Direito Constitucional

sexta-feira, 6 de março de 2009

Comissões e CPIs



Tópicos:

  1. Comissões parlamentares
  2. Comissões Parlamentares de Inquérito
  3. Condições de criação das CPIs
  4. Poderes da CPI

A última coisa que vimos na aula passada foram os órgãos internos do Congresso Nacional, as mesas, as atribuições e composição. Na composição, vimos que o Regimento Interno define quais são os cargos das mesas. A Constituição não se refere às mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, mas à mesa do Congresso Nacional sim. E se refere dizendo o quê? Que ela é presidida pelo Presidente do Senado, sendo os demais cargos equivalentes alternadamente. E quando essa mesa do Congresso Nacional funciona? Em reuniões conjuntas das casas. União conjunta não significa unicameralismo; se houver uma deliberação sobre veto, haverá contagem de votos dos deputados e dos senadores separadamente.

Vejamos agora uma situação que já aconteceu em relação à composição da Mesa do Congresso Nacional: suponhamos que o presidente do Senado Federal peça licença temporária para tratar de algum assunto particular. O que acontece com a Mesa do Senado? O Primeiro Vice assumirá a presidência. Então, naturalmente, ele ocupará a função de substituir o Presidente. Digamos também que, durante esse período, houve a necessidade da convocação de uma sessão conjunta (o que de fato houve com Jader Barbalho enquanto Presidente e Edison Lobão como Vice; Edison convocou uma sessão conjunta. É valida essa convocação? O Supremo Tribunal Federal deferiu mandado de segurança contra essa convocação, porque há uma Mesa do Congresso Nacional, prevista na Constituição com uma disposição específica. E a palavra chave aqui é afastamento temporário do Presidente do Senado. Logo, o Vice assume interinamente. Nesse caso, se for necessária uma sessão conjunta, há uma mesa própria para isso, que também precisará se valer de seu primeiro vice para essa convocação.

Foi o MS nº 24.041, de relatoria do então Min. Nelson Jobim.

A convocação caberia ao Primeiro Vice do Congresso Nacional, não ao Primeiro Vice do Senado. O presidente interino sequer é parte integrante da mesa do Congresso Nacional. § 5º do art. 57.

Seção VI
DAS REUNIÕES

        Art. 57. O Congresso Nacional reunir-se-á, anualmente, na Capital Federal, de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro.

[...]

        § 5º - A Mesa do Congresso Nacional será presidida pelo Presidente do Senado Federal, e os demais cargos serão exercidos, alternadamente, pelos ocupantes de cargos equivalentes na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.

Para entender melhor, volte ao quadro exemplificativo da aula de ontem. Seria como se, na ilustração, Visconde de Sabugosa quisesse convocar a sessão conjunta, quando ele sequer compõe a mesa do Congresso Nacional.

O próprio Procurador Geral da República entendeu que a convocação estava válida. A decisão acabou afastando a tese dele.

Note que, se fosse um afastamento definitivo, aí tudo seria diferente. Nesse caso, Visconde teria assumido permanentemente a presidência do Senado e, portanto, também da Mesa do Congresso Nacional, tendo, portanto, poderes para convocar a sessão conjunta.

 

Comissões parlamentares

Vimos que há, além das Mesas, as comissões parlamentares. Podem ser de duas espécies: temporárias ou permanentes. Entre as primeiras, a única sobre a qual a Constituição trata é a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). As outras duas, as especiais e as externas, são tratadas nos Regimentos Internos das Casas.

As comissões permanentes normalmente correspondem aos Ministérios existentes, como minas e energia, meio-ambiente, transportes, mas não necessariamente coincidem; são os temas que a sociedade precisa ver tratados continuamente. São as comissões temáticas. No Regimento Interno da Câmara dos Deputados há, por exemplo:

Seção II
Das Comissões Permanentes
Subseção I
Da Composição e Instalação

Art. 25. O número de membros efetivos das Comissões Permanentes será fixado por ato da Mesa, ouvido o Colégio de Líderes, no início dos trabalhos de cada legislatura. 

§ 1º  A  fixação  levará   em  conta   a   composição da  Casa   em  face  do número  de Comissões,   de   modo   a   permitir   a   observância,   tanto   quanto   possível,   do   princípio   da proporcionalidade partidária e

demais critérios e normas para a representação das bancadas.

§ 2º Nenhuma Comissão terá mais de doze centésimos nem menos de três e meio centésimos do total de Deputados, desprezando-se a fração.

§ 3º  O número  total  de vagas nas  Comissões não excederá o da composição da Câmara, não computados os membros da Mesa.

O que a Constituição fala a respeito das comissões permanentes? Está no art. 58:

Seção VII
DAS COMISSÕES

        Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.

        § 1º - Na constituição das Mesas e de cada Comissão, é assegurada, tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da respectiva Casa.

        § 2º - às comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe:

        I - discutir e votar projeto de lei que dispensar, na forma do regimento, a competência do Plenário, salvo se houver recurso de um décimo dos membros da Casa;

        II - realizar audiências públicas com entidades da sociedade civil;

        III - convocar Ministros de Estado para prestar informações sobre assuntos inerentes a suas atribuições;

        IV - receber petições, reclamações, representações ou queixas de qualquer pessoa contra atos ou omissões das autoridades ou entidades públicas;

        V - solicitar depoimento de qualquer autoridade ou cidadão;

        VI - apreciar programas de obras, planos nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento e sobre eles emitir parecer.

        § 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.

        § 4º - Durante o recesso, haverá uma Comissão representativa do Congresso Nacional, eleita por suas Casas na última sessão ordinária do período legislativo, com atribuições definidas no regimento comum, cuja composição reproduzirá, quanto possível, a proporcionalidade da representação partidária.

Falamos do § 1º ontem. Não fala sobre uma comissão específica. Por que isso? Porque são as comissões, sendo órgãos fracionários, que atuarão como o próprio Poder Legislativo: legislar e fiscalizar. Então essas duas funções serão exercidas por meio dos órgãos fracionários; isso significa que as comissões parlamentares também legislarão e fiscalizarão. Numa delas fica claríssima a função de fiscalizar: a CPI.

Por outro lado, as permanentes têm principalmente a função de legislar, mas também atuam na função de fiscalização. Isso está no art. 58, § 2º, inciso I acima.

Atenção às palavras discutir, votar e dispensar. Discutir é a mais óbvia das atribuições, já que se trata exatamente do Parlamento brasileiro. Votar é a principal função, inclusive devemos atentar para uma norma que abre possibilidade para desastres: aprovar Projeto de Lei sem submeter ao plenário. Para entender a gravidade, Imagine uma comissão com 16 membros que delibera sobre um Projeto de Lei sobre transportes públicos (esta é uma situação hipotética.) Sendo 16 membros, quantos votos são necessários para aprovar tais projetos? Está no art. 47.

        Art. 47. Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas Comissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros.

Desde que esteja presente a maioria absoluta dos membros. Viram só a sutileza? Se não, volte ao exemplo: são 16 membros. A maioria absoluta num conjunto de 16 membros é 9 (50% + 1). Esse é o número de parlamentares necessários para que a votação ocorra. E, dentre os 9, quantos votos bastarão para que o Projeto de Lei seja aprovado? 5.

Isso é gravíssimo. É a própria Constituição que autoriza isso. A partir de uma restrição que está no inciso I do § 2º do art. 58.

Seção VII
DAS COMISSÕES

        Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.

[...]

        § 2º - às comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe:

        I - discutir e votar projeto de lei que dispensar, na forma do regimento, a competência do Plenário, salvo se houver recurso de um décimo dos membros da Casa;

É como uma comissão de formatura. Não se leva à sala inteira a discussão de qualquer assunto, pois a comissão tem legitimidade para representar a turma. Entretanto, se houver um pequeno grupo de insatisfeitos com determinada decisão, eles poderão se juntar e formular um recurso.

Para saber o que pode ser deliberado no âmbito das comissões, deve-se observar o Regimento Interno.

Continuando, agora no § 2º.  Além disso, nos próximos incisos, todas as atividades imbricam tanto a função de legislar quanto a de fiscalizar, pois ambas pressupõem a colheita de informações. Art. 58 § 2, incisos I e seguintes.

        § 2º - às comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe:

        I - discutir e votar projeto de lei que dispensar, na forma do regimento, a competência do Plenário, salvo se houver recurso de um décimo dos membros da Casa;

        II - realizar audiências públicas com entidades da sociedade civil;

        III - convocar Ministros de Estado para prestar informações sobre assuntos inerentes a suas atribuições;

        IV - receber petições, reclamações, representações ou queixas de qualquer pessoa contra atos ou omissões das autoridades ou entidades públicas;

        V - solicitar depoimento de qualquer autoridade ou cidadão;

        VI - apreciar programas de obras, planos nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento e sobre eles emitir parecer.

Comissões Parlamentares de Inquérito

Aqui, temos também uma comissão que atuará tanto na função de legislar quanto na de fiscalizar. Mas sua função de fiscalizar no Congresso Nacional é claríssima, que é a função precípua da CPI. Mas suas deliberações podem acabar gerando Projetos de Lei para determinado setor ou atividade da sociedade. A CPI do tráfico, por exemplo, levou à criação da Comissão Permanente de Segurança Pública.

Art. 58 § 3º:

        § 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.

Neste parágrafo identificamos algumas imprecisões e lacunas quanto ao que exatamente é poder da comissão, seus limites, e, sendo assim, temos que identificar uma fonte para a solução de possíveis conflitos com relação à atuação das CPIs. Qual é essa fonte que interpreta a Constituição e nos dará essa resposta? O Supremo Tribunal Federal. É na jurisprudência do Supremo que encontramos respostas para isso.

Função de fiscalização do Congresso Nacional: fiscalizar o que? Entre outras coisas, a aplicação do dinheiro público, usando, para isso, o TCU. Fiscaliza também os atos do Executivo. Será que está havendo improbidade administrativa? – Esta é uma pergunta que pode motivar a criação de uma CPI. Atos da Administração Pública, desde que haja atos de interesse público. Não se criam CPIs para cuidar de assuntos privados. Atos de uma empresa só ensejarão instauração de CPI se houver contratos ou ligações com o poder público. O interesse público pode envolver parlamentares ou não. Desaparecimento de crianças: descobriu-se que, por ano, trinta mil crianças estão desaparecendo no Brasil. Isso é uma questão de interesse público? Sim.

Então, se a comissão existe para atuar na função de fiscalização do próprio Poder Legislativo, tem que ser dado a ele, e conseqüentemente às comissões, poderes para que se desempenhem as competências que a Constituição lhe deu.

Antes de analisar as competências, vejamos as...

 

Condições de criação das CPIs

Os requisitos devem vir do art. 58, § 3º, destacado acima. São, portanto três:

  1. Requerimento que determine qual é o fato que será investigado;
  2. Prazo para as investigações;
  3. Assinatura de um terço dos parlamentares da casa em questão.

Por que 1/3? Para preservar o princípio da minoria, e facilitar a investigação de fatos de interesse público. Se assim não fosse, nunca se criariam CPIs para resolver assuntos que investigassem o governo, já que ele costuma ter maioria no Congresso pelas alianças. Isso significa que, apresentado o requerimento com fato certo, indicando prazo e assinado por um terço dos parlamentares, o que mais precisa? Nada. Os requisitos foram cumpridos. Agora, dependerá dos lideres dos partidos indicarem os membros de suas legendas para integrar a comissão. Não indicar é possível, como de fato aconteceu na CPI dos bingos e do trafego aéreo. Assim, o requerente ajuizou um Mandado de Segurança no Supremo, que foi deferido por se tratar de direito líquido e certo da minoria que a comissão fosse criada.

O prazo de existência pode ser prorrogado. O limite é a legislatura.

Se os trabalhos não puderem ser terminados até o fim da legislatura, uma nova comissão deve ser criada. Podem os novos membros até se valer dos documentos da anterior.

Considerando os objetivos da CPI, por que a Constituição exige que seja por fato determinado por prazo certo? Pelo princípio da ampla defesa. Afinal, pessoas serão investigadas pela comissão. Não pode um indivíduo ficar eternamente sob investigação. E também pelo princípio da presunção de inocência. Se o sujeito fica por prazo indeterminado sob investigação, então o que se presume é exatamente o contrário: que ele é culpado.

 

Poderes da CPI

Para entendê-los, lemos o § 3º do art. 58 novamente:

        § 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.

CPI não julga nem atribui responsabilidade a ninguém. Muito menos pode ela condenar indivíduo algum. O produto da CPI são conclusões, não condenações. Portanto, o ato final da CPI é um relatório. A priori, esse relatório não surtirá nenhum efeito jurídico. Ele é, na verdade, o apanhado de toda a investigação que a CPI fez. Assim, ela manda os produtos para quem tem o poder de promover ações, ou seja, o Ministério Público. Então, quais os poderes das CPIs? Note que a Constituição dispõe de modo impreciso: “poderes de investigação equivalentes aos das autoridades judiciais.” É aí que surge a complicação.

Se o Poder Legislativo tem a função de fiscalizar e o Congresso Nacional serve-se de comissões parlamentares de inquérito, elas devem ter ferramentas para isso. O erro da redação é: já vimos juiz investigando algo? Negativo. As autoridades judiciais não têm poderes de investigação. Isso significa que a CPI não tem poder de investigação? Também não. Quem pode investigar? A polícia. CPI pode investigar como a polícia, mas tem um poder além. Os poderes próprios da autorização judicial, que são os poderes de instrução, não de investigação. É como quando dizemos: "vou instruir o processo para que o juiz tenha elementos suficientes para se convencer". Instruir, portanto, é trazer elementos, dados, que são as provas. O processo judicial tem fases. Antes de iniciado, isso pode ser chamado de inquérito.

O ato do recebimento da denúncia é o ato da instauração do processo.

A CPI pode quebrar sigilos e invadir domicílios? Sim. Determinar oitiva de testemunhas? Também. Se ela mentir, ela está em flagrante delito, e a CPI pode determinar a prisão da testemunha. A CPI também pode determinar o bloqueio de bens de alguém, ou determinar a apreensão de passaporte? Opa...

Para saber se a CPI pode fazer algo, deve-se apenas verificar se se produzirão provas. O bloqueio de bens ou retenção de passaporte não são atos que podem determinar a produção de provas. Essas são medidas cautelares, de competência exclusiva do juiz. Acautelar significa “evitar”. Logo, CPI não tem esse poder. Para entender melhor como funcionam as medidas cautelares, veja este exemplo: dois vizinhos cujas propriedades rurais não estão bem delimitadas vêem tomates crescerem em suas terras, mas não se sabe e nem interessa quem os tenha plantado. Uma disputa pela propriedade dos tomates se inicia, e logo o Judiciário é provocado. O que aconteceria, normalmente? O processo demoraria um razoável tempo, muito mais que suficiente para que os tomates apodrecessem. Ao final da disputa, aquele que ganhasse a propriedade dos tomates simplesmente desistiria do produto, e a máquina do Estado teria sido empregada em vão. Então, o que pode e deve o juiz fazer? Ao tomar conhecimento da lide, ele deve determinar, imediatamente, a venda dos tomates para depositar o dinheiro em juízo. O dinheiro não se deteriora com o tempo, então as partes poderão levar o processo adiante com toda a segurança. Ao final, àquele que ganhar a causa será transferido o dinheiro da venda.