Vamos estudar recursos nos Juizados
Especiais. Os juizados
foram criados em decorrência dos antigos Juizados de Pequenas Causas.
Não tinham
caráter obrigatório; era um sistema embrionário do atual sistema de
resolução
de causas de menor valor.
Isso deu certo, e a demanda aumentou.
E facilitou para as
pessoas, pois não precisa de advogado, pelo menos para as causas até 20
salários mínimos. O Professor é contra a dispensa do advogado, não pela
defesa da
classe, mas por já ter visto gente perder causas mesmo com o direito
material. Pode
faltar um detalhe, a produção de uma prova, o que for. A pessoa leiga
também
pode não ter, com muitas vezes não tem, traquejo para entender o que
foi
reduzido a termo. Há até juízes que são contrários à
dispensa do advogado. Há comarcas,
entretanto, em que
o Juizado especial praticamente acabou com a figura do advogado, por
não serem
lugares culturalmente de grandes conflitos.
Juizados
Especiais
Cíveis
São dois microssistemas: o dos
juizados especiais estaduais e
o dos juizados especiais federais. Há também os juizados especiais da
Fazenda
Pública. Envolve entes públicos estaduais. São todos muito parecidos.
Primeiramente, devemos saber sobre a
competência. No Juizado
especial cível estadual, a competência para ajuizar ação é absoluta ou
relativa? Relativa! Significa que eu ajuízo nos juizados se eu quiser.
Não sou
obrigado. Isso é relevantíssimo, pois, optando pelo juizado, temos um
sistema
específico, especialmente no que toca a parte recursal. Na justiça
comum o
sistema recursal é maior. Embargos infringentes, por exemplo, não
existem no
microssistema dos juizados. Recurso especial também não. Agravo também
não existe
nos juizados especiais estaduais. Portanto, a escolha do juízo no qual
propor
uma ação é estratégia processual. Não necessariamente eu devo ir ao
juizado. Há
casos em que vale a pena propor a ação no juízo comum mesmo que demore
mais. Em
outros casos, é melhor ir ao juizado especial mesmo que se vá abrir mão
do que
passar dos 40 salários mínimos. E, claro, no que tange à matéria
discutida: em
relação aos consórcios, por exemplo, a orientação nos Juizados
Especiais era
para devolução imediata das prestações pagas em caso de desistência,
enquanto
no juízo comum a devolução deveria ser feita somente depois do
encerramento do
grupo. Era uma divergência jurisprudencial entre os dois sistemas.
Exemplo de situação em que fica claro
que a escolha do Juizado
Especial ou da justiça comum é estratégia processual: era uma vez uma
tabeliã
que deveria receber uma boa quantia em emolumentos de um cliente que
deixara de
pagar várias prestações devidas. Quando o professor foi analisar as
dívidas,
notou que 90% estavam prescritas. O que ele sugeriu, portanto, foi que
se
limitasse o tamanho da pretensão e se fosse ao Juizado, onde
necessariamente
haveria uma audiência de conciliação, e o sujeito poderia nem atentar
para a
prescrição e fazer, rapidamente um acordo. E não deu outra. Dívida
prescrita é
obrigação natural, que não obriga ao pagamento, mas, uma vez paga, não
pode ter
a devolução exigida.
Então, não existe regra fixa sobre
onde ajuizar. O sistema
recursal é menor nos Juizados Especiais, e isso deverá ser levado em
consideração. Abandonem, desde já, a idéia simplista: “ah, a causa é
inferior a
40 salários mínimos? Que bom, podemos buscar no Juizado, pois a decisão
virá
mais rapidamente!”
Recurso
inominado
É o primeiro recurso.
O microssistema dos Juizados
Especiais é ação →
sentença. Quase tão simples
assim. O ato pelo qual o juiz põe fim ao processo, julgando ou não o
mérito, é
a sentença. No sistema comum, o recurso cabível é a apelação. Nos
juizados
especiais, o recurso é o inominado. É um recurso sem nome. Sem nome
porque a
Lei 9.099/95 fala: “contra a sentença cabe recurso.” passou a
ser
chamado de
recurso sem nome. Embora várias pessoas interponham um recurso cujo
título em
epígrafe na primeira folha é “apelação” contra sentenças proferidas por
juizados. O certo é interpor recurso inominado. O próprio tribunal, no
entanto,
pode autuar como “apelação cível nos juizados”.
O problema é quanto ao prazo. A
apelação no juízo comum tem
prazo de 15 dias, enquanto aqui o prazo é de 10. Não errem!
Cabimento,
portanto, é contra sentença proferida pelos juizados. Exceção: não cabe recurso inominado contra sentença
que homologa conciliação.
Há
preparo. Detalhe do preparo: na
apelação comum, pagamos pouca coisa aqui em Brasília: R$ 12,00, R$
8,00... Nos
recursos inominados, pagamos muito mais: o preparo em si mais as custas
iniciais do processo que não foram pagas quando do ajuizamento em
primeira
instância! O preparo do recurso inominado, portanto, é caro, dependendo
do
valor da causa. Pode chegar a R$ 300,00. É justamente para o sujeito
refletir
antes de recorrer. Aliás, é mais um ponto a ser considerado antes mesmo
de
ajuizar uma ação num juizado especial.
Segundo detalhe sobre o preparo:
normalmente se comprova o
pagamento do preparo no ato da interposição do recurso. O recurso, como
sabemos, deve estar perfeito e acabado no momento da interposição. Aqui
nos
juizados pode-se comprovar 48 horas após a interposição.
Julgamento
do recurso
inominado
Proferida sentença por um juizado e
interposto um recurso,
este vai a julgamento. Julga-se por uma turma recursal. Que turma é
essa? Turma
do Tribunal de Justiça ou por uma turma dos juizados? Dos próprios
juizados. Essa
turma é composta por três juízes de primeiro grau, não por
desembargadores,
como nos tribunais.
O procedimento é parecido com a
apelação. Interposição,
contrarrazões, remessa dos autos à turma recursal.
E o recurso adesivo? Existe nos
juizados? Não tem. Isso porque
recurso adesivo só cabe nas apelações, nos embargos infringentes, nos
recursos
extraordinários e nos recursos especiais. Não nos recursos inominados.
Há um
trabalho sobre isso, entretanto. Existe uma controvérsia, com pessoas
que
defendem o recurso adesivo porque seria bom para os juizados, e
equiparam o
recurso inominado à apelação. ¹ Aumenta um pouco o procedimento,
atrapalharia a
celeridade, mas seria algo em torno de 15 dias. Faz com que a pessoa,
havendo
recurso adesivo, possa esperar que a outra parte recorra. Sem recurso
adesivo, a
parte tem que apresentar o recurso
dentro
do prazo.
Tem
sustentação oral. Os juizados
especiais
são um bom ambiente para treinar a sustentação oral. Mesmo que o caso
seja
economicamente pequeno, vale a pena para o aprendizado.
Não há revisor. Há relator e dois
vogais. Pode haver pedido
de vista.
Efeitos do
recurso
inominado
Só devolutivo. A apelação, em regra,
tem efeito devolutivo e
efeito suspensivo. Mas não o recurso inominado. Significa que a
sentença já
gera efeitos, e pode ser executada provisoriamente. Dependendo dos
casos, nem
chega a dar tempo de promover a execução provisória.
Julgado por uma turma recursal, a
decisão proferida por essa
turma é acórdão. Do julgamento do
recurso inominado é proferido um acórdão.
Proferido o acórdão pela turma
recursal, há algum recurso
cabível? Pode-se fazer algo, ou acabou ali? Vamos responder no futuro.
Embargos de
declaração nos Juizados Especiais
Cabem embargos de declaração contra
sentenças e acórdãos,
só. No microssistema dos juizados especiais as decisões interlocutórias
são
irrecorríveis e os julgamentos são todos pelo colegiado. O cabimento,
portanto,
é de sentença e acórdão. Sentença é a decisão proferida pelo primeiro
grau, da
qual cabe recurso inominado. Contra a sentença cabe recurso inominado e
embargos de declaração, só. Os embargos de declaração também são um dos
recursos cabíveis contra acórdão.
Nos juizados especiais os embargos de
declaração podem ser
interpostos oralmente. Professor nunca viu, mas é possível.
Requisitos dos embargos de
declaração: qual a diferença
quanto ao sistema comum? Omissão, contradição e obscuridade? Não só.
Aqui, além
dos três, há possibilidade de se interpor embargos de declaração em
caso de dúvida. “Não entendi! Peço
esclarecimento.” Estranho isso, mas há. Professor já suscitou num caso
de perda
de bagagem. Antigamente havia uma companhia aérea em que se comprava a
passagem
e aguardava-se o telefonema, pois poderia não atingir o número mínimo
de
passageiros para um voo. Se não tivesse, o passageiro que já comprara a
passagem não voaria. Numa dessas tentativas de viajar, alguém perdeu a
bagagem.
É que aparentemente essa companhia, a BRA, era subsidiária de outra, a
Varig, e
não havia balcão da companhia contratada (BRA) no aeroporto; então a
bagagem
era despachada no balcão da Varig, inclusive com o passageiro atendido
por um
funcionário desta. O que o cliente fez foi ajuizar ação contra as duas
empresas.
A sentença foi proferida contra as duas, a BRA foi excluída do polo, e
não
ficou claro se a indenização havia sido reduzida pela metade, ou se
cada uma das
duas, ao final das contas, teria ficado responsável pela metade. A
indenização,
na verdade, era a mesma.
Nos juizados, quando embargos de
declaração forem interpostos
contra sentença, os prazos para outros recursos ficam suspensos. Não há
interrupção dos prazos aqui. Por exemplo, se você interpuser embargos
de
declaração contra sentença proferida pelo juizado especial no terceiro
dia do
prazo, depois do julgamento esses três dias serão contabilizados, e seu
prazo
de 10 dias para interpor o recurso inominado será reduzido para sete. É
chato;
você tem que ficar calculando o prazo remanescente.
E contra acórdão? Atenção: aqui
voltamos para a regra geral:
o prazo é interrompido. Contra
sentença suspende, contra acórdão interrompe. Contra sentença suspende,
contra
acórdão interrompe. Contra sentença suspende, contra acórdão interrompe.
Tudo o que falamos sobre embargos de declaração nos juizados especiais estaduais está resumido em três artigos da Lei 9.099/95:
Seção XIII
Dos Embargos de Declaração Art. 48. Caberão embargos de
declaração quando, na sentença
ou acórdão, houver obscuridade, contradição, omissão ou
dúvida. Parágrafo único. Os erros
materiais
podem ser corrigidos de
ofício. Art. 49. Os embargos de
declaração
serão interpostos por
escrito ou oralmente, no prazo de cinco
dias, contados da ciência da decisão. |
Outros
recursos
contra decisões dos juizados
A jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal entendeu que, a
partir do momento em que se sai do microssistema, volta-se à regra
geral no que
tange aos recursos.
Uma questão diferente agora: cada
estado tem seu juizado. O
que acontecia durante muitos anos era que se ajuizava uma ação aqui em
Brasília, nos autos da qual era proferida uma sentença, contra ela se
interpunha recurso inominado, e era proferido um acórdão. Em Brasília,
entendeu-se em determinado sentido. Lá no Rio de Janeiro, na mesma
ação, o juizado
entendia de maneira diametralmente oposta. Isso era possível acontecer
sim,
pois o sistema recursal era tão pequeno que parava no acórdão da turma
recursal
daquele estado. Por isso era possível a existência de divergência entre
juizados do Brasil. E mais ainda, divergência entre juizados e
Tribunais de
Justiça, mesmo entre juizados com o STJ, que é a corte
infraconstitucional, que
presta a jurisdição infraconstitucional. Teses idênticas, julgadas de
maneira contrária.
Isso não é interessante para o país. Importa que tenhamos julgados
uniformes.
Antes não havia recurso para unificar
a jurisprudência. Nos
cíveis estaduais ainda não tem, só nos federais. REsp,
que é direcionado justamente para isso, não cabe nos Juizados
Especiais! Não cabe REsp contra acórdãos proferidos pelos juizados. E recurso extraordinário? Recurso para o
STF, que diz respeito a matéria constitucional? Sim, é cabível.
Incrível, pois
é muito raro haver matéria constitucional de origem nos juizados
subindo ao
Supremo.
O Supremo se pronunciou sobre a
insuportabilidade dessa
situação, e passou a admitir o ajuizamento de reclamação
ao STJ para discutir divergência dos juizados em relação
a entendimentos do próprio STJ. É uma anomalia. O STJ editou então uma
resolução para disciplinar essas reclamações sobre divergências.
Noticiada a
divergência, o STJ manda que se suspendam todos os julgamentos em curso
no país
sobre a questão controvertida até que houvesse pronunciamento da Corte
Superior.
A decisão teria efeito erga omnes.
Agravo: Cabe
agravo nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais? Não. As decisões
interlocutórias são irrecorríveis. Os juizados proferem decisões
interlocutórias, especialmente em execuções. Penhora online, por
exemplo. Já
que não há o recurso, o que se faz, em caso de decisão desfavorável, é
usar de
algum sucedâneo recursal. Alguns juizados admitem mandado de segurança,
outros
admitem em alguma forma de correição, outros admitem na forma de
reclamação... foge-se
para o sucedâneo, pois não existe agravo aqui. Varia de acordo com cada
juizado
especial.
Vejam como de vez em quando vale a
pena ir ao juízo comum
para discutir sua tese, mesmo que a causa seja menor do que os 40
salários
mínimos.
Juizados
Especiais
Federais
As regras daqui também se aplicam aos
juizados da Fazenda
Pública. A Lei 10259/01, que trata dos Juizados Especiais Federais,
remete à
Lei 9099/95 em alguns pontos.
Recurso
inominado nos Juizados Especiais Federais
A diferença é que, como há ente
federal, o prazo para
recorrer seria dobrado, normalmente. Mas não aqui: não há prazo em
dobro. A Lei
10259 fala expressamente:
Art. 9º Não haverá prazo diferenciado para a prática de qualquer ato processual pelas pessoas jurídicas de direito público, inclusive a interposição de recursos, devendo a citação para audiência de conciliação ser efetuada com antecedência mínima de trinta dias. |
Embargos de
declaração
Idem.
Agravo e
antecipação
de tutela
Agora sim, aqui cabe agravo contra
decisão interlocutória!
Por quê? Vejam que interessante: Lá nos juizados especiais cíveis, a
competência é relativa, enquanto aqui é absoluta, e não já escolha.
Portanto,
tem que haver uma solução já que o sistema recursal no JEF é
obrigatório.
Cabe antecipação de tutela nos
juizados especiais cíveis
estaduais? Já foi tema de monografia. O professor e muitos juízes acham
que não
cabe. Defendem que a parte deve ir ao juízo comum se a parte quiser a
antecipação
de tutela. O processo nem é autuado, e fica lá, sem capinha, esperando
eventual
conciliação. Se houver, o processo nem nasce. A antecipação de tutela
não
convive com o sistema porque não cabe agravo. ²
Portanto, cabe agravo no juizado
especial federal. Mas não
contra qualquer decisão interlocutória! Somente
para decisões que decidem questões cautelares. Decisões de
exame de
urgência.
Remessa
necessária
O que é mesmo remessa necessária? Em
caso de condenação contra
o poder público, independente de recurso, a decisão deverá ser
reexaminada pelo
tribunal. Aqui não tem remessa necessária, porque o valor é menor do
que o
limite de 60 salários mínimos, que é um dos recursos para o reexame de
ofício.
Mas, mesmo que não houvesse esse requisito do valor, a própria Lei dos
Juizados
Federais prevê a inexistência de remessa necessária:
Art. 13. Nas causas de que trata esta Lei, não haverá reexame necessário. |
Incidente de
uniformização de jurisprudência
Nos Juizados Especiais Federais há um
instituto próprio para
a uniformização da jurisprudência. Enquanto isso, nos Juizados
Especiais
Estaduais, usa-se a reclamação, essa solução provisória até que o Poder
Legislativo resolva essa situação. Temos cinco Tribunais Regionais
Federais.
Cada região tem seus juizados. Pode haver divergência entre juizados da
primeira e da terceira regiões? Sim. A solução é o incidente de
uniformização no
prazo de 10 dias, cabendo contra decisões conflitantes em acórdãos dos
Juizados
Especiais Federais.
Pode haver divergência dentro da
própria primeira região. De
uma turma recursal contra outra turma recursal. Também se deve usar o
incidente
neste caso.
Hipóteses de utilização do incidente
de uniformização de
interpretação:
São três possibilidades, portanto.
Esse incidente tem vários detalhes,
que o professor não
falará todos aqui. Estão no art. 14 da Lei 10259/2001. Há o Conselho da Justiça Federal
– CJF, que existe
no âmbito dos Juizados Especiais Federais. Serve para uniformizar a
jurisprudência nessas três hipóteses.
Contra acórdão de turma dos Juizados
Especiais Federais, em
tese, quais os recursos cabíveis? Embargos de declaração, recurso
extraordinário e incidente de uniformização de interpretação. “Em
tese”, claro,
pois cada um tem suas possibilidades específicas. Embargos de
declaração nos
casos de omissão, contradição, obscuridade e dúvida; recurso
extraordinário se a matéria
controvertida for constitucional e tiver sua repercussão geral
reconhecida, e
incidente de uniformização de jurisprudência nas três hipóteses acima.
Note que a Lei 10259 nada fala sobre
embargos de declaração,
mas veja seu art. 1º:
Art. 1o São instituídos os Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Justiça Federal, aos quais se aplica, no que não conflitar com esta Lei, o disposto na Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995. |
Significa que valem as mesmas regras
para os embargos de
declaração que vimos mais cedo.
Esse é o microssistema dos juizados.