Direito Internacional Público

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Conclusão do Domínio Público Internacional e Regime Jurídico das Aeronaves


Tópicos:

  1. O alto mar
  2. Estreitos
  3. Canais
  4. Rios internacionais
  5. Espaço aéreo internacional
  6. Regime das cinco liberdades
  7. A OACI

Estávamos vendo, na aula passada, o domínio público internacional. Terminamos de definir o que é o mar territorial, a zona econômica exclusiva, a zona contígua, linha de base do mar territorial, linha de bordo. Faltou ver o que são baixos a descoberto e o alto mar. Os baixios a descoberto são “ilhas”, pedaços de terra que aparecem e desaparecem de acordo com o nível da maré. Virtualmente emergem e submergem. Não têm mar territorial próprio.

 

O alto mar

No alto mar vigora o princípio liberdade, que significa liberdade quase total, com apenas algumas restrições. Os Estados não podem: destruir o meio-ambiente; eliminar os recursos vivos e espécimes; praticar pirataria, tráfico de drogas e de escravos nem fazer transmissões de rádio ilícitas. Mas podem navegar e sobrevoar livremente, colocar cabos e dutos submarinos, realizar pesquisas científicas e até fazer construções para isso. Os navios mercantes ficam sob a jurisdição somente do seu próprio Estado de nacionalidade, então estão sob a jurisdição dos navios de guerra do mesmo Estado. Navios de guerra só podem interceptar navios mercantes de outros Estados se houver fundada suspeita de prática dos ilícitos acima, bem como se houver suspeita de uso de bandeiras de conveniência.

Navios de guerra funcionam como polícia de alto mar. Têm o direito de perseguir a embarcação que violar as regras do mar territorial de seu Estado ou águas interiores. A perseguição tem que começar dentro de uma zona sob a soberania do Estado do navio de guerra e ir, no máximo, até o limite onde começa a soberania de outro Estado. É a perseguição contínua, também chamada de hot pursuit.
 

Estreitos

São corredores marítimos, linhas de mar que ligam dois mares ou oceanos. Exemplo: Estreito de Gibraltar, que liga o Mar Mediterrâneo ao Oceano Atlântico, separando Marrocos e Espanha; o Estreito de Magalhães, que fica na ponta do Hemisfério Sul, contorna o Chile e a Argentina, separando-os da Terra do Fogo, e liga o Oceano Pacífico ao Atlântico; Estreito de Bósforo: liga o Mar de Mármara ao Mar Negro.

Regime jurídico dos estreitos: é o regime da passagem em trânsito. Similar ao direito de passagem inocente, mas mais amplo: inclui também o direito de sobrevôo.
 

Canais

São linhas de água que ligam dois oceanos e/ou mares, a exemplo do Canal do Panamá, que liga o Oceano Pacífico ao Atlântico, funcionando como um atalho do Pacífico ao Mar do Caribe. A diferença é que os canais são artificiais, ao passo que o estreito é obra da Natureza. O Canal da Mancha, por exemplo, é na verdade um estreito. O regime jurídico é a voz do dono do canal, em geral o Estado onde o canal é construído. Há confusão histórica no Canal de Suez (Egito) e no Canal do Panamá, que estão em locais estratégicos. O de Suez evita que se tenha que contornar a África para ir do Oceano Atlântico ao Índico. O regime jurídico implica entendimento entre o Estado que cria o canal e os Estado cujas embarcações passam pelos estreitos.

No início, uma companhia de engenharia francesa, a mesma que construiu o Canal de Suez no século XIX, se propôs a construir o Canal do Panamá. O projeto do engenheiro francês Ferdinand de Lesseps acabou não dando certo por causa das condições adversas da região, em especial as doenças tropicais que mataram milhares de trabalhadores da construção. A companhia de Lesseps veio a falir em 1885. Os Estados Unidos, com interesse militar e econômico na região, se propuseram a dar continuidade ao projeto de engenharia francês. Iniciaram negociações com a Colômbia, a quem pertencia a região à época, que resultou no Tratado de Hay-Herran, que não veio a ser ratificado pelo Senado Colombiano. Theodore Roosevelt, o então presidente americano, sugeriu que, se os rebeldes do Panamá se rebelassem contra a Colômbia, ele daria suporte militar e apoiaria a independência do Estado panamenho. E assim aconteceu. O Panamá se tornou independente em 1913, depois de darem uma contrapartida aos americanos: permitir o controle da Zona do Canal do Panamá em troca de 10 milhões de dólares mais 250 mil anualmente.

Somente em 1977 o presidente americano Jimmy Carter celebrou com o presidente panamenho Omar Torrijos um tratado para ceder o controle do Canal ao Panamá.

O Canal de Suez, por sua vez, permite viagem do Oceano Índico ao Atlântico, ligando os mares Mediterrâneo e Vermelho. Foi construído no século XIX e quem financiou a construção foram a França e o Reino Unido. Foi celebrada a Convenção de Constantinopla, entre Egito e os demais Estados, e foi criado o regime jurídico de passagem de todas as bandeiras em tempo de paz ou de guerra. O Canal foi nacionalizado pelo presidente egípcio Gamal Abdel Nasser em 1956. O Egito hoje em dia é o dono, mas honra o compromisso da Convenção de Constantinopla. Cobra taxas de preservação.
 

Rios internacionais

São rios que banham mais de um Estado. Exemplos: Amazonas, Nilo, Danúbio, Ganges, Jordão. O Nilo, por exemplo, banha vários Estados africanos: Egito, Etiópia e Sudão. O Jordão é fonte de muitos conflitos entre Israel e Síria. Os Estados esperam que os outros não poluam a nascente nem construam obras que gerem transbordamentos. O regime jurídico dos rios internacionais é casuístico.
 

Espaço aéreo internacional

A primeira tentativa de codificação veio com a Convenção de Paris de 1919. Ela criava parâmetros e limitava a liberdade dos Estados de celebrar tratados sobre o assunto. O regime do espaço aéreo é regido por regras gerais, mas a dinâmica é ditada pelos entendimentos bilaterais entre os Estados. A Convenção de Varsóvia de 1929 regula tudo aquilo que seja responsabilidade do transportador: desvio de bagagem, acidentes aéreos, atrasos de vôo, etc. Está em vigor até hoje. Fixa montantes de indenização quando se perde a bagagem. É interpretada junto com outros dispositivos legais como o Código de Defesa do Consumidor. Houve um caso em que uma pessoa juntou dinheiro por um longo tempo para fazer sua tão sonhada viagem, quando percebeu que sua bagagem havia sido extraviada ao chegar ao destino. Passou toda a estada sem a bagagem. Claro que o desafortunado ajuizou uma ação de perdas e danos contra a companhia aérea. Mas o detalhe é que, quando ele retornou ao Brasil, sua mala estava intacta, à sua espera. O caso foi ao Supremo.

Depois veio a Convenção de Chicago de 1944 sobre Aviação Civil Internacional. Assume o mesmo modelo da Convenção de Paris: regras gerais que limitam liberdades dos Estados para celebrar tratados sobre aviação civil internacional.

As Convenções de Genebra e de Montego Bay criaram regras para a aviação internacional na medida em que proíbem o sobrevoo afrontoso sobre o mar territorial dos Estados.

Como se delimita o espaço aéreo do Estado? Sobre o mar territorial, o Estado exerce soberania exclusiva. Mas até que altura? Não existe. Por que existe essa regra? Em função da segurança territorial, que independe da altura. Qualquer que seja a altura que uma aeronave voa ela causa ameaça; a bomba lançada atingirá o solo cedo ou tarde. E as fronteiras? Também não existem fronteiras aéreas, que são determinadas de acordo com as fronteiras terrestres e marítimas. Tudo é tomado por aproximação. Por isso que muitas vezes os Estados adentram no espaço aéreo de outro sem permissão.

No espaço aéreo internacional, os Estados têm direito de soberania sobre seu território e sobre seu mar territorial. O Estado não tem direito de soberania sobre nenhum outro espaço afeto à sua soberania, como a plataforma continental, a zona econômica exclusiva ou a zona contígua. Os direitos de soberania terminam no mar territorial. O restante é espaço aéreo internacional.

Os Estados podem sobrevoar livremente o alto mar, com uma observação: a Convenção de Chicago só se aplica às aeronaves civis. A Convenção diz que sobre o alto mar as aeronaves estão sujeitas às regras da OACI. Ainda que haja o princípio da liberdade, um Estado, na prática, está sujeito às orientações do Estado de aproximação.

Definição de aeronave: engenho que se mantém na atmosfera graças à resistência ao ar. Balão também é considerado aeronave.

Toda aeronave tem que ter uma nacionalidade, e apenas uma. Não é como a nacionalidade do indivíduo. Para as aeronaves, assim como para os navios, a “nacionalidade” é um o vínculo de sujeição administrativa ao Estado. A nacionalidade, por assim dizer, é determinada de acordo com o Estado onde ela é registrada. As Convenções de Chicago são firmes em pedir que as aeronaves tenham seu próprio registro em uma única nacionalidade, para combater as matrículas de conveniência. As Convenções também distinguem as aeronaves de Estado das aeronaves civis, se aplicando as regras somente às aeronaves civis. O regime das cinco liberdades, por exemplo, que veremos a seguir, só é aplicado às aeronaves civis.

O que é aeronave de Estado? A que desempenha atividades estatais típicas: postais, militares, de polícia... são determinadas em função de serviços que prestam. Aeronave civil serve a propósitos comerciais. As Convenções de Chicago não são aplicáveis às aeronaves de Estado.
 

Regime das cinco liberdades

São instituídas pelas Convenções de Chicago.

  1. Primeira liberdade: liberdade de sobrevoo do território;
  2. Segunda liberdade: liberdade de escala técnica, quando for necessário o pouso;
  3. Terceira liberdade: liberdade de desembarcar passageiros e mercadorias provenientes do Estado de nacionalidade da aeronave;
  4. Quarta liberdade: liberdade de embarque de passageiros e mercadorias com destino ao Estado de nacionalidade da aeronave;
  5. Quinta liberdade: liberdade de embarque e desembarque de passageiros e mercadorias com destino a ou provenientes de outros países membros da OACI.

Só pelo fato de ser membro da Convenção de Chicago, o Estado já tem o direito de sobrevoo e de escala técnica, que são as duas primeiras liberdades. Essas duas liberdades são as únicas que decorrem diretamente das Convenções. As outras decorrem de entendimentos bilaterais. Estamos falando de aviação civil. A terceira, então, é a liberdade de desembarcar passageiros e mercadorias que provenham do Estado de nacionalidade da aeronave.

A quarta liberdade é a de embarque de passageiros e mercadorias com destino ao Estado de nacionalidade da aeronave. Exemplo: é direito da TAM de embarcar, no aeroporto de Charles de Gaulle em Paris, pessoas com destino ao Estado de nacionalidade da aeronave, que é o Brasil.

Em geral essas duas liberdades fazem parte do mesmo tratado. As relações entre Brasil e França vão no mínimo até a quarta liberdade. Nossas relações com o Marrocos chegam até a quarta liberdade também. Entretanto não podemos ir até Londres num avião da Royal Air Maroc.

A quinta liberdade é a mais ampla. É a liberdade de embarque e desembarque de passageiros e mercadorias com destino a ou provenientes de outros países membros da OACI. É a que permite que passageiros peguem o avião da Aerolineas da Argentina no Rio de Janeiro e desembarquem na cidade de Santiago no Chile. Significa que as relações do Brasil com Argentina vão até a quinta liberdade.

Essas regras só se aplicam às aeronaves civis ¹. Não valem para aeronaves militares. Tanto aeronaves britânicas quanto americanas têm o direito de sobrevoo sobre o território francês, desde que seja uma aeronave civil. Contudo os aviões militares procedentes dos EUA com destino ao Iraque ou Afeganistão não terão direito de passar livremente, salvo entendimento anterior entre os dois Estados. As regras da OACI só valem para aviação civil internacional.

A OACI

A Organização de Aviação Civil Internacional é uma organização internacional com sede em Montreal. Não tem competência executória, não pode fiscalizar o cumprimento das regras das convenções de Chicago de supervisão aérea. São os Estados que fiscalizam se suas aeronaves estão cumprindo as regras de aviação internacional. A OACI busca uniformizar regras, dando assistência técnica, tem um órgão de solução de conflitos internacionais, que é um fórum de solução de conflitos aberto aos Estados. Se não houver entendimento, os Estados vão à Corte Internacional de Justiça.

Tudo que se trata de segurança do tráfego aéreo internacional é regulado por outras convenções. Convenção de Chicago e Varsóvia não tratam da proteção to trafego aéreo internacional, ilícitos na aviação civil, seqüestro, terror, etc. Foram celebradas, desde Chicago, algumas outras convenções:

Com base na Convenção de Montreal de 1971, a Líbia indenizou as famílias das vítimas do atentado de Lockerbie, que já estudamos. Líbia sempre insistiu que nada tinha a ver com a história e que todos os terroristas eram particulares.

Emendando essa convenção, houve o Protocolo de 1984, sobre proteção do trafego aéreo contra abuso do direito de segurança dos Estados. Os Estados têm limitações, e não podem abater aeronaves em pleno vôo só porque adentraram em seus espaços de soberania. Os Estados devem proceder de forma a se certificar que os aviões que se recusam a se identificar são ameaçadores. Exemplo: União Soviética abateu um Boeing 747 da Korean Airlines em 1983, num impetuoso episódio de superprecaução. A comoção pela morte dos 269 civis a bordo motivou a criação do Protocolo de Montreal.

O importante é que os Estados evitem tomar esse tipo de atitude, e se certifiquem que as aeronaves oferecem mesmo algum risco.  


  1. Pouco antes desta frase a professora disse um trecho de 20 segundos, que não consegui copiar, e o áudio ficou muito ruim.