Direito Penal

segunda-feira, 27 de outubro de 2008


Excludentes de culpabilidade

Frase do dia: "Para passar em concurso público, basta disciplina e boa memória." ¹

Quinta-feira não haverá aula.

Tópicos:

  1. Introdução
  2. Coação física e moral
  3. Obediência hierárquica
  4. Inexigibilidade de conduta diversa
  5. Emoção e paixão

Introdução

A aula começa com uma sentença trazida pelo professor, com a pena dada a um sujeito que transportava madeira ilegalmente, com documento falso para legitimar a carga. O juiz dá aumento de pena porque o sujeito “não possuía nenhuma excludente de culpabilidade em seu favor”. Houve violação do princípio ne bis in idem. A culpabilidade é pressuposto da pena, não fator agravante. A sentença completa está aqui.² O juiz utilizou, no início da sentença, a expressão “passo à dosimetria da reprimenda”. Isso é o mesmo que: “passo à aplicação da pena.” O professor defende que a expressão usada é um excesso de erudição desnecessária, numa ocasião em que poderia ter usado, perfeitamente, termos mais simples. Também, como se pode ver, foi decretado o regime aberto desde que cumprissem as exigências: “a) Recolher-se em Casa de Albergado – ou, se inexistente, à cadeia pública –, todos os dias, das 22:00 às 6:00 horas, e, durante todo o dia, nas folgas, repousos e feriados; b) Apresentar-se, pessoal e mensalmente, até o dia cinco de cada mês, no juízo de sua residência, dando conta de sua ocupação e domicílio; c) Não freqüentar prostíbulos, casas de tavolagem ou ambientes de duvidosa reputação; d) Não ingerir bebidas alcoólicas; e) Não portar armas de qualquer espécie; f) Não voltar a delinqüir; g) Recolher as custas processuais, em até trinta dias; h) Exercer ocupação habitual e lícita; i) Não se ausentar da comarca onde reside, por mais de oito dias, sem autorização judicial.” 

Quanto às partes destacadas da sentença, houve mais uma violação a um princípio do Direito. Qual? O da proporcionalidade, no que tange à adequação entre fato praticado e pena cominada.

Lembrem-se que é por concurso público que nos tornamos juízes. Para passar em concurso público, basta disciplina e boa memória.

Isso mostra que precisamos muito mais do que o curso de Direito e uma aprovação em concurso para ser juiz.

 

Coação física e moral

A única coação que realmente exclui a culpabilidade é a coação moral irresistível. As demais formas de coação, seja a moral ou a física, não excluem a culpabilidade. Este é o posicionamento da doutrina majoritária.

A coação física é exercida, como diz o nome, fisicamente sobre o coagido. Há coação física quando alguém se utiliza de uma outra pessoa como instrumento exercendo uma coação física mesmo para cometimento de um crime, como obrigar alguém a praticar um crime pondo uma arma em sua cabeça. Apontar a arma para que o sujeito assine um documento, ou então para que ele estupre alguém. Ou ainda forçar sua mão para que ele assine o documento.

Se Beresch, querendo que Jack passe uma informação falsa pelo telefone, aponta uma arma para Derek, que está ao seu lado, este está sob coação física, enquanto Jack está sob coação moral.

Nesse caso, a própria tipicidade é excluída, não a culpabilidade. O coagido não responderá penalmente por ter estuprado uma mulher por determinação do autor. Essa coação física, em relação ao coagido, exclui a própria vontade. Excluindo a vontade, a própria tipicidade é também excluída. A culpabilidade então nem entra em discussão. A ação daquele que está coagido é uma não-ação, um fato atípico. Quem responderá será o autor da coação. Isso se chama autoria mediata. Lembrem-se dos conceitos de autoria imediata e autoria imediata.

O autor da coação física responde pelo crime praticado pelo coagido e também pela coação exercida sobre ele. Em geral é um constrangimento ilegal ou uma lesão corporal. Mas, pode haver coação moral irresistível, que é aquela que consiste na ameaça de provocar um mal grave ao sujeito. Agora, existe uma vontade por parte do coagido, que poderá ceder ou não à ameaça. Há um fato típico e ilícito por parte do coagido, porém inculpável. Ele não responderá penalmente. A coação moral irresistível exclui a culpabilidade por parte do coagido. O autor da coação responde da mesma forma. É mais uma vez uma situação de autoria mediata.

Resumo: a coação física irresistível exclui a tipicidade, enquanto a coação moral irresistível exclui apenas a culpabilidade. Note que ainda estamos falando de coações irresistíveis.

E se a coação for resistível? A conseqüência é a mesma: há uma ação punível. Quando a coação é física ou moral resistível, há uma ação típica, portanto não há mais autoria mediata; será um caso de co-autoria, já que houve vontade dos dois, do autor e do coagido. Depende do entendimento do juiz se a coação é resistível. Por exemplo: alguém ameaça revelar que um sujeito é homossexual, mas todo mundo já sabe disso, logo o “impacto” do espalhamento desse “segredo” é tolerável. Mas o coagido tem direito a uma atenuação de pena. É uma atenuante genérica, que está no art. 65, inciso III, alínea c do Código Penal:

        Circunstâncias atenuantes

        Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena:

        I - ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data do fato, ou maior de 70 (setenta) anos, na data da sentença;

        II - o desconhecimento da lei;

        III - ter o agente:

        a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral;

        b) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano;

        c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima;

        d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime;

        e) cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto, se não o provocou.

Só existe coação moral se houver três personagens, necessariamente:

  1. O autor da coação;
  2. O coagido;
  3. O dono do bem jurídico ameaçado (a vítima da coação).

No exemplo utilizado acima (proveniente da série 24 Horas, episódio 4 da 5ª temporada), o autor é obviamente Beresch, o coagido é o Jack Bauer e a vítima é Derek Huxley.

Só assim se pode falar de coação moral resistível ou irresistível.

E se houver apenas duas pessoas, sendo o coagido a própria vítima da coação? Não haverá coação propriamente dita, na verdade não se trata de coação de forma alguma. É apenas um crime do autor da coação contra a vítima. Se a vítima for, por exemplo, estuprada, ela poderá praticar legítima defesa.

Tem um autor que entende que é possível que exista uma coação física ou moral putativa. Ou seja, alguém pode achar que está vivendo uma situação de coação real mas ela é, na verdade, putativa. O professor acredita que isso é possível, mas sem conseguir imaginar um exemplo. 

Obediência hierárquica

No serviço público, quem exerce função pública é obrigado, em princípio, a cumprir as ordens do superior. A situação dos militares é ainda mais grave. Alguém poderá eventualmente praticar crime a pretexto de cumprir ordem hierárquica superior, ou cumprir a ordem hierárquica que implique em cometimento de um crime. Nunca o contrário; por exemplo, Coronel não pratica obediência hierárquica a um Capitão. Um delegado pode ordenar aos agentes que matem crianças que estão praticando tráfico de drogas. Essas pessoas que participam de grupo de extermínio a mando de um delegado ou capitão respondem penalmente ou não?

Duas situações possíveis. A ordem, que é sempre de funcionário público, pode ser:

No primeiro caso, há crime do superior e do inferior hierárquico. Logo, há uma situação de co-autoria. O inferior não tem a obrigação de cumprir uma ordem claramente criminosa. O fato será típico, ilícito e culpável por parte de todos, como por exemplo em caso de atuação de grupos de extermínio. Se, entretanto, o chefe ameaçar o inferior, este poderá alegar outra excludente, como a coação moral ou física irresistível.

No segundo caso, como no caso em que o sujeito é um novo policial, a culpabilidade será excluída por parte do inferior hierárquico. Se a ordem for cumprida por aquele que acha que a ordem é legal, este não será culpável, basta que alegue cumprimento de ordem não manifestamente ilegal. O superior que deu a ordem responde normalmente.

Para invocar essa excludente de culpabilidade, há um provérbio: “Soldado mandado não tem crime”. Está certo ou não o provérbio? Sim e não. Depende de cada um dos casos: ordem manifestamente ilegal ou não manifestamente ilegal.

Para que o inferior hierárquico possa alegar essa excludente de culpabilidade, há alguns requisitos:

  1. Que exista uma ordem superior, portanto um dever de atuar;
  2. Atribuição para cumprir;
  3. Não seja a ordem manifestamente ilegal.

Também pode haver uma situação putativa, com erro.

Há uma discussão para saber qual a natureza jurídica dessa obediência hierárquica. Alguns dizem que isso é uma espécie de erro de proibição, pois o funcionário público, ao cumprir a ordem, supõe estar atuando conforme a lei. É, portanto, uma variável do erro de proibição.

Também há o autor alemão Hans-heinrich Jescheck, que diz que essa é uma categoria autônoma, e não há nada de erro de proibição.

O professor acha que se trata de algo ambíguo: o sujeito pensa que está cumprindo um dever legal sem saber da proibição. É como se fosse um “estrito cumprimento do dever legal putativo”.

Não existe no Código Penal essa excludente.

Inexigibilidade de conduta diversa

Quando o agente não pode ser enquadrado em nenhuma das situações anteriores, costuma-se alegar uma causa supra-legal de excludente de culpabilidade. Tem sido admitida na doutrina e na jurisprudência, especialmente no Tribunal do Júri. Como aquele sujeito que matou a mulher porque ela estava tendo um caso com um terceiro. Alega-se inexigibilidade de conduta diversa, às vezes com êxito. "O sujeito vivia uma situação difícil, ele já é agressivo, etc" alega-se. Depende muito do talento de seu advogado. É comum invocá-la também em caso de passaporte falso. “Ele está desempregado, tentou o visto na embaixada e não conseguiu, e acabou indo para lá para trabalhar...”

Também em caso de fiel que recebe ordens do pastor de fazer algo. Não é obediência de ordem hierárquica porque não se trata de funcionário público, mas é possível alegar-se isso, a depender das circunstâncias e da habilidade do advogado.

Para alguém invocar a inexigibilidade de conduta diversa, é necessário que se trate de algo extremam sério e grave a ponto de sacrificar o bem jurídico alheio. Tudo pode ser conforme ou contrario ao direito a depender da interpretação.

 

Emoção e paixão

O Código diz que não excluem a culpabilidade. É inclusive uma regra inútil, pois não há crime que seja praticado sem nenhuma dose de emoção ou paixão. As paixões são ora vis, ora nobres. Há um crime chamado de registro de filho alheio como próprio.

        Parto suposto. Supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil de recém-nascido

        Art. 242 - Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil:

        Pena - reclusão, de dois a seis anos.

        Parágrafo único - Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza:

        Pena - detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena.


Às vezes o sujeito pratica esse crime para proteção de alguém, ou também seqüestro. Os autores, em geral, dizem que a emoção é um sentimento de excitação passageiro, enquanto a paixão é uma excitação mais duradoura. A emoção e a paixão não excluem a culpabilidade, como regra. Há situações de emoção e paixão que podem chegar ao estagio patológico. Nesse caso, ele poderá invocar excludente de culpabilidade em razão da doença mental.

Alguns também chegam a abrir os túmulos onde seus ídolos estão enterrados e praticam vilipêndio a cadáver por paixão a eles; a cabeça do compositor austríaco Joseph Haydn foi subtraída e somente encontrada 86 anos depois. Embora não seja, como regra, excludente de culpabilidade, em alguns crimes a pena pode ser atenuada ou reduzida, desde que não patológica. 

segunda-feira, 27 de outubro de 2008 às 19:32 - Adicionada nota de Direito Penal de 27/10.segunda-feira, 27 de outubro de 2008 às 19:32 - Adicionada nota de Direito Penal de 27/10.Homicídio privilegiado: quando alguém pratica o crime sob o domínio de extrema emoção sob injusta provocação da vítima:

        Art 121. Matar alguem:

        Pena - reclusão, de seis a vinte anos.

        Caso de diminuição de pena

        § 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. [...]



1- Combine essa frase com a frase do dia 09/10.
2- http://www.trt14.gov.br/Grafica/jf060907.pdf