Direito Processual Civil

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

O litisconsórcio


Tópicos:

  1. Substituição das partes e dos procuradores – conclusão
  2. O litisconsórcio
  3. Classificação do litisconsórcio quanto ao momento de sua formação
  4. Classificação do litisconsórcio quanto à posição dos litisconsortes
  5. Classificação do litisconsórcio quanto à obrigatoriedade de sua formação
  6. Classificação do litisconsórcio quanto ao resultado da demanda
  7. Art. 46
  8. Art. 47

Substituição das partes e dos procuradores – conclusão

Na aula passada ficamos de finalizar dois artigos bastante simples. Em seguida, vamos desenvolver e discutir os artigos relacionados ao litisconsórcio.

Durante o processo, pode haver o interesse em permanecer na ação, e, levando em consideração também o estatuto da OAB, a parte poderá escolher seu procurador ou este, caso queira, poderá não continuar, renunciando ao mandato de seu cliente. É o que diz o art. 44 do Código de Processo Civil, que traz a possibilidade da revogação ao caso concreto:

        Art. 44.  A parte, que revogar o mandato outorgado ao seu advogado, no mesmo ato constituirá outro que assuma o patrocínio da causa.

Isso significa que, na qualidade da parte, o advogado poderá sair, e substabelecer outro advogado, que será escolhido pelo cliente. É uma solução para o cliente insatisfeito. Alerta: o advogado que estava na procuração deve entregar o processo para o novo advogado ou para o cliente mediante recibo, com data, e constando “conforme interesse do próprio cliente”, etc., ou seja, informações incluídas de comum acordo para dar segurança. Por que razão, exatamente? Para evitar qualquer situação, como o cliente não conseguir recorrer tempestivamente. Então isso permite à própria parte e ao advogado segurança, para que não haja reclamação quanto a recursos fora de prazo. Isso raramente acontece. Mas também há possibilidade de o advogado renunciar ao mandato. E aqui vem outro alerta: o próprio art. 45 e o estatuto da OAB permitem que o advogado renuncie ao mandato de seu cliente. Observaremos que muitos advogados se tornam médicos, dentistas, empresários, físicos, e o cliente ligará a qualquer hora para ele, por causa da confiança outrora depositada no advogado. Por outro lado há clientes chatos mesmo. Como os que ficam perguntando todos os dias se uma decisão saiu. Neste caso, o advogado tem o direito de renunciar o próprio mandato. Art. 45:

        Art. 45. O advogado poderá, a qualquer tempo, renunciar ao mandato, provando que cientificou o mandante a fim de que este nomeie substituto. Durante os 10 (dez) dias seguintes, o advogado continuará a representar o mandante, desde que necessário para Ihe evitar prejuízo.

Vejam só: o advogado pode renunciar, mas não simplesmente. Há prazos de 10 dias para permanecer se for preciso para evitar prejuízo ao cliente. Imagine que há um prazo de 5 dias em andamento para interpor um recurso. Seria complicado para o cliente mudar de advogado tão rapidamente. Existe contrato, portanto o advogado terá que respeitar. O cliente levará prejuízo porque a defesa será prejudicada por não conseguir arrumar advogado em tempo de recorrer.

Também se lembrem que o advogado não pode deixar de cientificar o cliente. Os advogados têm que ter cuidado nesse sentido, como enviar carta com AR, telegrama, e-mail com confirmação, etc. e guardar o recibo. É uma segurança para o advogado. Se amanhã houver problema o ex-cliente não poderá reclamar. E também para evitar representação em processo disciplinar junto à OAB.

Verificamos que o advogado não deixa o cliente levar prejuízo. Portanto o prazo de 10 dias. Assim sendo, trabalha-se com ética, conhecimento e responsabilidade. Outras pessoas notarão isso ¹.
 

O litisconsórcio

Vamos trabalhar agora o litisconsórcio, um conteúdo bastante polêmico. Não vamos terminar na aula de hoje, em que vamos ver a identificação e formação do litisconsórcio. Semana que vem devemos ver intervenção de terceiros, denunciação da lide e chamamento ao processo.

Alguns doutrinadores, em vez de denominar litisconsórcio, chamam de pluralidade das partes. Vamos verificar agora a formação do litisconsórcio. O significado da palavra nós já temos uma noção, que aprendemos na aula de Teoria Geral do Processo de 30/03.

Na maioria das vezes, a ação ocorre entre A e R. Não há sequer o litisconsórcio. O autor ajuíza em face do réu, reclamando qualquer direito lesado ou ameaçado. Na maioria das vezes é assim. Essa regra não é absoluta, porque veremos que são várias as situações em que podem figurar múltiplos autores ou réus. Há a possibilidade, nessas situações, de formarem-se alguns litisconsórcios, tanto na parte passiva quanto na ativa dessa relação jurídica processual. 

A doutrina, usando própria interpretação da jurisprudência, achou justificativa para isso: por qual razão usar litisconsórcio? Para não criar um novo processo. O que está por trás é o princípio da economia processual. Lembrando que não é apenas dinheiro extra que gastaria, mas também um lapso de tempo. O litisconsórcio visa, ao mesmo tempo, a própria economia processual, o tempo, e que o processo deve se iniciar o quão mais rapidamente possível. Por outro lado, alguns autores falam que, além desta economia processual, há a existência também de segurança jurídica no sentido de evitar decisões diferentes para os autores A1 e A2. Veremos o litisconsórcio classificado quanto ao resultado das decisões também, em breve.

O litisconsórcio, então, corre quando duas ou mais pessoas figuram como autoras ou rés no processo. Essa é a definição.

Esta é a parte que precisamos identificar por agora. Vejam só: como fazer a formação do processo? Quais são as decisões, como deverão ser? Observaremos que às vezes o que está escrito aqui em relação às classificações não é idêntico de doutrina para doutrina, mas a idéia é a mesma.
 

Classificação do litisconsórcio quanto ao momento de sua formação

Quanto ao momento da formação, a doutrina pacífica fala em dois tipos:

Podemos criar o litisconsórcio desde o início da formação da relação jurídica processual. Ou seja, ao ajuizar, o autor reúne-se com os demais autores e ajuízam contra determinada empresa, por exemplo, de aviação. É comum a formação de litisconsórcio por passageiros contra empresas aéreas, quando um problema em relação ao vôo ocorre, ou de parentes de vítimas, quando uma aeronave cai. Também em acidente de automóveis em que existe mais de uma vítima. Neste caso, elas poderão ajuizar, desde o início, ação contra o responsável. Por isso se chama de litisconsórcio inicial.

Além do litisconsórcio inicial, temos o litisconsórcio ulterior, que se forma no decorrer do processo. Não esqueçam que não é qualquer pessoa que pode entrar no processo, porque deve ser parte legítima. Deve-se notar a capacidade de ser parte ao ingressar num litisconsórcio para processo já em andamento. É necessário que se demonstre a relação jurídica. Deve-se observar, por exemplo, se existe uma dívida solidária. Os devedores solidários serão chamados na intervenção de terceiros. É, portanto, um litisconsórcio ulterior, porque a formação ocorreu depois da formação do próprio processo.

Lembrando: jamais sejam fiador de ninguém. Faz bem para a manutenção da amizade.
 

Classificação do litisconsórcio quanto à posição dos litisconsortes

Temos algumas situações interessantes aqui. Em Teoria Geral do Processo aprendemos a posição dos litisconsortes. Temos os três tipos de litisconsórcio:

O ativo é aquele em que múltiplos autores ajuízam juntos, no pólo ativo da demanda, em face de um mesmo réu. Como os passageiros insatisfeitos contra a determinada companhia aérea. A partir daí, temos a possibilidade de formar o litisconsórcio no início ou depois de já estabelecida a relação jurídica processual. O litisconsórcio ativo é a existência de mais de uma pessoa na parte ativa dessa relação. Já o litisconsórcio passivo terá exatamente o mesmo raciocínio, mas para a parte passiva. Um único autor ajuizando em face de múltiplos réus nessa relação. Exemplo: credor de obrigações solidárias, em que, por exemplo, um devedor principal nomeou os fiadores F1, F2 e F3, e, no descumprimento do pactuado, o credor ajuíza em face de todos os quatro.

No litisconsórcio misto, unimos as duas noções. A1 + A2 vs. R1 + R2. Normalmente a relação jurídica pode começar apenas entre A1 e R1, mas nada impede que A2 e R2 ingressem na relação posteriormente.
 

Classificação do litisconsórcio quanto à obrigatoriedade de sua formação

Veremos que o litisconsórcio, de vez em quando, nem precisará ser formado. Às vezes queremos. O Código permite, especialmente quando o direito é disponível, que a pessoa terá toda a liberdade de ajuizar em face de alguém. É o direito de ação, facultativo, facultas agendi. Por outro lado, também podemos perceber situações em que há a obrigação de se litisconsorciar. Então, quanto à obrigatoriedade de sua formação, o litisconsórcio pode ser:

O facultativo está no art. 46 do CPC, enquanto o necessário está no art. 47. Esta é a idéia que veremos nesses artigos logo mais.
 

Classificação do litisconsórcio quanto ao resultado da demanda

Alguma doutrina usa o nome “litisconsórcio quanto aos efeitos” em vez de resultado, ou “litisconsórcio quanto à decisão”, ou até “litisconsórcio quanto à sentença.” Por que efeitos? Porque têm a ver com resultado da demanda, que fatalmente gerará efeitos. Na sentença, o juiz pode dizer que o autor ganhou ou perdeu. Então a doutrina coloca o seguinte raciocínio: que tipo de sentença o juiz emitiu? Depende. Pode ser uma decisão simples ou unitária, também chamada por alguns de decisão uniforme. O Código não usa o nome “unitária”, mas usa a “simples”. Entretanto prestem atenção à palavra unitária. Alguns concursos inclusive nem usam o termo litisconsórcio, mas pluralidade das partes. Interpretem as questões para saber se se trata de um litisconsórcio.

Por que simples? Simples é a espécie de decisão judicial diferenciada para cada um dos litigantes, como o valor recebido por cada autor. No caso da tragédia com um avião que cai, matando todos seus passageiros, as famílias das vítimas irão ajuizar o pedido de indenização, mas a decisão será diferente na medida do impacto causado. Se havia um pai de família lá, o provedor do sustento, o juiz poderá determinar que a empresa aérea pague uma pensão mensal ad eternum para a família, que deverá ter pelo menos o mesmo valor que o salário daquele falecido pai. Diferente é o caso de um jovem sem maiores responsabilidades, que por acaso estava a bordo.

Significa então que, para cada litigante, há um resultado diferente. É o que diz a doutrina pacifica. Essa é a decisão simples.

O resultado, se unitário, em que o juiz emite uma decisão igual para as partes, como o exemplo trazido por Moacir Amaral dos Santos, em que alguém ajuíza ação de anulação de casamento. Pode a decisão ser diferente para cada um dos cônjuges? Não mesmo. A anulação para um óbvia e obrigatoriamente importará anulação para o outro também.

Encerramos as classificações do litisconsórcio. Isso será importante para as próximas aulas.
 

Art. 46

O art. 46 demonstra algumas situações em que verificamos que o litisconsórcio é facultativo:

CAPÍTULO V
DO LITISCONSÓRCIO E DA ASSISTÊNCIA

Seção I
Do Litisconsórcio

        Art. 46.  Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando:

        [...]

Quando verificamos que há litisconsórcio facultativo, significa que não há obrigatoriedade de sua formação. Forma-se se a pessoa quiser entrar. É um artigo simples. O caput já dá uma idéia: “duas ou mais pessoas”. Neste caso, quando pode acontecer? Inciso I:

        I - entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide;

Suponha que temos uma obrigação contratual, uma obrigação solidária entre as pessoas da parte passiva da relação jurídica processual. Neste caso, estamos diante de uma situação em que há comunhão de obrigações em relação a uma lide. ²

Dentro da petição inicial, virá escrito o nome de C, que é o credor, que ajuíza a ação em face do fiador F1, também discriminado. Ainda não estamos diante de um litisconsórcio pois só há dois sujeitos processuais. O fiador foi estabelecido num contrato, que é instrumento de direito material. Digamos um contrato de locação, com a identificação do locador, locatário, fiadores, objeto, etc. Assinam o proprietário do imóvel (locador, credor), inquilino (locatário, devedor principal), fiador 1, fiador 2 e fiador 3 (todos devedores solidários). Nesse contrato já temos uma relação jurídica formada, uma relação jurídica de direito material. Quando esse locador resolve ir a juízo, ele incluirá os nomes dos fiadores no processo, escrevendo-os na petição inicial, talvez porque tenha havido inadimplência. O credor provoca o juiz na Vara de Cobrança. Após a citação de F1, F2, F3 e do devedor principal, estes poderão aparecer no processo. O credor pode, se desejar, acionar somente F2. Nisso, o juiz poderá chamar F1, F3 e o devedor principal.

Isto acontece muito na prática.

O litisconsórcio é facultativo, porque o credor só quis acionar um deles. Mas, e se o credor quiser acionar todos de uma vez? Ele poderia fazê-lo, perfeitamente.

Inciso II:

        II - os direitos ou as obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito;

Quando compramos uma passagem daqui para São Paulo, estamos diante de um contrato. O bilhete do transporte é um contrato. A compra e venda num supermercado também é um contrato. Não há contrato escrito, mas tem seus efeitos. Se acontecer algo na viagem, basta mostrar o contrato de transporte (o bilhete), que é o fundamento. Se sofrermos dano, poderemos pedir indenização. O Poder Judiciário poderá ser acionado. Um acidente entre um ônibus, um caminhão e um carro, que também sobrou para duas casas à margem da rodovia, causado por dolo eventual ou culpa de um dos motoristas, poderá ser resolvido como? Os proprietários dessas duas casas afetadas poderão, sem dúvida nenhuma, ajuizar contra aquele causador, o motorista do caminhão, ou mesmo contra a empresa dona da carga. Então a idéia é que há existência de um fato entre eles. Assim sendo cada um pode acionar o causador do desastre. Pode apenas um dos moradores ajuizar, e não haverá problema. Mas, dentro do princípio da economia processual, os moradores poderão ajuizar juntos.

Inciso III:

        III - entre as causas houver conexão pelo objeto ou pela causa de pedir;

Fala sobre uma conexão entre causa de pedir e pedido. Nos arts. 103 e 104, que tratam da conexão e continência, que veremos dentro da matéria de competência, veremos a possibilidade de demonstrar quando acontece uma ou outra coisa. Como poderemos verificar qual é o caso? Muito simples. Se observarmos, no exemplo acima, existe uma conexão entre devedores e credores? Sim. Também para o exemplo do acidente envolvendo múltiplos motoristas e passageiros. Existe entre eles conexão, objeto, e fundamento, conforme a causa de pedir. Podem todos os passageiros que estavam no ônibus, acionando uma conexão, ajuizando em face daquela empresa de carga do caminhão, formando, dessa forma, um litisconsórcio.

Também pode acontecer de alguém estar com o carro de outra pessoa e causar acidente contra terceiro. O terceiro pode acionar o motorista do carro, porque dentro do direito material, quem causou o dano foi o motorista. Mas perguntamos: o abalroado, na qualidade de vítima, acionar o proprietário do automóvel? Sim. Por que razão? Embora tenha sido o motorista, que não é o proprietário, o causador do acidente, a vítima pode ajuizar em face dos dois de uma só vez.

Inciso IV:

        IV - ocorrer afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito.

Neste caso, há existência de uma afinidade. Há uma ligação, um liame entre eles. Ernane Fidelis cita um exemplo bastante interessante: um rebanho de bovinos criados numa propriedade rural tem por donos A, B, C e D. Cada um possui algumas das cabeças de gado, e só eles sabem diferenciar qual animal pertence a quem. Este rebanho invade a fazenda do vizinho, causando prejuízo. Há afinidade por ponto comum. Todos os proprietários do gado têm responsabilidade. O proprietário da fazenda vizinha poderá acionar um ou vários, pois não há identificação de qual cabeça de gado pertence a quem.

Outro exemplo: um sujeito deseja praticar um ato de comércio exterior. Ele contrata duas empresas de seguro para assegurar a carga a ser transportada no navio. Se o sinistro ocorrer, pode-se acionar a seguradora A, a B ou ambas. Assim sendo, o que pode acontecer é se formar a relação jurídica desde o início ou no decorrer do processo.

Parágrafo único:

        Parágrafo único.  O juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa. O pedido de limitação interrompe o prazo para resposta, que recomeça da intimação da decisão.

Por que razão? Porque precisam-se citar todos os litisconsortes para que haja a formação. Sem a citação o litisconsórcio não se forma. Então o juiz poderá limitar o litisconsórcio. Também para a celeridade do processo, e até para preservar o princípio da igualdade das partes.

Terminamos o litisconsórcio facultativo.
 

Art. 47:

        Art. 47.  Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo.

        Parágrafo único.  O juiz ordenará ao autor que promova a citação de todos os litisconsortes necessários, dentro do prazo que assinar, sob pena de declarar extinto o processo.

Muito simples. Não é que o sujeito quer que se forme um litisconsórcio, mas este se forma necessariamente. Lembram-se quando falamos do litisconsórcio uniforme ou unitário? É claro que é necessária a citação de todos os litisconsortes. Como a ação de anulação de casamento. Existe esse exemplo e também outros quando há contrato prevendo a anulação.

O próprio juiz ordena ao autor que requeira a citação de todas as partes. Após a citação de todos eles será formada a relação jurídica processual. Mas é preciso que se tenha a citação de todos, ou o processo será extinto.


Na quarta-feira, veremos assistência, oposição e, se possível, intervenção de terceiros.

  1. O bem atrai o bem.
  2. Não precisa, se lhes forem cobrado o fundamento de uma resposta, especificar qual é o inciso que traz as normas, avisa o professor.