Direito Penal

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Ação penal




Tópicos:
  1. Introdução
  2. Divisão da ação penal
  3. Ação penal pública condicionada
  4. Ação penal privada
  5. Ação penal privada personalíssima
  6. Condições gerais da ação penal
  7. Condições específicas de procedibilidade


Introdução

Na última aula encerramos os efeitos específicos da condenação. Vimos o art. 92, fizemos a leitura e lembramos que a diferença entre os efeitos específicos e os genéricos é que os específicos que estão no Código Penal precisam de fundamentação. Se o juiz não fundamentar, ficará apenas para o processo administrativo. Falamos da perda do pátrio poder, tutela ou curatela, para qualquer crime do Código Penal desde que apenado com reclusão, e também da perda dos direitos políticos e finalmente para a inabilitação para dirigir veiculo automotor quando for usado como instrumento de prática de crime doloso.

Já sabemos quase tudo de Direito Penal material! Concurso de pessoas, progressão de regime, regimes prisionais, causas de aumento da pena, sursis, livramento condicional, trabalho do preso e sua regulamentação, conceito de crime, extraterritorialidade, causas excludentes de culpabilidade, de ilicitude, concurso de pessoas e concurso de crimes, para não citar nem a metade das coisas que já aprendemos neste semestre e no anterior.

A partir de agora, verificaremos o seguinte: cometido o crime, como ele chegará ao tribunal? Como será julgado? Então, na verdade, estudaremos a ação penal, que é a regra que estabelece o ajuizamento da ação, citação, defesa, contraditório, e todas as garantias constitucionais do criminoso.

Colocaremos aqui alguns elementos que estão ligados diretamente ao Processo Penal, mas que são necessários para compreender a ação penal. Na parte geral do Código Penal, vimos que, toda vez que acontece o crime, surge ao Estado o direito de punir (jus puniendi). Mas também aprenderemos que o juiz não age de ofício. O juiz pode inclusive ver um crime acontecendo “em suas barbas” ou até mesmo em sua casa. Ele não pode instaurar uma ação penal de ofício, pois ela tem titular para esse fato. Se for pública, o titular será o Ministério Público. Inclusive é uma das funções precípuas do MP. Se a ação penal for privada, quem promoverá a ação em termos de titularidade será o ofendido ou o seu representante.

Precisa-se, portanto, acionar o Estado-juiz para que ele possa prestar a jurisdição.

Constituição, art. 5º, inciso XXXV:

        Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

        [...]

        XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

Ou seja, o Estado sempre substituirá as partes para resolver o litígio, desde que provocado.

A ação penal, então, é o direito subjetivo público de pedir ao Estado-juiz a aplicação do Direito Penal objetivo a um caso concreto.

Direito objetivo é o disposto no Código Penal (ou na legislação especial). Se Luiz mata João, deve-se pedir a aplicação do art. 121 ao Estado. Chamo que ele aja, para agir penalmente. O juiz fará a intermediação nesse sentido.

A relação jurídica processual é triangular: autor, juiz e réu. Autor e réu têm pretensões a ser deduzidas no processo. O autor pode ser o Ministério Público para ação penal pública, ou o querelante para ação penal privada.

Satisfeitos os requisitos, o juiz recebe a denúncia. Visto isso, o juiz estabelece: “cite-se o réu.” Ninguém pode ser processado sem citação. Ele chama o réu ao para que ele exerça seu direito ao contraditório. Mais elaboradamente: Luiz mata João, e alguém encontra seu corpo. A polícia é acionada. O delegado instaura o inquérito, investiga e reúne indícios da autoria daquele fato. Ele se comunica com o Ministério Público, que oferecerá a denúncia ao juiz. O juiz, notando a presença dos requisitos mínimos, ordena a citação do réu. Ele é chamado ao processo para se defender, exercendo seu direito ao contraditório. No final, o juiz (corpo de juízes leigos, no caso de homicídio) prolatará a sentença.

Com a jurisdição, o Estado chama para si o poder-dever de punir. É a obrigação que ele contraiu constitucionalmente, pela vontade do Poder Constituinte Originário.

Vejam: o ônus da prova é de quem alega, e não de quem acusa. Claro que o Ministério Público tem que provar muito mais por causa do princípio in dúbio pro reo. Mas o réu, quando se defende, tem que provar suas teses também.
 

Divisão da ação penal

A ação penal, quando pública, tem como titular o Ministério Público. E somente o MP. A ação penal pública se divide em condicionada e incondicionada. Art. 100 do Código Penal:

TÍTULO VII
DA AÇÃO PENAL

        Ação pública e de iniciativa privada

        Art. 100 - A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido.  

        § 1º - A ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça.  

        § 2º - A ação de iniciativa privada é promovida mediante queixa do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo.  

        § 3º - A ação de iniciativa privada pode intentar-se nos crimes de ação pública, se o Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal.  

        § 4º - No caso de morte do ofendido ou de ter sido declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou de prosseguir na ação passa ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.   

Logo, se o tipo penal não fizer alusão nenhuma à ação penal, é porque ela é pública incondicionada. Eis uma regra que temos que saber para sempre: a respeito de tudo que é regra geral, o Código se silencia. As exceções que são expressamente postas. Como crimes dolosos, que são a regra, e os culposos, que são a exceção, daí o tipo sempre fará alusão à forma culposa se ela estiver presente. Por isso, não decorre de dedução lógica, mas sempre expressa disposição legal. Art. 18, parágrafo único:

        Art. 18 - Diz-se o crime: 

        Crime doloso 

        I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;

        Crime culposo 

        II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. 

        Parágrafo único - Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente. 

Na ação penal é a mesma coisa: toda vez que o tipo for silente, a ação penal será pública incondicionada. Isso significa que o Estado buscará punir o autor independente da vontade do ofendido. Não há “retirar a queixa”, nem desistência do próprio Ministério Público. Na ação penal pública incondicionada, o Estado tem o interesse de punir. Não posso ir à delegacia pedir para que alguém não seja indiciado por homicídio. O que pensávamos, até hoje, do que seria “denúncia” é, na verdade, levar a notitia criminis: contar à autoridade policial um fato, descrevendo-o, com as circunstâncias, dizendo quem é o autor, se sabido. A denúncia é o encaminhamento da peça inicial pelo Ministério Público, que leva a juízo o fato descrito, desde que presentes indícios da autoria e materialidade. Portanto, notitia criminis e denúncia são coisas diferentes, bem como há diferença entre queixa notitia criminis.
 

Ação penal pública condicionada

Nos tipos penais em que a ação penal só procede mediante representação, o Ministério Público só pode oferecer a denúncia se ele tiver a representação do ofendido ou a requisição do Ministro da Justiça. Sem isso, falta o que se chama de condição de procedibilidade. Neste caso, o juiz não recebe a denúncia. A parte ré pode pedir que se tranque a ação penal contra ele por esse motivo.

Por que é condicionada? Porque O estado sempre oferecerá a denúncia desde que o ofendido ofereça a representação. É como se fosse uma procuração ou mandato que o ofendido outorga ao Estado. Se se tratar de crime disposto no art. 7º do Código Penal, que trata de extraterritorialidade, a legitimidade para a instauração da ação penal será do Ministro da Justiça, que oferecerá, se quiser, uma requisição. Observação: a requisição é do Ministro, não do Ministério. Exemplo: art. 145, fazendo menção ao art. 141, inciso I, no capítulo dos crimes contra a honra, como cometer injúria contra chefe de governo estrangeiro.

Art. 156: por que o Estado colocou a necessidade de representante? Diga um condomínio. Se eu furto coisa comum, o Estado não deverá se intrometer nessa questão condominial, até porque poderá criar um problema de convivência entre os moradores.

Art. 182: Neste artigo o legislador determinou que os crimes contra o patrimônio, de acordo com o disposto no art. 181, só procederão mediante representação caso cometidos em prejuízo do cônjuge, ascendente, descendente, irmão, tio, sobrinho ou companheiro de teto. Isso porque a intromissão do Estado poderia gerar problemas de família.
 

Ação penal privada

Apesar do nome, esta denominação de ação penal significa que o que é privado é só o fato de acionar o Estado. Quem presta a jurisdição é sempre o Estado, então ela nunca perde o caráter público. Não é para pensarmos que o ofendido conduzirá a ação. Ele provoca o Estado através de uma peça chamada queixa-crime. Cumpridas as condições, o Estado cita o ofensor, neste caso chamado de querelado (não réu) e o chama ao processo.

Observações: na ação penal pública, a peça se chama denúncia. Denúncia é peça jurídica que se oferece perante o juiz nas ações penais públicas condicionadas ou incondicionadas. Há crimes que são de ação penal pública ou privada, a depender das circunstâncias. O estupro, previsto no art. 213, é crime de ação penal privada, portanto só procede mediante queixa. Em 1940, já se preservava a intimidade das mulheres. Se ocorresse, só seria possível a ação penal se a ofendida ou seu representante legal quisesse prestar a queixa-crime. Isso por que, de acordo com o art. 93, inciso IX da Constituição Federal, todo ato judicial é público. No entanto, se houver a chamada violência real, no estupro ou atentado violento ao pudor, a ação penal passa a ser pública, porque o crime de atentado violento ao pudor e estupro são crimes complexos: precisam de dois ou mais tipos de crime para formar um tipo singular. Então quando, segundo a regra, houver um crime complexo, como estupro com violência real, que é composto de constrangimento ilegal, lesão corporal e ameaça, a ação penal será pública, entre os tipos singulares há um tipo penal que é de ação penal pública.

Art. 101

        A ação penal no crime complexo

        Art. 101 - Quando a lei considera como elemento ou circunstâncias do tipo legal fatos que, por si mesmos, constituem crimes, cabe ação pública em relação àquele, desde que, em relação a qualquer destes, se deva proceder por iniciativa do Ministério Público.

E agora vejamos o art. 223, que está dentro das disposições gerais do título VI (dos crimes contra os costumes):

        Formas qualificadas

        Art. 223 - Se da violência resulta lesão corporal de natureza grave: Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90

        Pena - reclusão, de oito a doze anos. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990)

        Parágrafo único - Se do fato resulta a morte:

        Pena - reclusão, de doze a vinte e cinco anos.

...e o 225:

        Ação penal

        Art. 225 - Nos crimes definidos nos capítulos anteriores, somente se procede mediante queixa.

        § 1º - Procede-se, entretanto, mediante ação pública:

        I - se a vítima ou seus pais não podem prover às despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família;

        II - se o crime é cometido com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador.

        § 2º - No caso do nº I do parágrafo anterior, a ação do Ministério Público depende de representação.

E a Súmula 608 do Supremo Tribunal Federal:

Súmula 608

NO CRIME DE ESTUPRO, PRATICADO MEDIANTE VIOLÊNCIA REAL, A AÇÃO PENAL É
PÚBLICA INCONDICIONADA.

Então, temos a ação penal privada exclusiva, em que o tipo penal diz: só procede mediante queixa.

Há também a ação penal privada subsidiária da pública, que é ajuizada pelo particular nos casos em que o título da ação penal pública, o Ministério Público, deixa de oferecer a denúncia dentro do prazo legal. Esse prazo é de cinco dias caso o autor do crime esteja preso, ou de quinze caso esteja em liberdade. Assim sendo, o ofendido pode oferecer uma queixa subsidiária.

Não é necessária a dedução lógica; o tipo penal dirá se é somente mediante queixa.
 

Ação penal privada personalíssima

Só o ofendido pode prestar a queixa-crime; nem mesmo seu representante pode. Havendo morte do querelante, podem oferecer a queixa quatro indivíduos: cônjuge, ascendente, descendente e irmão, nessa ordem: caso o primeiro deixe de fazê-lo, caberá ao segundo, e assim por diante. Havia no Código Penal dois crimes com ação penal privada personalíssima. Um deles era o adultério, que foi descriminalizado. Isso por causa do princípio da adequação social: admitia-se que o adultério não deveria ser crime porque a norma que o tipificava não gozava de eficácia social na medida em que o ofendido tinha vergonha de ir à delegacia levar a notitia criminis do fato. A única que resiste até hoje é o art. 236:

        Induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento

        Art. 236 - Contrair casamento, induzindo em erro essencial o outro contraente, ou ocultando-lhe impedimento que não seja casamento anterior:

        Pena - detenção, de seis meses a dois anos.

        Parágrafo único - A ação penal depende de queixa do contraente enganado e não pode ser intentada senão depois de transitar em julgado a sentença que, por motivo de erro ou impedimento, anule o casamento.

Isso é com relação ao casamento. Quem casa não deve ocultar dos os impedimentos legais nem pessoais. Exemplo: o marido é, secretamente, adepto de uma tara sexual escusa, e não revela à noiva até que se casem. Se for algo que a incomoda, como a parafilia do azeite, vista na aula de Direito Civil de 19/05, não só caberá anulação do casamento como também se enquadra no crime de ocultação de impedimento.

Veja que o parágrafo único dispõe que só pode ser intentada pelo contraente enganado. Daí personalíssima, pois não há margem para atuação do representante. E mais, exige uma condição de procedibilidade.

O instrumento jurídico que o querelante usa é a queixa-crime. É uma peça também realizada por advogado. Se a família não tiver dinheiro para constituir, o Ministério Público pode oferecer a denúncia por ação penal pública desde que condicionada.
 

Condições gerais da ação penal

Legitimidade da parte: o mandato que se dá ao querelante para uma ação penal privada deve constar tudo. Deve-se especificar para que é, contra quem é, e o tipo. O MP oferece a denúncia direta e o querelante oferece por meio de seu advogado. Sem dinheiro, busca-se o atestado de miserabilidade.

Interesse de agir: não se pode ter apenas suspeita contra alguém, deve haver, no mínimo, indicio suficiente de autoria. Não é certeza da autoria; é algo real, provado, que se possa presumir ser o autor real do fato. Caso: um policial civil foi sentenciado a 17 anos de reclusão pelo homicídio de uma mulher, mas sem jamais ter aparecido o corpo. Entretanto o vizinho ouviu a discussão e, ao subir no muro, viu o homem arrastando o corpo e colocando dentro do carro. Depois foi encontrado sangue e outras partículas no porta-malas do carro do policial. Assim, constituiu-se a certeza da materialidade do fato. Ninguém pode ser condenado por indícios.

Possibilidade jurídica do pedido: o fato tem que ser típico. Conceito analítico de crime.
 

Condições específicas de procedibilidade

Requisição ministerial (do Ministro da Justiça): é conditio sine qua non para que se proceda à ação penal nos casos previstos em lei. Especificamente, extraterritorialidade e crime contra a honra de chefe de governo estrangeiro.

Entrada do agente no território: é uma condição específica, por que, se bem lembramos, quando estudamos o art. 7º, vimos que o sujeito, para ser processado, tem que entrar no território nacional.

Art. 7º, inciso II:

        Extraterritorialidade 

        Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: 

        [...]

        II - os crimes:  

        a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir; 

        b) praticados por brasileiro; 

        c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados. 

Autorização do Legislativo para instauração de processo contra chefe do Executivo por crime comum. Esta exigência deriva das prerrogativas constitucionais do Presidente da República. Analogamente para os governadores.

Por fim, há o...

Trânsito em julgado da sentença que, por motivo de erro ou procedimento, anule o casamento, no crime de induzimento a erro essencial ou ocultação de impedimento matrimonial.

Observação: o Estado criou a regra da ação penal privada subsidiária por causa de pedido de prefeitos ou governadores, dirigidos ao Ministério Público, que não prosseguissem com o oferecimento da denúncia.