O curso terá 5 partes, sendo 4 fundamentais.
A primeira é o que vem a ser Filosofia. Os conceitos que a Filosofia recebeu na sua história, e também como se pode relacionar Filosofia com o Direito. Quais são os problemas importantes para o Direito e a Filosofia ao mesmo tempo, ou melhor, como os problemas filosóficos se desdobram em problemas do Direito.
Depois que trabalharmos essa questão, veremos o primeiro tópico de conteúdo. A primeira questão importante é a noção de realidade do conhecimento. Exemplo: admitamos que você seja advogado de um caso de Tribunal do Júri, particularmente homicídio, que é um crime doloso contra a vida. Admitamos, também, que você elabora toda sua argumentação de e convença o júri de que seu cliente é inocente. Mas qual é a verdadeira realidade? Seu cliente é não é culpado mesmo? Esse quadro criado é realmente a realidade? Aquele quadro em que o setor de criminologia da polícia de SP criou a respeito do caso Nardoni é a realidade? E a forma como a mídia veiculou tais informações? Note que toda a cena pericial foi criada por cientistas.
Entretanto, podemos criar uma determinada realidade? Até mesmo a própria ciência pode mudar a concepção que temos. Antes, acreditava-se que os dinossauros eram todos répteis, depois descobriu-se que alguns possuíam penas. Mas, quando buscamos, com as teorias que temos dispoíveis, o que é a realidade, realmente essa realidade que estamos buscando? Ou amanhã novos indícios poderão mudá-la?
É uma pergunta que os filósofos se fazem desde os antigos gregos. Os sofistas diziam que a realidade era uma mera convenção. É a tentativa de criar um quadro que melhor convença o tribunal ou o interlocutor de que aquela é a realidade. É no momento em que o tribunal se convence que aquela passa a ser de fato a realidade.
Então, o que é verdade? Quando o professor afirma que a caneta de quadro é preta, todos acreditam. Isso é um enunciado, apontado pelo senso comum como verdadeiro. Mas não necessariamente é a verdade. A camisa de Thiago, que todos concordamos ser vermelha, é mesmo vermelha? Vejamos: amanhã se comemoram os 200 anos de nascimento de Charles Darwin. History Channel, Discovery e outros canais estão exibindo documentários sobre a teoria da evolução. Um deles mostrou que apenas os primatas enxergam o vermelho, enquanto cães só são capazes de distinguir verde e azul. Então os cientistas ficaram curiosos e realizaram um experimento com um espectrômetro para determinar os comprimentos de ondas emitidos pela luz que emerge das folhas de certas plantas. Tais folhas, que supúnhamos verdes, eram, na verdade, vermelhas, diz a análise dos dados do experimento, pois a freqüência captada pelo espectrômetro sugeria a cor vermelha. Isso porque os primatas, conforme sustenta a teoria de Darwin, evoluíram no sentido de perceber certas cores que caracterizariam o estado de amadurecimento das folhas.¹
Logo, um enunciado é verdadeiro apenas dentro de alguns parâmetros.
Digamos, então, que seu cliente foi condenado. Cabe a você, como advogado, recorrer, valendo-se do duplo grau de jurisdição garantido pela Constituição brasileira. O tribunal de primeira instância condenou o sujeito. No recurso, no momento em que você recorre, você está dizendo que aquela afirmação contida na sentença condenatória de primeira instância é falsa. Existem vários tipos de questionamentos, como negar a dosimetria realizada, a veracidade dos fatos, a validade dos elementos documentais, dos testemunhos, mas o que todas têm em comum é que em qualquer uma estamos opondo a sentença dada à sua negação. O que entra em jogo aqui é o princípio da não-contradição de Aristóteles. Digamos que uma das afirmações é:
“Chove.”
E a outra seja:
“Não chove.”
Não podem ser ambas simultaneamente verdadeiras, pois criar-se-ia um paradoxo. Aristóteles é o pai da lógica. Então, quando o juiz prolata uma sentença e você recorre, você está usando o princípio aristotélico. É o mesmo que dizer que a sentença do juiz é falsa. Estamos dizendo que aquela realidade não é a verdadeira realidade.
Mas por que, juridicamente falando, não podemos indefinidamente criar recursos?
Note que a justiça, no Direito, não é relativa. Podemos dizer que o juiz age sempre com justiça desde que ele respeite o devido processo legal ao elaborar a sentença. Mas, é de seu direito contestar essa decisão. Ao dizer que o juiz foi injusto você acaba com o próprio Direito por completo. Portanto, cuidado para não confundir justiça com sentença. De acordo com os sofistas, a realidade é um construto. É isso que Aristóteles combate: para ele, a realidade existe e é apenas uma. Cabe, portanto, aos homens o engrandecimento para chegar até ela.
Então, qual é a função do Direito?
O fim supremo do Direito é, através da ordem, conseguir a paz. Note que a ordem é o meio, a paz é o fim. O Direito visa à pacificação das lides! O que é a lide, então? Uma perturbação na paz, como uma pedra jogada num lago, que altera seu estado, criando as ondas. Trata-se do que o filósofo e estadista romano Sêneca chamava de "tranqüilidade da alma". Então, o mundo, que tem uma ordem, começa a entrar em caos. Logo, o Direito serve para restabelecer o cosmos e a ordem de acordo com os limites que o ordenamento nos dá.
Mas, porque não podemos recorrer infinitamente? Porque nunca conseguiríamos a segurança jurídica, a paz nunca voltaria, e o caos se perpetuaria. Onde está, então, o limite? Na instância suprema. Logo, quando o Supremo toma uma decisão, ele acaba de criar uma realidade.
Vejamos, agora o artigo. 2º do Código Civil:
Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. |
É o artigo da instituição da personalidade. Ela tem o início com o nascimento com vida, mas se resguardam os direitos do nascituro desde a concepção. Esse é o enunciado completo.
Vamos entender a primeira parte, e depois a segunda. A primeira tem aquela forma que vimos em Direito Civil 1: ser humano, pessoa, nascimento com vida, personalidade. É fundamental determinar a personalidade logo no começo do Código por quê? do que a personalidade é base? Da existência do sujeito de direito. Esta parte diz que só temos direito se temos personalidade. Mas só temos personalidade se nascemos com vida. Mas, e o nascituro? Então vamos para a segunda parte. Nascituro é aquele que está para nascer. Em termos lógicos, sem interpretação jurídica, é isso que diz o artigo. Como a lei pode regular sobre o nascituro? Eis uma contradição lógica entre as partes do artigo. Como resolver esse problema? Aristóteles diz: o que tem que acontecer é que deve-se eliminar uma delas. E o que fazer? No caso das assertivas acima sobre a chuva, o que se deve é verificar se está de fato chovendo.
Nós estudamos a personalidade jurídica. Vamos voltar ao art. 2º para ler apenas a primeira parte, e vamos admiti-la como verdadeira. Qual a conseqüência lógica disso? É admitir que a segunda parte é falsa, portanto, e que, decorrente disso, o aborto deveria ser permitido. A contradição é lógica, então as 3 correntes doutrinárias que estudamos a respeito do artigo (natalista, natalista moderada e concepção), que são jurídicas, não resolvem o problema.
Digamos, agora, que ficamos apenas com a segunda parte. Surge outro problema: o que é e quando se dá a concepção? É um conceito biológico, não jurídico. Dessa forma, não se pode decidir. É quando surge o zigoto, ou quando o espermatozóide fecunda o óvulo? É um conceito ambíguo, de acordo com o conceito da lógica. Por isso a primeira parte é tida como mais fundamental que a segunda, por ser menos confusa.
A crítica que se faz é que esta é uma questão moral, e não uma questão jurídica. O resguardo ao nascituro poderia estar lá para o final do Código Civil, na altura do art. 1800, dentro do livro de Direito das Sucessões, para impedir, por exemplo, que o pai deserde o filho que está para nascer. Logo, a contradição, que é apenas lógica, não é suficiente para eliminar o artigo.
Então, outro tópico que veremos é: podem as ideologias do juiz interferir em suas decisões?