28/05/09 às 19:06 - pequenas revisões. A mais grave está na nota de rodapé.
Hoje vamos ver dois vicios de consentimento: lesão e fraude contra credores, e vicios coletivos, que comprometerão os negócios jurídicos de forma que o Direito acredita que é necessário que eles sejam coibidos até mais severamente
Tópicos:
Com relação à coação, o que precisamos rememorar? É um vício de consentimento, que gerará a anulabilidade do negócio jurídico. Para ser vício negocial, a coação tem que ser relativa, pois a absoluta gera a inexistência do negócio jurídico, e não a anulabilidade. Ela trata do que? De uma pressão psicológica, de uma chantagem, que faz com que o agente feche o negócio declarando uma vontade (externa) diferente de seu animus (vontade interna).
Essa coação pode ser exercida por terceiros. A coação de terceiro deve ser analisada sob duas vertentes: uma em que o beneficiário tem conhecimento da coação, então anula-se o negócio, ou o beneficiário não sabe (age de boa-fé) e somente o coator responde por perdas e danos.
Paciente,
coacto, coagido etc. são sinônimos que poderão ser
empregados.
Hoje, então, vamos falar de dois outros vícios de consentimento. Temos, em quarto lugar, o vício da lesão, e em quinto, o vício do estado de perigo, também chamado de necessidade, como diz o Código Penal.
Muito bem. Quando estivermos falando de lesão, tenham em mente que ela estará voltada para uma questão patrimonial. O que ela implica? No chamado enriquecimento ilícito, advindo da prática da usura. Ela não é bem vista em nosso ordenamento, seja por questões enraizadas advindas da religião ou questões sociais históricas. Em suma, a lesão é um vício negocial que será coibido, mitigado, refreado em nosso ordenamento jurídico em razão de prejudicar alguém. Como? Fazendo com que alguém perca muito. Está no Art. 157 do Código Civil:
Seção V
Da Lesão Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta. § 1o Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico. § 2o Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito. |
A idéia presente é a do combate à usura e ao enriquecimento ilícito. Lesão é, assim, “o prejuízo resultante da desproporção existente entre as prestações de um determinado negócio jurídico em face do abuso da inexperiência, necessidade econômica ou leviandade de um dos declarantes” – definição de Rodolfo Pamplona. Note que o doutrinador incluiu a leviandade como elemento presente naquele que ludibria o outro.
Como identificar um vício negocial? Colocando-nos na posição de vítima. Ao perguntarmos se há dolo num problema, é só se colocar na posição do agente. Pode ser também no lugar do agente de má-fé. A lesão implicará na assunção de prestações manifestamente desproporcionais. Agiota: aquele que empresta dinheiro a juros extorsivos. Vejamos uma situação: alguém quer um empréstimo de R$ 1.000,00. O que dar em garantia? Um carro. Por mais “palha” que seja o automóvel, ele certamente vale mais de mil reais. Estamos diante de uma prestação manifestamente desproporcional. Então, pela definição que vimos, essa prestação se dará por causa de inexperiência, necessidade ou leviandade de um declarante. Agora veja: se for ameaça de vida, não estaremos diante de uma lesão, mas de um estado de perigo. Quais as necessidades aqui, no vício da lesão? As mais comuns. Lembrem-se que aqui a questão é patrimonial.
Imagine agora um casal de jovens em que o namorado, de menor renda que a namorada, deseja agradá-la a todo o momento, ainda que esta não faça questão de tanta pompa nem exija nada. Ainda assim, mesmo que não induzido por ela, ele se sente na obrigação de fazê-lo. Assim, ele contrai empréstimo de um agiota para poder comprar à namorada um anel de brilhantes. O que ele tinha em mente é que o dinheiro conseguido com o agiota era fácil. Como ele agiu com inexperiência, podemos dizer que houve lesão.
Agora, como podemos falar se a pessoa é inexperiente ou experiente? Idade, nível de instrução, tempo conclusão do ensino médio, e inúmeros outros critérios. Um homem de 45 anos certamente tem mais experiência do que um jovem que acaba de concluir o ensino médio numa escola particular. Mas e se ele tem 45 anos e acaba, ele mesmo, de concluir o ensino médio via educação de jovens e adultos (vulgo supletivo)? Agora é bem diferente. O parâmetro, como já sabemos, deve ser o homem médio. Um analfabeto pode ser rico, como um fazendeiro que herdara a terra do pai. Ao mesmo tempo podemos estar diante de um PhD, mas que seja um “pé-rapado”. Então, o critério do dinheiro, em absoluto, não conta. Também podemos estar diante de alguém completamente fora da realidade, como o adepto da “terapia do cartão de crédito.” Tudo isso deve ser levado em consideração. Lesão, portanto, é um vício fácil de acontecer, mas difícil de provar. Vamos, então, voltar ao Art. 157 e prestar atenção aos parágrafos.
§ 1º: imagine que somos possuidores de um condomínio irregular. Ele vale entre R$ 80 e 100 mil. Um cidadão nos chega e oferece R$ 95.000,00 em dinheiro. Sem coação, com contrato de cessão de direitos (já que não se pode ter escritura pública para condomínios irregulares). Só que ocorre um problema: da noite para o dia, o governo resolve regularizar o terreno, o que faz quadruplicar seu valor. Pergunta-se: poderíamos entender isso como lesão? Não; pelo entendimento do § 1º, ao tempo da realização do negócio, o valor não era desproporcional, portanto não houve lesão, apenas puro azar.
E se o comprador tivesse informação de dentro, de forma que ele soubesse que o terreno estaria para ser regularizado em breve? Seria enriquecimento ilícito? Sim. Note as prestações desproporcionais. Também poderia ser caso omissão dolosa, mas se encaixa mais ainda no caso de acumulação de patrimônio. É que, diante das circunstâncias, as características mais presentes são de lesão, portanto classificamos como lesão.
§ 2º: O que está por trás desta norma é o princípio da conservação dos negócios jurídicos. Digamos que vendi um apartamento de R$ 500 mil por R$ 300mil. Depois, eu caio na real e busco a anulação do negócio. O comprador poderá dizer: “não se apoquente, eu me comprometo a fazer o depósito da diferença.” Isso conservará o negócio. O mesmo para a transação de uma fazenda, que tem frutos por colher e o dono não levou isso em consideração ao estipular o preço para a venda. Neste caso, é possível que se acorde sobre a deixar a produção para o ex-dono, como forma de compensação. Assim, o negócio também é preservado.
Pergunta-se: o sujeito é obrigado a aceitar esse acordo? Sim. É o princípio da conservação dos negócios jurídicos. Ele aparece no erro, no dolo e agora na lesão. Pelo artigo, basta que a parte favorecida ofereça a compensação.
Agora, vamos à legislação extravagante, ao Código de Defesa do Consumidor especificamente. Temos três artigos correlatos a este conteúdo:
CAPÍTULO
III
Dos Direitos Básicos do Consumidor Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...] V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; [...] |
SEÇÃO IV
Das Práticas Abusivas Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: [...] V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; |
SEÇÃO II
Das Cláusulas Abusivas Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; |
Houve casos de construtoras que dispunham da seguinte forma em seus contratos de compra e venda: “o atraso ou não-pagamento de três prestações consecutivas, ou cinco alternadas, implicarão desistência da compra sem retorno de nenhuma quantia já paga.” Coloque-se na posição de vítima. Seria justo perder tudo que já se pagou? Como a resposta deve ser “não”, a lesão está caracterizada, pois.
Anatocismo é outro nome para a usura: cobrança de juros sobre juros. Veremos isso em Direito Tributário, numa espécie de bis in idem.
Para que haja caracterização da lesão, devemos ver: desproporcionalidade da prestação, que é o elemento material, e a premente necessidade da vítima, inexperiência, ou leviandade do agente com a vontade de se aproveitar, que são os elementos subjetivos.
Questão da magistratura: faça a diferenciação entre o vício da lesão e a chamada teoria da imprevisão. Para diagnosticar a lesão, veja o § 1º do Art. 157. A pessoa, no ato da celebração, já tem condições de saber que o negócio teria um disparate muito grande. É diferente da teoria da imprevisão, que trabalha com circunstâncias que são imprevisíveis.
Fato:
disparada do Dólar frente ao Real em 1999, como
narrado na aula
de 10/03:
No início do Real, havia quase que uma correspondência de 1 para 1 em relação ao valor do dólar. Havia concessionárias que vendiam carros estabelecendo parcelas a ser pagas em dólares. A prática deu certo e foi carregada pelos anos subseqüentes. Até que, em 1999, houve a desvalorização do Real frente ao dólar, e isso abalou significativamente os contratos de compra e venda de veículos. A relação rapidamente subiu para 2/1, e os consumidores de automóveis foram ao desespero: enquanto antes pagariam o equivalente a R$ 300,00, tiveram, depois da desvalorização da moeda, que pagar quase R$ 600,00. Essa claramente não era a vontade de ninguém que adquiria um carro. Ações foram ajuizadas, pois as concessionárias cobravam, inflexivelmente, as parcelas em dólar. A justiça decidiu de modo híbrido: não podia o consumidor pretender continuar pagando o equivalente a R$ 300,00 pois essa não mais era a realidade do cenário econômico. Ao mesmo tempo havia a cláusula do contrato de compra e venda que previa o pagamento em dólares. Entretanto seguir essa linha literalmente seria um claro atentado à vontade do consumidor. Os juízes decidiram, então, que o contrato deveria ser refeito, de modo a não beneficiar cabalmente nenhuma das partes. Em vez de continuar pagando algo próximo de R$ 300,00, o consumidor ficou obrigado a pagar um valor por volta de R$ 400,00, 450,00 mas não R$ 600,00 e nem perto disso. Pudemos ver, então, que as duas teorias foram preservadas, sem que nenhuma fosse deixada completamente de lado. O que foi posto à prova nesse caso foi, na verdade, a teoria da imprevisão contra os efeitos da lesão. |
É o último dos vicios de consentimento. É também chamado de estado de necessidade, sendo assim uma cópia do raciocínio advindo do Direito Penal: praticamos um crime, mas haverá uma excludente de ilicitude. O crime continua sendo crime, mas haverá o “apinçamento”, a remoção da ilicitude. Aqui, no Direito Civil, aproveitaremos parte desse raciocínio no campo dos negócios jurídicos. É um agente que pratica um ato sob premente necessidade só que, diferentemente da lesão, ele se encontra sob uma necessidade de sobrevivência ou situação de risco de vida ou de periclitação da saúde. A pessoa está com medo de morrer, ou alguém próximo ter risco de saúde ou lesão corporal.
O perigo tem que ser conhecido pela outra parte, logo, é necessária a má-fé. Assim, a pessoa em perigo emite a declaração para proteger direito seu ou de pessoa próxima assumindo obrigação excessivamente onerosa.
Diferença entre estado de perigo e coação: lembrem-se que a coação negocial é relativa. Não é absoluta porque implicaria na inexistência do negócio jurídico. Na coação, estamos diante de um cenário em que um agente é pressionado por outro. O agente de má-fé age chantageando, pressionando, coagindo. No estado de perigo, o agente de má-fé só sabe da situação, mas não contribuiu para o estado de perigo. Ele vê, naquele cenário, a oportunidade de se dar bem, e conseguir algo que não conseguiria em condições normais.
Diferença entre lesão e estado de perigo: aquela dizia respeito ao patrimônio. Aqui no estado de perigo a questão é voltada para a saúde. Também pode ser por causa de uma circunstância há muito almejada por um dos agentes, como conseguir, para um patologicamente fanático, ficar frente a frente com seu ídolo, depois de mais de uma década de espera; e o fanático acredita piamente de que o contato com aquele guru vai curá-lo de alguma enfermidade persistente¹. Enquanto isso, o outro sabe dessa fraqueza em forma de ilusão e, trabalhando no camarim do show onde o ultrapopstar se apresentará, lhe faz a promessa de deixá-lo entrar, dizendo que será uma oportunidade única e que, se não for agora, nunca mais acontecerá. Para isso, o esperto estipula apenas “uma pequena condição”, bem abusiva.
Há a assunção de obrigação excessivamente onerosa para salvar alguém de risco iminente. Art. 156:
Seção
IV
Do Estado de Perigo Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa. Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias. |
Note que o raciocínio parece com a coação: a coação não é pessoal, mas pode estar na figura do coacto ou a pessoas de sua família ou o patrimônio. Mesmo raciocínio aqui. Questão de prova, subjetiva: diferenciar estado de perigo de coação. O estado de perigo é para salvar-se, enquanto a coação é psicológica e resistível.
Acabamos
os vícios de consentimento. Na seqüência, vamos
falar sobre os vicios sociais.
Vicios
sociais: a fraude
contra credores
São
os vícios que afetam a segurança nas relações sociais. Não
atuam sobre vontade, como é o caso dos vícios de consentimento. Eles
são em
número de dois: um deles é a fraude contra credores, que o Código
dispõe
claramente. A simulação não aparece em lugar nenhum a não ser no Art.
167, que
trata dos negócios nulos. A simulação é mais fácil de entender, então
vamos
deixar para depois. Vamos começar com a fraude contra credores.
Mais uma vez, coloque-se na posição de vítima, no caso, de credor. Imaginem que Estevam solicita a Sônia um empréstimo. Ela, que o conhece bem, prontamente concede R$ 2.000,00, e nem se dá ao trabalho de perguntar para que Estevam queria o dinheiro. Depois de dois meses Sônia vê que Estevam está dirigindo o carro do ano, passeando de lancha, jogando golfe e se alimentando em caros restaurantes. Ele é um homem de negócios (que Sônia imaginava estar passando por uma má fase), portanto também costuma contrair outros empréstimos. Seus credores cobram e ele, de pronto, paga suas dívidas, inclusive algumas maiores que os dois mil reais. Mas “se esquece” de Sônia. Está evidente que Estevam tem condições de pagar o empréstimo, ainda que com os juros, e não o fez. Está configurada a fraude contra credor.
Credores são todos aqueles que têm direitos. O Código Civil deve proteger esses direitos, sob pena de se voltar ao estado de natureza: se não há garantias, as pessoas buscarão o cumprimento das obrigações "no porrete." A fraude contra credores é, então, a tentativa ou a prática de lesar os credores. O raciocínio é bem fácil: tenho um credor, e logicamente tenho conhecimento da dívida, e, antes ou durante o processo de cobrança, começo a dilapidar meu patrimônio, na tentativa de reduzir a minha insolvência. O que é isso? Entenda, didaticamente, como falência da pessoa natural. Não se esqueça que, tecnicamente, esse termo não existe. Significa que ela deve mais na praça do que tem a receber. Se não for situação de insolvência, afastem a fraude contra credores; é como a ausência de tipicidade no Direito Penal (fraude contra credores sem insolvência é tão existente quanto furtar algo que já é sua propriedade, ou estuprar um homem). Também, por óbvio, não configura insolvência caso o patrimônio possa suportar a dívida, como possuir R$ 1 milhão e dever apenas R$ 100 mil.
Duas observações:
A fraude contra credores está no Art. 158:
Seção
VI
Da Fraude Contra Credores Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos. § 1o Igual direito assiste aos credores cuja garantia se tornar insuficiente. § 2o Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a anulação deles. |
Não se pode renunciar dívida para lesar credores.
Quirografário: credor comum. Na pirâmide hierárquica de créditos, há alguns que são pagos primeiramente. Trabalhistas, alimentícios e tributários são privilegiados. Os demais são créditos comuns, e recebem o nome de quirografários.
Atenção
para o § 2º: deve-se aferir a contemporaneidade
entre o status de credor e a ocorrência da transferência (dilapidação)
do
patrimônio praticada pelo devedor. Ou seja, se um sujeito não era, à
época da
dilapidação, credor do que está dispondo de seu patrimônio ainda, então
ele não
poderá buscar a anulabilidade dessas transferências. Em outras
palavras, deve
haver relação jurídica preexistente entre credor e devedor no momento e
que
este iniciou a transferência de seus bens.
Art. 159:
Art. 159. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante. |
Aqui
falamos em negócios gratuitos. A fraude contra credores
é mais comum nos negócios onerosos. Este artigo veio para coibir o
devedor de
contrair novas obrigações enquanto deve a uma ou mais pessoas.
Insolvencia notória:
pública, como o caso Encol, Gautama, Boi Gordo, Avestruz Master, etc.
Art. 160:
Art. 160. Se o
adquirente dos bens do devedor insolvente ainda não tiver pago o preço
e este for, aproximadamente, o corrente, desobrigar-se-á depositando-o
em juízo, com a citação de todos os interessados. Parágrafo único. Se inferior, o adquirente, para conservar os bens, poderá depositar o preço que lhes corresponda ao valor real. |
Este artigo é salvador para aquele que quer manter o negócio. Luciano faz um negócio de compra e venda com Lucas, aquele vendendo para este, mas Lucas ainda não terminou o pagamento. Lucas descobre, nesse meio-tempo, que Luciano é insolvente. Lucas pensa: “se eu quiser algo que pertence ou pertenceu recentemente ao Luciano, eu me darei mal, pois os credores irão em cima do patrimônio que eu terei adquirido dele”. Então, em vez de pagar diretamente a Luciano, Lucas deposita o pagamento em juízo, e promove a citação dos interessados (naturalmente os credores), para que estes saibam de que há dinheiro do devedor (Luciano) disponível. Os credores, depois, farão o rateio da sobra, mas Lucas estará livre.
Não
houve fraude contra credores porque a fraude foi
coibida antes de se materializar.
Art. 161:
Art. 161. A ação, nos casos dos arts. 158 e 159, poderá ser intentada contra o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta, ou terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé. |
Ação
pauliana: outro nome da fraude contra credores. É a
ação movida contra o negócio, também chamada reipersecutória (este nome
não
será cobrado): visa ao desfazimento do negócio fazendo com que o bem
alienado
retorne à propriedade do devedor. Logicamente para depois ser tomado
pelos credores.
Art. 162:
Art. 162. O credor quirografário, que receber do devedor insolvente o pagamento da dívida ainda não vencida, ficará obrigado a repor, em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores, aquilo que recebeu. |
Significa
que um credor de obrigações não vencidas não pode
ser pago antes de credor de obrigações já vencidas. Se isso ocorre,
entende-se que
esse credor foi privilegiado. Ele deverá, então, repor a quantia
recebida que
deverá ser assimilada pelos credores “mais antigos”. Pode-se pagar
diretamente eles,
desde que a prova dos créditos seja feita.
Agora vamos diretamente para o art. 164:
Art. 164. Presumem-se, porém, de boa-fé e valem os negócios ordinários indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural, ou industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família. |
Veja
que a fraude contra credores envolve necessariamente a má-fé.
Não é considerado má-fé quando os negócios feitos são para a
subsistência do
estabelecimento comercial ou para a manutenção do empresário e sua
família. Ou seja,
alguém deve na praça, e vendeu o carro para pagar funcionários e
comprar
alimentos. Essa venda não será considerada fraude caso algum credor
provoque a
jurisdição.
Art. 165:
Art. 165. Anulados os
negócios fraudulentos, a vantagem resultante reverterá em proveito do
acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores. Parágrafo único. Se esses negócios tinham por único objeto atribuir direitos preferenciais, mediante hipoteca, penhor ou anticrese, sua invalidade importará somente na anulação da preferência ajustada. |
Este
artigo dispõe sobre a finalidade da anulação de um
negócio fraudulento, conforme já tanto falamos. Sabíamos que era isso
que
aconteceria, mas não sabíamos em que artigo estava. É, portanto, o
artigo que
consagra, depois da anulação, o destino certo do dinheiro e do proveito
que
haviam
sido fraudulentamente direcionados.
E voltemos agora ao art. 163:
Art. 163. Presumem-se fraudatórias dos direitos dos outros credores as garantias de dívidas que o devedor insolvente tiver dado a algum credor. |
Alguém tem um conjunto de bens, e começa a colocá-los em penhora, hipoteca ou anticrese, em prejuízo dos demais. É como se o devedor tivesse “guardado seguramente” seu patrimônio para que não fosse tomado por outros credores. Pode até ser que o credor ao qual foi dada a garantia nem credor fosse, mas um amigo com quem se tenha feito um plano.
Finalmente,
voltamos ao princípio, e damos o conceito de fraude:
manobra técnica para lesar alguém.
É o segundo vício social e, tecnicamente, não figura dentre os vicios negociais presentes no Código Civil.
O que é uma pessoa simulada? Não é uma pessoa “dissimulada”, como recorrentemente dito; o termo correto é “simulada”. É uma pessoa falsa, que aparenta algo que não é. É idêntico o raciocínio do vício negocial da simulação: um ato falso é praticado. Não veremos simulação devidamente elencada no Código Civil, mas no Art. 167 temos o seguinte:
Art. 167. É nulo o
negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se
válido for na substância e na forma. § 1o Haverá simulação nos negócios jurídicos quando: I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados. [...] |
O que diz o artigo para vicios simulados? É nulo o negócio, ou seja, invalidade absoluta. É o único vício negocial que gerará nulidade. Todos os demais vícios negociais gerarão somente a anulabilidade. Haverá simulação dos negócios jurídicos quando:
§ 2º:
§ 2o Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado. |
Como de regra, os terceiros de boa-fé são protegidos.
Diferença entre simulação e dolo: neste, age-se já sabendo quem é a vítima. Na simulação, qualquer um pode ser vítima. Na simulação, dois agentes (declarante e declaratário) se unem para o atingimento de fins escusos, maléficos, ilegais.
Espécies de simulação:
Para terminar, lembrem-se que todos os vícios geram anulabilidade, com exceção da simulação. Coação física gera inexistencia, não nulidade nem anulabilidade. Não pode haver simulação sem má-fé de pelo menos um agente. Normalmente tem-se dois.
Faltam duas aulas apenas!
Questão de prova de hoje: diferenciar estado de perigo de coação (subjetiva).