Filosofia do Direito

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Karl Marx



Esta é a segunda parte da aula de quinta, 08/06. A primeira parte se trata da continuação dos comentários à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e foi deslocada para o final da aula de 03/06, para manter a continuidade.

Nesta semana encerramos nossas atividades. Vamos começar a aula sobre Karl Marx.

Por que Marx? Devemos, com serenidade, refletir sobre tudo e sobre todos, mantida a postura com que nós transitamos desde Sócrates até Karl Marx, sem realizarmos apologia de ninguém, buscando iluminar o pensamento de todos, sem afastar qualquer crítica.

Marx é um dos sujeitos que mais influências exerceu sobre o pensamento dos povos. Está na galeria de Aristóteles, Rousseau, Hobbes, São Tomás de Aquino. São pensadores que exerceram uma profunda influência nas civilizações. Como poucos, o poder das ideias foi exercido a partir do pensamento de Karl Marx.

Há de se dizer de Karl Marx o que se diz de Elvis: não morreu. Está vivo nesse curso serpenteante da história, e, amanhã, suas ideias estarão retomadas por outros por outros pensamentos históricos.

Depois vamos ver a relação entre Marx e a burguesia. É um dos produtos intelectuais da Revolução Francesa, e do mundo burguês e capitalista. É também um de sues maiores interpretes. Delfim Neto, grande economista brasileiro, deve ter lido e relido O Capital pelo menos vinte vezes para entender Economia Política. Há o Marx filósofo, historiador, moralista, e até profeta. Fazem um todo, mas um todo muito facetado. Só se entende Marx se se fizer a relação com sua origem renegada: judaísmo. Judeu desviante, pobre e rebelado. Declina, mas carrega no seu inconsciente.

Acabou e não acabou a Revolução Francesa. Vamos para Karl Marx (1818 – 1883).

Acabou e não acabou porque é um enigma e um paradoxo. Não há na história nenhuma revolução maior que a Revolução Francesa. A Revolução Russa está virtualmente morta, mas a francesa está viva. As grandes bandeiras da Revolução Francesa foram traídas. O drama das revoluções é isso: não ter os ideais seguidos. Joaquim Aurélio Nabuco de Araújo uma vez disse: “sem radicais, a revolução não é feita, com radicais, não se governa.” Regra estrutural das revoluções é que os lideres são consumidos por ela mesma. Vladimir Lenin foi alvejado pelas anarquistas, que queriam suprimir a família, e queriam fazer o comunismo de Platão, o amor livre. Lenin as acusou de terem consciência burguesa. Resolveram reagir com bons tiros em Lenin. Trotsky vai para o exilio e lá morre. O chefe da polícia do Czar assumiu: Joseph Stalin.

Na Revolução Francesa não foi diferente: Jean-Paul Marat (1743 – 1793) e Robespierre ¹, por exemplo, foram mortos. Então é uma revolução traída, que se sintetiza por uma consciência contrarrevolucionaria de Napoleão, que fundou o poder unipessoal em base militar. O liberalismo e a democracia da Revolução Francesa terminam no poder despótico de Napoleão.

Karl Marx é produto da Revolução Francesa. Com a frustração histórica que ensejou, criou um desespero na consciência coletiva. Foi uma revolução feita por múltiplas forças sociais, mas a burguesia, que assumiu, governou burguesamente. Daí se chamar de “jornada de otários” o somatório das forças que concorreram para a revolução, que deram apoio à burguesia, que terminou no topo ao final do processo. Onde ficaram a liberdade, a igualdade e fraternidade? Todas foram esquecidas. Sobretudo a terceira bandeira. A liberdade ficou restrita ao plano econômico, para liberdade de empreender, e a igualdade ficou restrita à isonomia, à igualdade formal, que é relevantíssima, porém não suficiente. Em tempo de paz, em maior igualdade social e econômica, o mundo não avançou majoritariamente nessa direção. A fraternidade desapareceu completamente.

Por isso que alguém disse: “todos são iguais perante a lei, mas todos são diferentes perante o juiz.” O juiz julga de acordo com os seus preconceitos.

Por que Karl Marx tem relação com a Revolução Francesa? Porque dali surgem as ideologias contestatárias modernas. Que ideologias são essas? As negações da Revolução Francesa são o socialismo, o anarquismo e o comunismo modernos. São produtos da frustração da Revolução Francesa. Socialismo é a ideia de que há de se fazer uma harmonia entre capital e trabalho. Anarquismo é a ideia de estado elidido imediatamente, para que se estabeleça o primado da comunidade organizada sobre o mundo. Em conselhos, teriam controle da vida. E o comunismo é o mundo em que tudo é propriedade de todos, os homens reinventam a si mesmos e justificam-se a cada período de tempo. É o mundo da propriedade coletiva e não mais da harmonia entre capital e trabalho como no socialismo.

Tudo isso em tese. Vejam a desigualdade entre as duas Alemanhas do século XX pós 1945! O custo da unificação foi abissal, profundo, porque a Alemanha Oriental era satélite da União Soviética.

Jean-Paul Sartre (1905 – 1980) escreveu um livro chamado “O Fantasma de Stalin.” Contava que o líder soviético, apesar de morto, continuava “aterrorizando” com as ideias que abraçou, as quais persistiram.

Nascem essas ideologias. Fazer revolução da revolução. Queria-se fazer, de imediato, uma revolução “verdadeira”. Marx é herdeiro desse sentimento, de que a Revolução Francesa foi uma revolução falsa. Quais são os fundamentos do pensamento de Marx, sem os quais não existiria Karl Marx como ficou conhecido? Primeiro deles é a Economia Política inglesa, fundada com David Ricardo, Adam Smith, Jean Charles Léonard Simonde de Sismondi, e outros mais. Essa teoria clássica é interpretação do funcionamento da economia capitalista em ascensão, e dessa economia clássica surge a teoria do valor trabalho, que vamos ver na aula de amanhã. É o trabalho que cria riqueza. O trabalho sistêmico na economia capitalista é indispensável para a geração da riqueza. Marx se apropriou dessa teoria e disse “eureka”. Dizia que tinha a chave que levaria ao maior segredo da humanidade: como um rico fica rico? Imaginou ter descoberto a explicação técnica para isso.

Ideologia alemã: Marx é alemão, advogado de formação, filho de advogado, se forma em Direito e jamais exerce qualquer atividade jurídica; tem consciência antijuridicista. Tinha embaraço profundo com o pai. E termina estudando Filosofia. Doutorou-se em Filosofia, e fez uma tese sobre os filósofos pré-socráticos, focando em Demócrito e Epicuro.

Marx navegava nas águas da Filosofia do Direito, mas com um discurso de total negação do Direito. É chamado hegeliano de esquerda, discípulo de Hegel, que escreveu uma grande Filosofia do Direito. “Crítica à Filosofia do Direito de Hegel” foi uma obra que escreveu. Disse: “coloquei Hegel de cabeça para baixo”. Fez papel de criatura como criador, acreditando ter virado a página do mestre.

Escreveu outro livro chamado A Questão Judaica, já que Marx é um judeu pobre e desviado, e também escreveu sobre Direito em O 18 Brumário de Luís Bonaparte. Falava sobre funcionamento jurídico-político da sociedade. Preocupação: a história se repete ou não? Chegou à conclusão que não, salvo como farsa. Luís Bonaparte ou Napoleão Bonaparte: o sobrinho quer ser novamente o tio, uma contrafação, mas Napoleão nunca se repetirá. Fracassou na guerra franco-prussiana. Alemanha derrotou a França em grande estilo.

São nessas três obras que está o fundamento de Marx: o 18 Brumário de Luís Bonaparte, a Questão Judaica e na Crítica à Filosofia do Direito de Hegel.

Ele irá então dialogar com a ideologia alemã, grande escola de Filosofia, que é a consciência da ascensão da burguesia, e, dessa escola filosófica, tirará dois conceitos cruciais para o estabelecimento de seu método: dialética a materialismo. Chamou-o de método do materialismo histórico dialético. Ambos vêm da Filosofia Alemã pretérita; o que o que Marx faz é construir uma teoria da história com essas duas variáveis.

Por fim, terá uma relação íntima, porque expulso da Alemanha, e é transformado em apátrida. Foi expulso de três países. Ganhou intimidade com o pensamento francês, e tomou conhecimento da Sociologia Política Francesa, que nasce imediatamente após a Revolução Francesa. É de lá que Marx tirou dois conceitos fundamentais para seu pensamento: luta de classes e revolução. Não é um conceito dele, mas da Sociologia Política Francesa, de onde também veio o termo revolução.

Quem está nessa Sociologia política francesa? Três figuras que constituem o socialismo que Marx chamou de utópico. Proclamou, então, que estava criando o socialismo científico, daí seu caráter “moderno” e positivista. Considera que ser ciência é ser tudo. A verdade tem que ser verdade científica, ou não é verdade. É positivista como qualquer positivista. Mesmo tendo lutado para não ser.

Dialogou com dois pensadores: o primeiro é Henri de Saint-Simon (1760 – 1825); o que Marx ficou devendo a ele não está escrito. Outro é Charles Fourier (1772 – 1837), que fez parte da Sociologia política francesa. Havia ainda outro, chamado Owen, um inglês que viveu na França. Todos têm em comum o socialismo humanitário com o qual pretendem compatibilizar o homem com os maiores valores morais do Cristianismo. Owen é arquimilionário e financia a aplicação de suas ideias. Criou centenas de falanstérios, microssociedades perfeitas, em que homens e mulheres se tratavam segundo o princípio da igualdade, não havia polícia, álcool, violência. Um microorganismo perfeito, diferente do todo, pretendendo provocar a metástase do bem. Foi tão exemplar, tão harmônico, tão perfeito, tão luminoso, tão solidário e tão paterno que vai inspirar a criação de tantas outras manchas que, nessa ideia de metástase do bem, vai fazer com que eles se multipliquem vertiginosamente na sociedade e quando a grande sociedade perceber, já estará toda tomada pelo sangue bom, pela agenda do bem.

Mas é claro que algo deu errado. O que foi? Os socialistas utópicos não tinham a mínima ideia de um conceito chamado estrutura social, que jamais permitiria que essa metástase do bem mudasse sua natureza. Estrutura social está para a sociedade assim como a moldura está para o quadro. Ela limita o quadro. A estrutura da sociedade é uma barreira que limita-a fazendo com que mantenha sua forma de ser.

Vamos ver como funciona a estrutura social: Ernesto Che Guevara (1928 – 1967), médico das classes medias argentinas, idealista, se tornou revolucionário mundial, fazendo lutas revolucionárias da Bolívia ao Congo. O que Guevara queria? “Passar o mundo a limpo”. Zerar tudo, e criar uma sociedade, em tese, paradisíaca. Sem sociedade de mercado, burguesa e capitalista. Guevara morreu em 1967 na Bolívia e é hoje uma das imagens mais vendidas no mundo. Isso porque o mercado moderno, burguês e capitalista se apropriou de sua imagem tanto que hoje até baterias de automóvel são vendidas com a cara do sujeito. Pela culatra! Acabou funcionando como instrumento da sociedade capitalista.

Fourier foi um grande crítico social de usos e costumes, e Saint-Simon foi o pensador grande e sistemático das sociedades urbano-industriais. Descobriu a indústria como grande fenômeno que fazia-a distinta das sociedades agrárias do passado. Ele quem cria o conceito de luta de classes. Nos três, e sobretudo num líder do comunismo francês chamado Louis Auguste Blanqui (1805 – 1881),2 se estabelece o conceito de revolução da revolução. Marx se apropriará desse megaconceito de revolução. Essas são as âncoras de Marx. Se não tivesse se apropriado do saber burguês, não haveria pensamento de Marx contra a burguesia. Apropriou-se de tudo que era da burguesia.

Amanhã vamos ver a teoria do valor trabalho, da dialética, o papel do materialismo, dos conceitos de luta de classes, e de evolução do pensamento.

Marx considera que descobriu a pólvora. É demasiado humano, como dizia Nietzsche. Escreveu frases sobre Ludwig Feuerbach (1804 – 1872): “os filósofos não fizeram nada mais que interpretar o mundo. Trata-se agora de transformá-lo.” Significa dizer: “eu sei como o mundo será transformado. Entre os filósofos, só eu sei!”

Esse Marx, superpotente, é evolucionista, e o evolucionismo explica de maneira problemática sua tese: sociedade primitiva, escravista, feudal, despotismo asiático, capitalista e ele tem a chave da história: ele anuncia a sociedade socialista e a sociedade comunista. A consumação da história. Eu tenho a chave!


  1. O professor mencionou um terceiro nome aqui.
  2. Mais uma vez havia outro nome ao lado deste, que não consegui compreender.