Direito Processual Civil

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Recursos nos Juizados Especiais



Vamos estudar recursos nos Juizados Especiais. Os juizados foram criados em decorrência dos antigos Juizados de Pequenas Causas. Não tinham caráter obrigatório; era um sistema embrionário do atual sistema de resolução de causas de menor valor.

Isso deu certo, e a demanda aumentou. E facilitou para as pessoas, pois não precisa de advogado, pelo menos para as causas até 20 salários mínimos. O Professor é contra a dispensa do advogado, não pela defesa da classe, mas por já ter visto gente perder causas mesmo com o direito material. Pode faltar um detalhe, a produção de uma prova, o que for. A pessoa leiga também pode não ter, com muitas vezes não tem, traquejo para entender o que foi reduzido a termo. Há até juízes que são contrários à dispensa do advogado. Há comarcas, entretanto, em que o Juizado especial praticamente acabou com a figura do advogado, por não serem lugares culturalmente de grandes conflitos.
 

Juizados Especiais Cíveis

São dois microssistemas: o dos juizados especiais estaduais e o dos juizados especiais federais. Há também os juizados especiais da Fazenda Pública. Envolve entes públicos estaduais. São todos muito parecidos.

Primeiramente, devemos saber sobre a competência. No Juizado especial cível estadual, a competência para ajuizar ação é absoluta ou relativa? Relativa! Significa que eu ajuízo nos juizados se eu quiser. Não sou obrigado. Isso é relevantíssimo, pois, optando pelo juizado, temos um sistema específico, especialmente no que toca a parte recursal. Na justiça comum o sistema recursal é maior. Embargos infringentes, por exemplo, não existem no microssistema dos juizados. Recurso especial também não. Agravo também não existe nos juizados especiais estaduais. Portanto, a escolha do juízo no qual propor uma ação é estratégia processual. Não necessariamente eu devo ir ao juizado. Há casos em que vale a pena propor a ação no juízo comum mesmo que demore mais. Em outros casos, é melhor ir ao juizado especial mesmo que se vá abrir mão do que passar dos 40 salários mínimos. E, claro, no que tange à matéria discutida: em relação aos consórcios, por exemplo, a orientação nos Juizados Especiais era para devolução imediata das prestações pagas em caso de desistência, enquanto no juízo comum a devolução deveria ser feita somente depois do encerramento do grupo. Era uma divergência jurisprudencial entre os dois sistemas.

Exemplo de situação em que fica claro que a escolha do Juizado Especial ou da justiça comum é estratégia processual: era uma vez uma tabeliã que deveria receber uma boa quantia em emolumentos de um cliente que deixara de pagar várias prestações devidas. Quando o professor foi analisar as dívidas, notou que 90% estavam prescritas. O que ele sugeriu, portanto, foi que se limitasse o tamanho da pretensão e se fosse ao Juizado, onde necessariamente haveria uma audiência de conciliação, e o sujeito poderia nem atentar para a prescrição e fazer, rapidamente um acordo. E não deu outra. Dívida prescrita é obrigação natural, que não obriga ao pagamento, mas, uma vez paga, não pode ter a devolução exigida.

Então, não existe regra fixa sobre onde ajuizar. O sistema recursal é menor nos Juizados Especiais, e isso deverá ser levado em consideração. Abandonem, desde já, a idéia simplista: “ah, a causa é inferior a 40 salários mínimos? Que bom, podemos buscar no Juizado, pois a decisão virá mais rapidamente!”
 

Recurso inominado

É o primeiro recurso.

O microssistema dos Juizados Especiais é ação sentença. Quase tão simples assim. O ato pelo qual o juiz põe fim ao processo, julgando ou não o mérito, é a sentença. No sistema comum, o recurso cabível é a apelação. Nos juizados especiais, o recurso é o inominado. É um recurso sem nome. Sem nome porque a Lei 9.099/95 fala: “contra a sentença cabe recurso.” passou a ser chamado de recurso sem nome. Embora várias pessoas interponham um recurso cujo título em epígrafe na primeira folha é “apelação” contra sentenças proferidas por juizados. O certo é interpor recurso inominado. O próprio tribunal, no entanto, pode autuar como “apelação cível nos juizados”.

O problema é quanto ao prazo. A apelação no juízo comum tem prazo de 15 dias, enquanto aqui o prazo é de 10. Não errem!

Cabimento, portanto, é contra sentença proferida pelos juizados. Exceção: não cabe recurso inominado contra sentença que homologa conciliação.

preparo. Detalhe do preparo: na apelação comum, pagamos pouca coisa aqui em Brasília: R$ 12,00, R$ 8,00... Nos recursos inominados, pagamos muito mais: o preparo em si mais as custas iniciais do processo que não foram pagas quando do ajuizamento em primeira instância! O preparo do recurso inominado, portanto, é caro, dependendo do valor da causa. Pode chegar a R$ 300,00. É justamente para o sujeito refletir antes de recorrer. Aliás, é mais um ponto a ser considerado antes mesmo de ajuizar uma ação num juizado especial.

Segundo detalhe sobre o preparo: normalmente se comprova o pagamento do preparo no ato da interposição do recurso. O recurso, como sabemos, deve estar perfeito e acabado no momento da interposição. Aqui nos juizados pode-se comprovar 48 horas após a interposição.
 

Julgamento do recurso inominado

Proferida sentença por um juizado e interposto um recurso, este vai a julgamento. Julga-se por uma turma recursal. Que turma é essa? Turma do Tribunal de Justiça ou por uma turma dos juizados? Dos próprios juizados. Essa turma é composta por três juízes de primeiro grau, não por desembargadores, como nos tribunais.

O procedimento é parecido com a apelação. Interposição, contrarrazões, remessa dos autos à turma recursal.

E o recurso adesivo? Existe nos juizados? Não tem. Isso porque recurso adesivo só cabe nas apelações, nos embargos infringentes, nos recursos extraordinários e nos recursos especiais. Não nos recursos inominados. Há um trabalho sobre isso, entretanto. Existe uma controvérsia, com pessoas que defendem o recurso adesivo porque seria bom para os juizados, e equiparam o recurso inominado à apelação. ¹ Aumenta um pouco o procedimento, atrapalharia a celeridade, mas seria algo em torno de 15 dias. Faz com que a pessoa, havendo recurso adesivo, possa esperar que a outra parte recorra. Sem recurso adesivo, a parte tem que apresentar o recurso dentro do prazo.

Tem sustentação oral. Os juizados especiais são um bom ambiente para treinar a sustentação oral. Mesmo que o caso seja economicamente pequeno, vale a pena para o aprendizado.

Não há revisor. Há relator e dois vogais. Pode haver pedido de vista.
 

Efeitos do recurso inominado

Só devolutivo. A apelação, em regra, tem efeito devolutivo e efeito suspensivo. Mas não o recurso inominado. Significa que a sentença já gera efeitos, e pode ser executada provisoriamente. Dependendo dos casos, nem chega a dar tempo de promover a execução provisória.

Julgado por uma turma recursal, a decisão proferida por essa turma é acórdão. Do julgamento do recurso inominado é proferido um acórdão.

Proferido o acórdão pela turma recursal, há algum recurso cabível? Pode-se fazer algo, ou acabou ali? Vamos responder no futuro.
 

Embargos de declaração nos Juizados Especiais

Cabem embargos de declaração contra sentenças e acórdãos, só. No microssistema dos juizados especiais as decisões interlocutórias são irrecorríveis e os julgamentos são todos pelo colegiado. O cabimento, portanto, é de sentença e acórdão. Sentença é a decisão proferida pelo primeiro grau, da qual cabe recurso inominado. Contra a sentença cabe recurso inominado e embargos de declaração, só. Os embargos de declaração também são um dos recursos cabíveis contra acórdão.

Nos juizados especiais os embargos de declaração podem ser interpostos oralmente. Professor nunca viu, mas é possível.

Requisitos dos embargos de declaração: qual a diferença quanto ao sistema comum? Omissão, contradição e obscuridade? Não só. Aqui, além dos três, há possibilidade de se interpor embargos de declaração em caso de dúvida. “Não entendi! Peço esclarecimento.” Estranho isso, mas há. Professor já suscitou num caso de perda de bagagem. Antigamente havia uma companhia aérea em que se comprava a passagem e aguardava-se o telefonema, pois poderia não atingir o número mínimo de passageiros para um voo. Se não tivesse, o passageiro que já comprara a passagem não voaria. Numa dessas tentativas de viajar, alguém perdeu a bagagem. É que aparentemente essa companhia, a BRA, era subsidiária de outra, a Varig, e não havia balcão da companhia contratada (BRA) no aeroporto; então a bagagem era despachada no balcão da Varig, inclusive com o passageiro atendido por um funcionário desta. O que o cliente fez foi ajuizar ação contra as duas empresas. A sentença foi proferida contra as duas, a BRA foi excluída do polo, e não ficou claro se a indenização havia sido reduzida pela metade, ou se cada uma das duas, ao final das contas, teria ficado responsável pela metade. A indenização, na verdade, era a mesma.

Nos juizados, quando embargos de declaração forem interpostos contra sentença, os prazos para outros recursos ficam suspensos. Não há interrupção dos prazos aqui. Por exemplo, se você interpuser embargos de declaração contra sentença proferida pelo juizado especial no terceiro dia do prazo, depois do julgamento esses três dias serão contabilizados, e seu prazo de 10 dias para interpor o recurso inominado será reduzido para sete. É chato; você tem que ficar calculando o prazo remanescente.

E contra acórdão? Atenção: aqui voltamos para a regra geral: o prazo é interrompido. Contra sentença suspende, contra acórdão interrompe. Contra sentença suspende, contra acórdão interrompe. Contra sentença suspende, contra acórdão interrompe.

Tudo o que falamos sobre embargos de declaração nos juizados especiais estaduais está resumido em três artigos da Lei 9.099/95:

Seção XIII

Dos Embargos de Declaração

Art. 48. Caberão embargos de declaração quando, na sentença ou acórdão, houver obscuridade, contradição, omissão ou dúvida.

Parágrafo único. Os erros materiais podem ser corrigidos de ofício.

Art. 49. Os embargos de declaração serão interpostos por escrito ou oralmente, no prazo de cinco dias, contados da ciência da decisão.

Art. 50. Quando interpostos contra sentença, os embargos de declaração suspenderão o prazo para recurso.

Outros recursos contra decisões dos juizados

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entendeu que, a partir do momento em que se sai do microssistema, volta-se à regra geral no que tange aos recursos.

Uma questão diferente agora: cada estado tem seu juizado. O que acontecia durante muitos anos era que se ajuizava uma ação aqui em Brasília, nos autos da qual era proferida uma sentença, contra ela se interpunha recurso inominado, e era proferido um acórdão. Em Brasília, entendeu-se em determinado sentido. Lá no Rio de Janeiro, na mesma ação, o juizado entendia de maneira diametralmente oposta. Isso era possível acontecer sim, pois o sistema recursal era tão pequeno que parava no acórdão da turma recursal daquele estado. Por isso era possível a existência de divergência entre juizados do Brasil. E mais ainda, divergência entre juizados e Tribunais de Justiça, mesmo entre juizados com o STJ, que é a corte infraconstitucional, que presta a jurisdição infraconstitucional. Teses idênticas, julgadas de maneira contrária. Isso não é interessante para o país. Importa que tenhamos julgados uniformes.

Antes não havia recurso para unificar a jurisprudência. Nos cíveis estaduais ainda não tem, só nos federais. REsp, que é direcionado justamente para isso, não cabe nos Juizados Especiais! Não cabe REsp contra acórdãos proferidos pelos juizados. E recurso extraordinário? Recurso para o STF, que diz respeito a matéria constitucional? Sim, é cabível. Incrível, pois é muito raro haver matéria constitucional de origem nos juizados subindo ao Supremo.

O Supremo se pronunciou sobre a insuportabilidade dessa situação, e passou a admitir o ajuizamento de reclamação ao STJ para discutir divergência dos juizados em relação a entendimentos do próprio STJ. É uma anomalia. O STJ editou então uma resolução para disciplinar essas reclamações sobre divergências. Noticiada a divergência, o STJ manda que se suspendam todos os julgamentos em curso no país sobre a questão controvertida até que houvesse pronunciamento da Corte Superior. A decisão teria efeito erga omnes.

Agravo: Cabe agravo nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais? Não. As decisões interlocutórias são irrecorríveis. Os juizados proferem decisões interlocutórias, especialmente em execuções. Penhora online, por exemplo. Já que não há o recurso, o que se faz, em caso de decisão desfavorável, é usar de algum sucedâneo recursal. Alguns juizados admitem mandado de segurança, outros admitem em alguma forma de correição, outros admitem na forma de reclamação... foge-se para o sucedâneo, pois não existe agravo aqui. Varia de acordo com cada juizado especial.

Vejam como de vez em quando vale a pena ir ao juízo comum para discutir sua tese, mesmo que a causa seja menor do que os 40 salários mínimos.
 

Juizados Especiais Federais

As regras daqui também se aplicam aos juizados da Fazenda Pública. A Lei 10259/01, que trata dos Juizados Especiais Federais, remete à Lei 9099/95 em alguns pontos.
 

Recurso inominado nos Juizados Especiais Federais

A diferença é que, como há ente federal, o prazo para recorrer seria dobrado, normalmente. Mas não aqui: não há prazo em dobro. A Lei 10259 fala expressamente:

Art. 9º Não haverá prazo diferenciado para a prática de qualquer ato processual pelas pessoas jurídicas de direito público, inclusive a interposição de recursos, devendo a citação para audiência de conciliação ser efetuada com antecedência mínima de trinta dias.

 
Embargos de declaração

Idem.
 

Agravo e antecipação de tutela

Agora sim, aqui cabe agravo contra decisão interlocutória! Por quê? Vejam que interessante: Lá nos juizados especiais cíveis, a competência é relativa, enquanto aqui é absoluta, e não já escolha. Portanto, tem que haver uma solução já que o sistema recursal no JEF é obrigatório.

Cabe antecipação de tutela nos juizados especiais cíveis estaduais? Já foi tema de monografia. O professor e muitos juízes acham que não cabe. Defendem que a parte deve ir ao juízo comum se a parte quiser a antecipação de tutela. O processo nem é autuado, e fica lá, sem capinha, esperando eventual conciliação. Se houver, o processo nem nasce. A antecipação de tutela não convive com o sistema porque não cabe agravo. ²

Portanto, cabe agravo no juizado especial federal. Mas não contra qualquer decisão interlocutória! Somente para decisões que decidem questões cautelares. Decisões de exame de urgência.
 

Remessa necessária

O que é mesmo remessa necessária? Em caso de condenação contra o poder público, independente de recurso, a decisão deverá ser reexaminada pelo tribunal. Aqui não tem remessa necessária, porque o valor é menor do que o limite de 60 salários mínimos, que é um dos recursos para o reexame de ofício. Mas, mesmo que não houvesse esse requisito do valor, a própria Lei dos Juizados Federais prevê a inexistência de remessa necessária:

Art. 13. Nas causas de que trata esta Lei, não haverá reexame necessário.
 

Incidente de uniformização de jurisprudência

Nos Juizados Especiais Federais há um instituto próprio para a uniformização da jurisprudência. Enquanto isso, nos Juizados Especiais Estaduais, usa-se a reclamação, essa solução provisória até que o Poder Legislativo resolva essa situação. Temos cinco Tribunais Regionais Federais. Cada região tem seus juizados. Pode haver divergência entre juizados da primeira e da terceira regiões? Sim. A solução é o incidente de uniformização no prazo de 10 dias, cabendo contra decisões conflitantes em acórdãos dos Juizados Especiais Federais.

Pode haver divergência dentro da própria primeira região. De uma turma recursal contra outra turma recursal. Também se deve usar o incidente neste caso.

Hipóteses de utilização do incidente de uniformização de interpretação:

São três possibilidades, portanto.

Esse incidente tem vários detalhes, que o professor não falará todos aqui. Estão no art. 14 da Lei 10259/2001. Há o Conselho da Justiça Federal – CJF, que existe no âmbito dos Juizados Especiais Federais. Serve para uniformizar a jurisprudência nessas três hipóteses.

Contra acórdão de turma dos Juizados Especiais Federais, em tese, quais os recursos cabíveis? Embargos de declaração, recurso extraordinário e incidente de uniformização de interpretação. “Em tese”, claro, pois cada um tem suas possibilidades específicas. Embargos de declaração nos casos de omissão, contradição, obscuridade e dúvida; recurso extraordinário se a matéria controvertida for constitucional e tiver sua repercussão geral reconhecida, e incidente de uniformização de jurisprudência nas três hipóteses acima.

Note que a Lei 10259 nada fala sobre embargos de declaração, mas veja seu art. 1º:

Art. 1o São instituídos os Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Justiça Federal, aos quais se aplica, no que não conflitar com esta Lei, o disposto na Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Significa que valem as mesmas regras para os embargos de declaração que vimos mais cedo.

Esse é o microssistema dos juizados.


  1. Leia as notas de rodapé da aula de 05/04.
  2. O amigo Guilherme, que estagia na área, testemunhou, neste momento, que no Juizado especial Cível de Brasília a autuação é feita, e, nos casos de antecipação de tutela, o processo fica concluso ao juiz para decisão. Isso hoje em dia, porque antigamente não havia mesmo autuação.