ela diz que incluirá seu nome no Serasa ou qualquer outro cadastro de inadimplentes. Isso é coação? Não, porque é um exercício normal do Direito. O mesmo para o pai que ameaça o filho. Agora veja bem: é excessivo dizer a um devedor que tenha baixa escolaridade e instrução a frase: “se você não me pagar amanhã, vou mandar te prender!”, já que é inexistente em nosso ordenamento a prisão por dívida, e isso constitui ameaça injusta. É, portanto, anulável um negócio celebrado com um medo desse tipo: “vamos combinar isto aqui, senão, vou mandar te prender por causa daquele dinheiro que você me deve.”

Já o temor reverencial é o que está dito na segunda parte do artigo. É o respeito por pai e mãe, por exemplo. “Fiz isso porque senão eu iria magoar minha mãe!” Não é caso para anulação. Note que a extrapolação pode ensejar a anulabilidade. A coação é avaliada subjetivamente, caso a caso.

Artigos. 154 e 155: coação de terceiros.

        Art. 154. Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por perdas e danos.

Art. 154: é caso para anulação do negócio jurídico. Exemplo: Afrânio fica sabendo que Afrínia está para comprar um novo terreno, mas está indecisa entre dois, devido à localização. Ela se dirigie a Afrônio, o dono dos dois terrenos, que está com intenção de vendê-los, e sinaliza-lhe que deseja comprar um deles, apesar de ainda não ter dado a palavra final. Diz ela: “gostei deste que fica perto da praia, mas preferi o do campo pela tranqüilidade.” O da praia é mais caro. Afrânio, o terceiro, se dirige a Afrínia e diz: “sei que você precisa de um novo terreno para sua casa que você quer construir aqui nesta cidade. Só que você não vai adquirir aquele ali no campo, porque fica perto da minha casa, e você vai acabar arruinando a minha tranqüilidade.” Em seguida, Afrânio ameaça divulgar o segredo de que Afrínia é infiel no casamento. Está configurada a coação. Assim, Afrínia recua e fecha o negócio com Afrônio, efetuando a compra do terreno junto à praia, mas não é o que ela queria na verdade. O que ela não sabe é que Afrânio e Afrônio são amigos e o primeiro contou ao segundo o que havia feito, para que este ganhasse mais dinheiro e, feliz, este daria àquele um “agrado”. Agora pergunta-se: pela leitura do artigo, pode Afrínia pedir a anulabilidade dessa compra? A resposta é sim, pois houve vício de coação no negócio, em que o que veio a se beneficiar sabia da coação sofrida pela coacta. Aqui, há má-fé dos dois.

Art. 155: 

        Art. 155. Subsistirá o negócio jurídico, se a coação decorrer de terceiro, sem que a parte a que aproveite dela tivesse ou devesse ter conhecimento; mas o autor da coação responderá por todas as perdas e danos que houver causado ao coacto.

Não é caso de anulação. Para entender, volte ao exemplo acima e considere que Afrânio e Afrônio, desta vez, nem se conhecem. Significa dizer que Afrânio fica sabendo de alguma forma que Afrínia está para comprar um terreno perto no campo, em local incômodo para ele, e este pratica a coação. Agora, Afônio está de boa-fé, e Afrânio estará sujeito a responder por perdas e danos.

Acostumem-se com as palavras: paciente, coagido, coacto (vítima da coação) versus coator, infligente. Cuidado com o raciocínio que aprendemos em Direito Penal no semestre passado, quando falamos sobre a coação moral irresistível: ali, havia necessariamente pelo menos três pessoas: o coator, o coagido, e a vítima da coação. Exemplo: A, traficante, adverte B, seu devedor, que, se este não matar C, rival de A, A matará o filho de B. Quem é quem nesta história? A é o coator, B é o coagido, e o filho de B é a vítima da coação. C, aqui, figurará como vítima do eventual homicídio, não da coação. 


Questões de prova do dia:

  1. No caso citado, está claro que não houve um negócio jurídico. Mas é esse tipo de temor que pode ensejar a anulabilidade de um trato.